quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Agora, Ministra - Luiza Bairros

Luiza Bairros, de 57 anos, é gaúcha de porto Alegre e uma das fundadoras do Movimento negro unificado (MNU). Fez sua graduação em Administração pública e Administração de empresas, no sul, e pós-graduação em Sociologia, na Michigan State university, nos estados unidos. Moradora de Salvador há mais de 30 anos, tornou-se pesquisadora associada do Centro de Recursos humanos/ CRH, da universidade Federal da Bahia (UFBA) e fundou, em parceria com a Conferência nacional de Cientistas políticos negros (uma organização norteamericana), o Projeto Raça e Democracia nas Américas, que promove a troca de experiências entre estudantes de pós-graduação afro-brasileiros e pesquisadores afro-norte-americanos. Luiza também foi professora de Sociologia da Faculdade de direito da universidade Católica do Salvador (UCSAL). Em 2008, trouxe para dentro do estado da Bahia toda a sua experiência na luta contra o racismo e o seximo, à frente da Secretaria de promoção da Igualdade, criada em 2006. Agora, como Ministra da Igualdade Racial do Brasil, Luiza assume um novo desafio, sem perder o olhar do movimento social.

A senhora é gaúcha e reside faz muitos anos na Bahia, com vasta experiência em estudar a questão racial no Brasil e no mundo. Em que a Bahia difere, e o que tem em comum no âmbito da questão racial com outros lugares?


A grande diferença na Bahia é o peso da população negra dentro da população total do estado. Algo que não é apenas numérico, mas que também influencia. Toda a cultura baiana bebe fundamentalmente da contribuição das culturas de matriz africana que vieram para o Brasil e para a Bahia. Essa é a grande diferença, pois também faz existir na Bahia uma minoria branca muito mais coesa do seu lugar, dos seus espaços de poder. Portanto, as consequências ou os efeitos do racismo sobre a população negra na Bahia tende a ser um pouco mais pronunciados do que em outros Estados.

Eu não estou querendo dizer que exista um racismo na Bahia que seja pior do que em outros lugares, e sim que determinadas condições históricas e culturais produzem racismos que são diferenciados. Não é à toa que causa muito espanto para muitas pessoas o fato de Salvador só ter tido até hoje um único prefeito negro, a cidade que é o centro da influência negra no estado. É como se, de certa forma, os negros da Bahia tivessem sido colocados no lugar de provedores e mantenedores de uma cultura diferenciada , mas que não necessariamente essa força possa ser traduzida em outros espaços da vida social.

O quadro tem mudado nos últimos anos e a tendência é mudar cada vez mais, a partir do trabalho dos movimentos negros, quando estes oferecem uma consciência crescente de que esse espaço e essa influência que se tem no núcleo que se chama baianidade precisa ser refletida em outros espaços, em outros lugares, inclusive na política, no comando da cidade e do centro.

A senhora milita há muitos anos na questão racial. Qual diferença em atuar como militante na questão racial e ser secretária do Estado, quais os principais embates?

Em primeiro lugar eu sempre digo uma coisa: o Movimento Negro Unificado (MNU) mantinha na sua carta de princípios algo que ,para mim, continua valendo: o dever do militante é combater o racismo onde quer que ele se faça presente. Então, tanto faz estar no movimento social quanto na estrutura do Estado, pois o combate permanece como tarefa principal. O que muda, e bastante, é a forma de fazer as coisas, pois o Estado é todo regulado. Existem normas e regras para absolutamente tudo o que se queira fazer, e é preciso que todas as iniciativas que nós temos se submetam a elas. Nesse sentido, torna a nossa atuação menos livre, por assim dizer, pois não tem como propor e fazer coisas que estejam fora daquilo que o projeto político do governo coloca.

Mas não existe conflito entre ser governo e movimento social?
Absolutamente, não existe conflito entre ser militante e gestora à medida que se reconheça as diferenças entre esses dois espaços. Permanece como gestora o compromisso com os direitos do povo negro, permanece como gestora o compromisso no combate ao racismo, mas entre a atuação no movimento social e a atuação do governo o que acontece é uma tradução. Nós traduzimos no governo aquilo que os movimentos sociais propõem. Mas essa tradução, como se sabe, nunca é literal. Existem diferenças do ponto de vista do sentido, existem adaptações que precisam ser feitas para que aquela agenda seja entendida nos termos que o Estado opera. Eu sempre coloco como exemplo que o movimento social negro colocou muito explicitamente a questão do combate ao racismo. No Estado, entretanto, nós trabalhamos com a noção de promoção da igualdade, o que não é necessariamente a mesma coisa, porque em muitos sentidos é possível promover a igualdade entre brancos e negros sem que o racismo seja removido.

Dê um exemplo.


Os Estados Unidos. Não há dúvida que, ao longo dos anos, uma parcela significativa da população afroamericana conseguiu uma inserção digna na sociedade de lá, sem que o racismo tenha acabado. Existe, portanto, essa oportunidade de se reconhecer direitos, sem que a opinião média das pessoas brancas a respeito dos negros mude fundamentalmente. É um jogo bastante complexo, mas é preciso estar muito consciente dele para que não se frustre a nossa participação dentro do Estado com expectativas que, em determinados momentos, não podem ser atendidas.

Quilombo, religião de matriz africana, juventude, segurança pública... Qual é a área mais delicada que o Estado tem que atuar na questão racial?

Todas as áreas apresentam algum nível de dificuldade. Das que você citou, considero as comunidades quilombolas. Nós tivemos uma facilidade relativamente maior de trabalhar essa questão na estrutura do Estado. No que se refere aos quilombos e se pensarmos no ponto de vista das diretrizes estratégicas da Bahia, as nossas ações relativas se inserem na diretriz da promoção do desenvolvimento com a inclusão social e, como existe uma população rural que clama e sempre clamou por uma inclusão mais efetiva aos programas sociais, de infraestrutura e de incentivo à produção, nós conseguimos, então, inserir as comunidades quilombolas dentro dessa outra agenda mais ampla. E os serviços e benefícios também chegam juntos. Existe sempre a possibilidade de emergirem conflitos de terra. Sempre há um fazendeiro disputando aquele espaço e isso é o que tem provocado uma lentidão maior nas possibilidades.

E as religiões de matrizes africana?

Aí a dificuldade é mais em função da novidade do tema. Especialmente no caso da Bahia, os terreiros de candomblé ou pelo menos alguns deles, sempre foram reconhecidos por quem estava no poder, mas eu acredito que naquele período o tipo de relação que se estabelecia era uma pouco respeitosa com essas religiões à medida que se davam em cima de uma relação de clientelismo. O que nós temos procurado fazer agora é eliminar esse viés clientelista dessas, em segundo lugar, evidenciar que a necessidade de se proteger direitos dos terreiros de candomblé é algo que se vincula à questão do racismo, ou seja, a intolerância religiosa é uma questão de racismo nesse caso, pois se trata de religiões que foram trazidas ao Brasil pelos negros. Em terceiro lugar estabelecer um tipo de relação em que não haja interferência do Estado naquilo que exista de sagrado.

No que se refere à questão da juventude e da segurança pública, aí sim temos uma dificuldade de natureza diferente das anteriores, porque não é voz corrente ou uma ideia completamente acentuada em nenhum governo, de que esses conflitos entre a comunidade negra e a polícia não tenham uma base de racismo na sua origem. Existe uma dificuldade muito grande de se compreender isso dessa forma, na verdade, existe uma permanente negação de que o racismo possa ser uma das causas principais do porquê os negros são abordados pela polícia de forma mais frequente nas ruas, do porquê os jovens negros são objeto de ações muitas vezes mais violenta da polícia. Esse é um campo que temos ainda um longo caminho para percorrer.

Sua geração chegou ao poder, principalmente com a Dilma. E, mesmo assim, nós negros não chegamos juntos. Nossa representação ainda não é representativa. Como a senhora analisa essa questão?

É muito difícil falar dessas relações entre negros e brancos sem colocar o racismo no meio. Eu nem sempre fico utilizando o racismo como uma espécie de bode expiatório, em absoluto. A verdade é que o movimento negro, ao longo das últimas décadas no Brasil, sempre atuou em um espaço que não foi totalmente absorvido como parte da política em geral que se fez pela democratização da sociedade brasileira.

Nós não fomos contados como parte desse esforço que a sociedade fez e ainda faz para que nós tenhamos um país efetivamente justo, onde as pessoas possam participar com seus talentos, contribuir com suas histórias e experiências. Então, não termos chegado ao poder, ao mesmo tempo em que a geração de militantes brancos chegou, é em parte explicado por isso. Nós fizemos parte de um espaço de atuação política sem que se fossem feitas ou produzidas alianças de maneira que pudéssemos ser vistos como parte da solução no Brasil e não como parte dos problemas. A maior parte do tempo da nossa militância foi gasta e investida no sentido de provar para outras pessoas a legitimidade da nossa luta.

"O movimento social negro colocou muito explicitamente a questão do combate ao racismo. No estado, entretanto, nós trabalhamos com noção de promoção da igualdade, O que não é necessariamente a mesma coisa porque em muitos sentidos é possível promover a igualdade entre brancos e negros sem que o racismo seja removido"

E quando a senhora acha que conseguimos isso?

Em 1988, naquele processo do centenário da abolição, em que eu considero que a questão racial ganhou debate público, efetivamente. Edson Cardoso escreveu um trabalho naquele período analisando a imprensa brasileira e os principais jornais do país. É muito importante observar como nos editoriais e nos artigos que saíram durante aquele ano, nós do movimento negro não éramos nomeados. Éramos referidos como alguns setores, alguns grupos, mas não se dizia que existia um movimento negro.

Então, esse não reconhecimento do movimento negro como interlocutor político válido no Brasil provoca esse déficit que ainda temos?


Acredito que sim, mas penso que a tendência é que essa invisibilidade diminua. Ao mesmo tempo em que coloco isso, reconheço outras coisas. Nós temos nos governos estaduais órgãos como a SEPROMI, na Bahia, o que denota o fato de que, nessas discussões de qual é o papel do governo e quais são as ações prioritárias, as nossas questões de um certo modo têm que entrar e são contempladas. Isso está expresso nos planos plurianuais de vários governos, algo impensável até pouco tempo atrás. Está presente no próprio debate do Governo Federal quando da criação da SEPPIR, não há dúvida com relação a isso. Agora, o que nós precisamos é potencializar todos esses espaços, o da SEPROMI inclusive, para que possamos nos debates das prioridades e nas decisões (às vezes, até quase diárias) que se tomam dentro do governo do Estado, que se leve em consideração algo que para nós é um princípio: o da promoção da igualdade.

Qual foi o seu principal desafio como secretária de Estado?

Esses são os primeiros quatro anos de existência da secretaria sem que nós tivéssemos um modelo a seguir. Porque ela foi, diferentemente de outros lugares e do próprio Governo Federal, criada para atender tanto a promoção da igualdade racial como as políticas para as mulheres. Então, juntar em um mesmo espaço essas duas agendas enormes é um desafio permanente. Especialmente no caso da Bahia, implica em fazer também outro tipo de esforço para quebrar certa tradição, pois quem trabalha com igualdade racial não fala da mulher negra e quem trata de políticas para as mulheres tampouco trata de mulher negra também.

Quando se fala nos negros, em geral, são sempre os homens, e quando se fala nas mulheres, em geral, são sempre as mulheres brancas. Então, esse esforço de falar em políticas e a necessidade de incluir as mulheres negras, de falar e fazer em questão da igualdade racial, inclui, necessariamente, mulheres, homens, negros, crianças... Foi extremamente desafiante. Outro aspecto que é muito pouco observado é que essas agendas novas que trazemos para o governo demandam um tipo de profissional que, geralmente, não existe dentro do governo ou existem em poucos números.

O que de mais importante e palpável para a população o órgão que a senhora dirige pode oferecer?

As pessoas ou os grupos para os quais as políticas públicas se dirigem não estabelecem departamentos na sua vida, suas necessidades em educação, em saúde ou trabalho. As pessoas vivem essas necessidades e essas demandas de uma forma conjugada, até porque a saúde que eu tenho vai determinar as minhas possibilidades como força de trabalho, vai determinar as minhas possibilidades como pessoa que estuda e quer ter acesso ao conhecimento. A minha inserção no mercado tem relação com o tipo de educação que eu tive e por aí vai. Do lado do governo, temos também que pensar nas dimensões da vida das pessoas como coisas interligadas, se quisermos que o resultado seja concreto na vida delas.

terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Manchetes que gostaríamos de ver estampadas em 2011

*por Leonardo Sakomoto
Com a ajuda de colegas jornalistas, enumerei algumas manchetes que tornariam a vida mais divertida em 2011. Claro, são bastante improváveis, para não dizer irreais. Mas, convenhamos, se alguém te contasse no ano passado que 2010 terminaria após tanta coisa estranha e esquisita, você acreditaria?
- Na calada da noite, Congresso triplica piso salarial dos professores
- Kátia Abreu filia-se ao Greenpeace
- Bispo engravida e defende direito do homem de decidir sobre seu próprio corpo
- Niemeyer se cansa da arquitetura e presta vestibular para medicina
- EUA reconhecem décadas de prejuízo à paz no Oriente Médio e retiram-se de negociações
- PMDB ameaça com expulsão sumária filiados que demandarem cargos em governos
- Crianças que trabalhavam em plantação de fumo fazem motim e mantém gerente da fazenda como refém há 12 horas
- Vaticano assume responsabilidade por filhos do “celibato” e abre escola laica para herdeiros de sacerdotes
- São Paulo passa a inaugurar estações de metrô também em anos ímpares
- Floresta amazônica avança sobre áreas de pastagens degradadas pelo segundo ano consecutivo
- Rita Cadillac revela que filho que está esperando é sim de Sir Paul McCartney
- Bancos admitem que cobraram taxas abusivas de clientes e zeram tarifas até 2050
- Pesquisa Pnad mostra que, em média, remuneração da mulher negra já é duas vezes maior que a do homem branco
- Após aprovação de lei, São Paulo entra para o Livro do Recordes com o maior matrimônio gay coletivo do mundo, reunindo 512 casais
- Fazendeiros entregam produtor rural que escravizava trabalhadores para a polícia
- Brasil respeita direito internacional e anula anistia a torturadores e assassinos da ditadura
- Governo cria regras transparentes para concessões e renovações de rádio e TV
*Leonardo Sakamoto é jornalista e doutor em Ciência Política. Cobriu conflitos armados e o desrespeito aos direitos humanos em Timor Leste, Angola e no Paquistão. Já foi professor de jornalismo na USP e, hoje, ministra aulas na pós-graduação da PUC-SP. Trabalhou em diversos veículos de comunicação, cobrindo os problemas sociais brasileiros. É coordenador da ONG Repórter Brasil e seu representante na Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo.

segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

OEA afasta brasileiro do Haiti por crítica à comunidade internacional*

A OEA (Organização dos Estados Americanos) afastou neste domingo o representante especial do grupo para o Haiti, o brasileiro Ricardo Seitenfus, após ter criticado o trabalho da comunidade internacional na ilha, devastada por um terremoto em janeiro deste ano, uma epidemia de cólera e envolta em uma crise política pelas eleições.

Além de suas responsabilidades no âmbito da OEA, Seitenfus foi o delegado do órgão, a Comissão Provisória para a Reconstrução do Haiti (CIRH). Seu mandato deveria acabar nos próximos meses.
Diplomatas da OEA disseram à agência de notícias Efe que Seitenfus foi "destituído" por causa de uma entrevista que deu ao jornal suíço "Le Temps". O brasileiro negou em entrevista a jornais que a entrevista tenha sido a causa única e alegou que o desgaste com a liderança da OEA vinha de longa data.
Na entrevista ao "Le Temps", o brasileiro questionou o papel da Minustah, a Missão de Estabilização das Nações Unidas no Haiti, que está no país desde 2004 e cujo braço militar é liderado pelo Brasil. Ele criticou ainda a política dos países em relação ao Haiti.
Seitenfus afirmou na entrevista, divulgada em 20 de dezembro, que a ONU tem "imposto a presença de suas tropas no Haiti, apesar de o país não viver uma situação de guerra civil".
"O Haiti não é uma ameaça internacional. Não estamos em situação de guerra civil. Haiti não é o Iraque ou o Afeganistão. E, mesmo assim, o Conselho de Segurança [da ONU], na ausência de alternativas, impôs os capacetes azuis desde 2004, após a saída do presidente [Jean-Bertrand Aristide]", disse o diplomata ao jornal suíço.
O diplomata brasileiro também disse na entrevista que o Haiti "na arena internacional, basicamente, paga pela sua proximidade com os Estados Unidos". "Haiti tem sido alvo de uma atenção negativa do sistema internacional. Isto se trata, para a ONU, de congelar o poder e transformar os haitianos em prisioneiros de sua própria ilha".
"Os haitianos cometeram o inaceitável em 1804 [ano da independência]: um crime de alta traição para um mundo inquieto. O Ocidente é, portanto, um mundo colonialista, escravista e racista que baseia sua riqueza na exploração das terras conquistadas. Assim, o modelo revolucionário haitiano dá medo nas grandes potências", acrescentou.
Seitenfus também analisa o papel das ONGs no Haiti, principalmente depois do terremoto de 12 de janeiro, observando que os voluntários que vieram depois do terremoto "desembarcaram no Haiti sem nenhuma experiência". "Depois do terramoto, a qualidade profissional caiu muito. Existe uma relação maléfica entre a força perversa das ONGs e o enfraquecimento do Estado haitiano".
* enviado por José Gil de Almeida
http://www.jornalaguaverde.com.br/

domingo, 26 de dezembro de 2010

NOTA DA UNEGRO*


A União de Negros Pela Igualdade – UNEGRO declarou, em 18 de julho de 2010, o resultado da sua 4ª Plenária Nacional: apoio a “eleição de Dilma Rousseff como a primeira mulher presidenta da República para aprofundar o ciclo de mudanças iniciados nos dois mandatos da era Lula”. A entidade se envolveu na campanha eleitoral em todo País, deu contribuição positiva para o sucesso eleitoral de Dilma, somando-se aos movimentos sociais e as forças políticas que abriram a partir de 2003 um ciclo progressista virtuoso, inédito na história brasileira. A vitória de Dilma mantém estáveis os avanços conquistados pela esquerda na América Latina e contribui com o desenvolvimento dos povos em luta por pa z, democracia e justiça social.
Mantemos firme nossa convicção que a Presidenta eleita tem fortes compromissos com o desenvolvimento econômico com soberania, equidade e distribuição de rendas; com o aprofundamento da democracia e com as políticas sociais iniciadas pelo governo Lula. Diante disso, a UNEGRO, salvaguardando sua autonomia e comprometida com a luta pela superação do racismo no Brasil, envidará esforços para que o Governo Dilma seja exitoso. Acreditamos na equipe de governo composta pela Presidenta da República que governará o país nos próximos quatro anos, corresponde ao projeto defendido durante a campanha eleitoral e honrará a confiança dos brasileiros depositada nas urnas.
A UNEGRO compreende que as conquistas econômicas, políticas e sociais dos últimos anos não foram suficientes para superar as desigualdades que pesam negativamente sobre a população negra. O racismo sobrevive de uma base material concreta, impõe desvantagem, injustiça e marginalidade. Sobre os negros incidem as mais altas taxas de desemprego, baixos salários e trabalhos insalubres, acumulam déficit no recebimento de educação, saúde e habitação, são maioria nas favelas e nas longínquas periferias das grandes cidades e metrópoles. De modo que participam de uma situação estrutural inferior aos brancos.
Apesar de ainda persistir um quadro social desfavorável para a população negra, o Brasil está encontrando o caminho para a promoção da igualdade racial. São grandes as tarefas para o próximo governo. Exigirá ainda mais força e vontade política, pois Dilma governará o Brasil com uma base parlamentar grande, mas diversa e heterogênea. No Congresso Nacional o resultado eleitoral é positivo para os avanços, o povo brasileiro puniu o conservadorismo, impondo uma fragorosa derrota às forças que militaram contra as propostas de igualdade racial, em especial ao Partido dos Democratas.
O Governo Lula diagnosticou a demanda, pactuou a política, instituiu instrumentos jurídicos e administrativos. Hoje, o desafio é dar efetividade a esse processo, fazendo as mudanças incidirem concretamente na qualidade de vida dos negros e negras brasileiras e na radiografia social do País. Para isso defendemos a implantação integral do Estatuto da Igualdade Racial; esforço do governo para a aprovação do PL 3.627/04, que institui o sistema Especial de Reserva de Vagas para estudantes egressos de escolas públicas, negros e indígenas nas instituições de ensino superior público; avanço na titulação e investimentos sociais nas terras de quilombos; medidas concretas para diminuir o alto número de mortes violentas de jovens negros nos grandes municípios de todo o Brasil; recurso para implantação da Lei 10. 639/2003; reestruturação da Secretaria de Políticas de Igualdade Racial – SEPPIR, capacitando-a física e institucionalmente para dar conta dos novos desafios que se avizinham. Consideramos extremamente importante a presidência exercida por uma mulher enfrentar os persistentes mecanismos que impõem às mulheres negras a base da pirâmide social brasileira.
Por fim, parabenizamos a escolha de Luiza Bairros para titular da SEPPIR, verificamos nela legitimidade e mérito para liderar um processo de aprofundamento e implantação objetiva das políticas de igualdade racial. Na qualidade de força social comprometida com a igualdade racial e com o combate ao racismo, trabalharemos para o fortalecimento, estabilidade e sucesso da SEPPIR, pois acreditamos que seja um importante instrumento e tem dado contribuições para emancipação da população negra do julgo do racismo.

UNIÃO DE NEGROS PELA IGUALDADE
*Edson França - Coordenador Geral da Unegro

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

OEA condena Brasil por mortes na Guerrilha do Araguaia

*Tribunal concluiu que o Estado brasileiro é responsável pelo desaparecimento de 62 pessoas, ocorrido entre 1972 e 1974.

A Corte Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA) condenou o Brasil por não ter punido os responsáveis pelas mortes e desaparecimentos ocorridos na Guerrilha do Araguaia e determinou que sejam feitos todos os esforços para localizar os corpos dos desaparecidos. O Tribunal concluiu que o Estado brasileiro é responsável pelo desaparecimento de 62 pessoas, ocorrido entre 1972 e 1974.
Em uma sentença divulgada hoje, a Corte considerou que as disposições da Lei de Anistia brasileira não podem impedir a investigação e a sanção de graves violações de direitos humanos. Para ela, "as disposições da lei são incompatíveis com a Convenção Americana, carecem de efeitos jurídicos e não podem seguir representando um obstáculo para a investigação dos fatos do presente caso, nem para a identificação e punição dos responsáveis".
A decisão, embora refira-se à Guerrilha do Araguaia, extrapola para outros casos quando a sentença diz que as disposições da lei "tampouco podem ter igual ou semelhante impacto a respeito de outros casos de graves violações de direitos humanos". Este entendimento derruba a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que considerou que a Lei da Anistia, de 1979, também beneficia os agentes do Estado que praticaram torturas e assassinatos.
A sentença da Corte Interamericana foi provocada por três ONGs brasileiras - Centro Pela Justiça e o Direito Internacional (CEJIL), Grupo Tortura Nunca Mais do Rio de Janeiro (GTNM-RJ) e Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos de São Paulo (CFMDP-SP) - que protestaram em nome dos familiares dos mortos e desaparecidos na Guerrilha do Araguaia.
A decisão dos sete juízes estrangeiros e o juiz ad hoc (determinado) brasileiro determina ao Estado brasileiro "a investigação penal dos fatos do presente caso (Guerrilha do Araguaia) a fim de esclarecê-los, determinar as correspondentes responsabilidades penais" e punir criminalmente os responsáveis. Manda ainda o "Estado realizar todos os esforços para determinar o paradeiro das vítimas desaparecidas e, se for o caso, identificar e entregar os restos mortais a seus familiares". Também dispõe que "o Estado preste atendimento médico e psicológico ou psiquiátrico", às vítimas que o solicitem.
Nas 126 páginas da decisão, há determinações que certamente criarão constrangimentos, como a realização de um "ato público de reconhecimento de responsabilidade internacional, em relação aos fatos do presente caso, referindo-se às violações estabelecidas na presente Sentença". Neste ato, segundo a decisão, devem estar presentes "altas autoridades nacionais e as vítimas do presente caso". Outra determinação é a da implementação em um prazo razoável de "um programa ou curso permanente e obrigatório sobre direitos humanos, dirigido a todos os níveis hierárquicos das Forças Armadas".
Legislação
Na área da legislação, a corte determina que se adote "as medidas que sejam necessárias para tipificar o delito de desaparecimento forçado de pessoas, em conformidade com os parâmetros interamericanos". Estipula ainda que não adianta apenas apresentar o projeto de lei, mas também "assegurar sua pronta sanção e entrada em vigor".
A decisão determinou ainda que o Estado pague US$ 3 mil dólares para cada família a título de indenização pelas despesas com as buscas dos desaparecidos. Estipulou também indenização a titulo de dano imaterial de US$ 45.000,00 a cada familiar direto e de US$ 15.000,00 para cada familiar não direto, considerados vítimas no presente caso. Determina também o pagamento pelo Estado de US$ 45 mil para as três ONGs, cabendo a maior parcela de US$ 35 mil para o Centro pela Justiça e o Direito Internacional, pelos gastos tidos até hoje com o caso.
*Estadão  14 de dezembro 2010

 

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Fotos de 'quilombo urbano' em Salvador ganham prêmio britânico

por* BBC Brasil
 Imagens que retratam o dia a dia de 60 famílias que vivem em uma fábrica de chocolate abandonada em Salvador foram as vencedoras do prêmio de fotografia britânico Terry O'Neill.
As fotos fazem parte do projeto "Quilombo Urbano", do espanhol Sebastián Liste, que vem documentando as vidas dos brasileiros que formaram uma comunidade nesses prédios em ruínas da capital baiana.
"A história desta cidade se move entre a conquista e a coexistência. Entre a bipolaridade universal da harmonia e do caos, entre a esperança e a desesperança", diz o fotógrafo premiado.
"O objetivo deste projeto é a criação de um retrato emocional de um tempo e um lugar onde coexistem o violento e o sensual de forma única."
Problemas das ruas
As famílias que vivem na fábrica abandonada conhecida como o "Galpão da Araújo Barreto" deixaram as ruas há 7 anos, mas segundo Liste continuam enfrentando os mesmos problemas: drogas, prostituição e violência.
O fotógrafo descreve os quilombos da época da escravidão como pequenas cidades na floresta para onde iam os escravos fugindo da opressão e de condições de vida desumanas.
Para Liste, os "quilombos" de hoje também são locais "de resistência e esperança, mas agora estão dentro da cidade".
O segundo lugar no prêmio Terry O'Neill foi para Algaé Bory com uma série de fotografias sobre uma mãe solteira e sua filha, enquanto a terceira colocação ficou com Laura Pannack que fotografou jovens naturistas britânicos.

sábado, 11 de dezembro de 2010

Conceição Evaristo: Poemas da recordação e outros movimentos*

Hoje não é nenhum absurdo nem exagero afirmar que Conceição Evaristo é a principal voz feminina da nossa literatura afro-brasileira. Por isso, devemos celebrar o lançamento de "Poemas de recordação e outros movimentos", pela editora Nandyala, em 2008, antologia poética que reúne poemas do passado e inéditos dessa mineira de Belo Horizonte, nascida em 29 de novembro de 1946.
Desde os anos 1970 radicada no Rio de Janeiro, formada em Letras, Mestre em Literatura Brasileira pela PUC/RJ e Doutora em Literatura Comparada pela UFF/RJ, Evaristo teve sua estreia literária em 1990, na série Cadernos Negros, publicação anual editada pelo Grupo Quilombhoje com o intuito de lançar escritores afro-brasileiros, projeto iniciado em 1978.
A partir daí, a poeta começou a ter seus textos, que navegam entre a poesia, o conto e o romance, em diversas antologias nacionais e estrangeiras. Individualmente, publicou os seguintes romances:
"Ponciá Vicêncio" (2003 e já na segunda edição) e "Becos da Memória" (2006).
A obra de Conceição Evaristo conduz-nos a um profundo mergulho na memória que navega entre as recordações individual e coletiva, "a memória bravia lança o leme:/ Recordar é preciso". Logo somos
banhados pelas "águas-lembranças" de Evaristo que se posiciona como mulher negra e da comunidade negra em geral para transformar em poesia as suas "escrevivências". Estas são motivadas pelas lembranças familiares, formadoras do binômio vida-poesia, destacando-se a convivência com a mãe, "mulher de pôr reparo nas coisas,/ e de assuntar a vida", e que "me ensinou,/ insisto, foi ela,/ a fazer da palavra/ artifício/ arte e ofício/ do meu canto/ da minha fala", o aprendizado oral pelos provérbios, "quando se anda descalço/ cada dedo olha a estrada", e também do contato frutífero com a Tia Lia que "temperando os meus dias/ misturava o real e os sonhos/ inventando alquimias./ (...) Houve um tempo/ em que a velha/ me buscava/ e eu menina/ com os olhos/ que ela me emprestava,/ via por inteiro/ o coração da vida".
O cruel desenvolvimento das adversidades pelas quais passam as mulheres negras através dos tempos, configurando a dor e as experiências de injustiças sociais, são demonstrados no poema
"Vozes-Mulheres", no qual o sujeito lírico retoma as dores sofridas pela bisavó no passado de violenta escravidão, como ecos na memória de "lamentos/ de uma infância perdida". Relembra a
submissão sofrida pela avó ainda escrava diante da "obediência/ aos brancos-donos de tudo", recorda os ecos das dores de sua mãe "no fundo das cozinhas alheias/ debaixo de trouxas/ roupagens sujas dos brancos". Até chegar no tempo presente, na sua voz que ainda "ecoa versos perplexos/ com rimas de sangue/ e/ fome", para atingir a consciência madura de sua filha, voz que "recorre todas as nossas vozes" e que se quer livre: "Na voz de minha filha/ se fará ouvir a
ressonância/ o eco da vida-liberdade".
A condição feminina aparece com frequência em seus poemas. Em "Do fogo que em mim arde" a coisificação da mulher é combatida: "Sim, eu trago o fogo,/ o outro/ não aquele que te apraz"; conduzindo à metapoesia e à afirmação de um sujeito feminino pleno: "Sim, eu trago o fogo,/ o outro/ aquele que me faz,/ e que molda a dura pena/ de minha escrita./ É este o fogo/ o meu,/ o que me arde/ e cunha a minha face/ na letra-desenho/ do auto-retrato meu". Portanto, verifica-se a rigidez de um sujeito lírico que possui a força de dar a vida, por fim, dar movimento ao mundo e que diz: "Eu
fêmea-matriz/ Eu força-motriz/ Eu-mulher".
Ao posicionar-se como negra e ao fazer literatura com cariz afro-brasileiro, torna-se inevitável apresentar temas que não integram o cânone e são excluídos por ele, tal como a denúncia do racismo presente em nossa sociedade que a ordem estabelecida insiste em negar e persiste com a mentira de que vivemos em uma democracia racial. Os poemas de Evaristo invocam este e outros
assuntos referentes ao nosso cotidiano de cidadão negro e o poema "Meu Rosário" é um excelente exemplo por tratar da religiosidade híbrida brasileira - "Nas contas de meu rosário eu canto Mamãe
Oxum e falo/ padres-nossos, ave-marias" -, a discriminação permanente que o negro é submetido em uma cerimônia cristã - "As coroações da Senhora, em que as meninas negras,/ apesar do desejo
de coroar a Rainha,/ tinham de se contentar em ficar ao pé do altar/ lançando flores" -, escancara o subemprego dos nossos pares - "As contas do meu rosário fizeram calos/ nas minhas mãos/ pois
são contas do trabalho na terra, nas fábricas,/ nas casas, nas escolas, nas ruas, no mundo". Entretanto, permanecem os "sonhos de esperanças" e a transformação do verbo em poesia - "E neste andar de contas-pedras,/ o meu rosário se transmuta em tinta,/ me guia o dedo,/ me insinua a poesia".
Intertextualizando com Carlos Drummond de Andrade, para nós negros há sempre incontáveis "pedras no meio do caminho". Para suportar e superar "a áspera intempérie/ dos dias", necessita-se assumir "a ousada esperança/ de quem marcha cordilheiras/ triturando todas as pedras/ da primeira à derradeira", "moldando fortalezas-esperanças" para sobreviver diante de tantas desigualdades e perseguições ao nosso povo, principalmente aos jovens, vítimas constantes da violência policial e demonstrada com sutileza pelo sujeito lírico: "E pedimos/ que as balas perdidas/ percam o rumo/ e não façam do corpo nosso,/ os nossos filhos,/ o alvo". Fatos recorrentes que revoltam, o incômodo por séculos de opressão não segura mais a língua metamorfoseando a conjungação dos verbos: "E não há mais/ quem morda a nossa língua/ o nosso verbo solto/ conjugou antes/ o tempo de todas as dores". Sendo assim, o sujeito lírico atua como agente de mudança da História e propõ e o seu grito de liberdade: "E o silêncio escapou/ ferindo a ordenança/ e hoje o anverso/ da mudez é a nudez/ do nosso gritante verso/ que se quer livre".
Devemos frisar que o poeta afro-brasileiro é um partícipe ativo - e por sinal, incômodo - da presença negra na literatura brasileira, assim como possui plena consciência da necessidade de uma revisão crítica da História oficial que minimiza o passado de séculos de escravidão e a exclusão social que se perpetua para a maioria de nossos pares na contemporaneidade. Só resta ao sujeito lírico cumprir seu papel e assumir essa condição, ou seja, denunciar "o que os livros escondem,/ as palavras ditas libertam. E não há quem ponha/ um ponto final na história".
Com isso, os poemas de Conceição Evaristo possuem o predomínio temático das diversas e urgentes questões afro-brasileiras e também da mulher, todavia, sua poesia navega com desenvoltura pela metapoética, demonstrando reverência ao verbo poético, transbordando lirismo e emocionando as retinas: "Quando eu morder/ a palavra,/ por favor/ não me apressem,/ quero mascar,/ rasgar entre os dentes,/ a pele, os ossos, o tutano/ do verbo,/ para assim versejar/
o âmago das coisas".
E é assim "crivando buscas/ cavando sonhos/ aquilombando esperanças/ na escuridão da noite" e cosendo "a rede/ de nossa milenar resistência" que a poesia de Conceição Evaristo insiste na defesa inquestionável dos negros, persiste com as denúncias às condições discriminatórias sofridas por nós e amadurece em sua estrutura estético-formal. "Poemas da recordação e outros movimentos" mostram um verbo depurado de uma autêntica artífice da linguagem, marcando a sua posição destacada na construção de uma literatura afro-brasileira autônoma, para além de configurar a
inclusão do nome de Conceição Evaristo entre o que vem sendo produzido de melhor qualidade na literatura brasileira contemporânea.

*publicado no Vermelho.org.br


A Filosofia de Noel Rosa