Publicado em 01/07/2014 | TONI REIS* -Gazeta do Povo
Dados do Censo Demográfico de 2010 (IBGE) retratam a existência da diversidade nos arranjos familiares atuais: 66,2% são famílias “nucleares” (definidas como um casal com ou sem filhos, ou uma mulher ou um homem com filhos); 19% são estendidas (mesmo arranjo anterior, mas inclui convivência com parente ou parentes); 2,5% são compostas (inclui convivência com quem não é parente) e os demais 12,3% são pessoas que moram sozinhas.
No entanto, em outubro de 2013, um deputado federal apresentou na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei (PL) n.º 6.583/13, o “Estatuto da Família”. Nele, o artigo 2.º estabelece que “para os fins desta lei, define-se entidade familiar como o núcleo social formado a partir da união entre um homem e uma mulher, por meio de casamento ou união estável, ou ainda por comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes”.
A proposição vem na contramão da realidade informada pelo Censo e propõe criar, insidiosamente, divisões na sociedade que a própria Constituição Federal buscou eliminar. Em 5 de maio de 2011, o Supremo Tribunal Federal (STF), guardião da Constituição, entendeu, por unanimidade, que o direito fundamental constitucional da igualdade perante a lei predomina sobre a redação do seu artigo 226, § 3.º, segundo o qual, “para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar”, e com base nesse entendimento o STF equiparou a união estável homoafetiva à união estável entre o homem e a mulher.
Mas não seriam apenas as famílias homoafetivas que teriam seus direitos violados pelo PL n.º 6.583/13. Ele também discrimina e relega à condição de cidadãs de segunda classe as pessoas cuja maneira de constituir uma família não se enquadre na definição estreita colocada no seu artigo 2.º.
Em sua justificação, o autor do PL n.º 6.583/13, que também foi relator do projeto de lei da “cura gay” na Comissão de Direitos Humanos e deu parecer favorável ao mesmo, revela ainda mais a sua verdadeira motivação quando afirma que é preciso enfrentar as “questões complexas a que estão submetidas às famílias num contexto contemporâneo”, entre elas a “desconstrução do conceito de família, aspecto que aflige as famílias”.
Enfim, ao que parece, o que permeia as motivações pela apresentação da proposição e seu teor discriminatório são as convicções religiosas pessoais do seu autor e o patente desrespeito pela laicidade do Estado, quando esta, constitucionalmente, deveria prevalecer no ato de propor leis.
Na justificação do PL, o deputado afirma que o apresentou porque “não há políticas públicas efetivas voltadas especialmente à valorização da família”. Mas, na verdade, o deputado não tem em mente a valorização de todas as formas de família comprovadamente existentes, e sim a imposição de um só tipo de família, em detrimento das demais, não menos válidas. Se de fato há necessidade de um estatuto dessa natureza, seria mais apropriado e condizente com a realidade se tivesse o título de Estatuto das Famílias, em consonância com o conceito que a Lei Maria da Penha ofereceu já em 2006: “família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa” (art. 5.º , inciso II).
Pelo respeito a todas as famílias.
*Toni Reis, doutor em Educação, é casado com David Harrad há 25 anos. São pais de três filhos
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