segunda-feira, 30 de abril de 2012

Lusofonia: Moçambique em versos

27 DE ABRIL DE 2012 - 18H00 
Escritores africanos de expressão portuguesa
Os escritores moçambicanos Craveirinha e Knopfli; entre eles, o angolano Pepetela

Moçambique em versos


Editora da UFMG lança coleção com os principais poetas de Moçambique; os três primeiros volumes trazem José Craveirinha, Rui Knopfli e Luís Carlos Patraquim

Por Henrique Marques-Samyn ((*)


Os três autores são alguns dos nomes mais representativos da poesia moçambicana de expressão portuguesa, que conta ainda com nomes como Rui de Noronha (1909-1943), considerado precursor; Noémia de Sousa (1926-2003) e Eduardo White (1963), entre outros. Dirigida por Ana Mafalda Leite, a coleção Poetas de Moçambique pretende apresentar ao público brasileiro a moderna poesia moçambicana

Em tempos de guerra, a poesia, mais que possível, é necessária. Que tematize o próprio conflito não é algo essencial; fundamental é que trate do assunto fulcral da literatura de todos os tempos: a experiência humana, assim resgatando os sentidos solapados pela força das armas.

A Catulo não interessava a guerra civil, mas aquela que cinde o homem enamorado; embora na obra de Dante haja referências aos conflitos que dividiam Florença, associá-la unicamente a isso encerraria um imperdoável reducionismo; e, se Camões figurou a si mesmo portando a espada em uma das mãos e, na outra, a pena, o que esta registrava podiam ser tanto feitos bélicos (como em tantas passagens d’Os Lusíadas, porventura espelhados em suas próprias vivências) quanto o lirismo amoroso dos sonetos.

Em 25 de setembro de 1964, tinha início (nos registros oficiais, ao menos) a Guerra da Independência de Moçambique — mesmo ano em que José Craveirinha publicava Xigubo, seu primeiro poemário; não obstante, já na década de 1950 a resistência se havia organizado em grupos orientados por ideais nacionalistas — decênio em cujo ano derradeiro estreava literariamente Rui Knopfli, com O país dos outros. Se muito insinuam já os títulos das obras (Xigubo é uma dança tradicional que veio a representar a resistência colonial moçambicana), os poemas que delas constam não frustram essas expectativas. 

Knopfli e Craveirinha nasceram literariamente como cronistas poéticos de uma nação apenas sonhada, cuja construção suas trajetórias líricas acompanharam, indagando insistentemente sobre sua identidade. Dessa tarefa participaria também Luís Carlos Patraquim, cujo poemário de estréia, Monção (1980), renovaria esteticamente a literatura moçambicana sem recusar a dimensão política da palavra poética.

A esses três autores são dedicados os primeiros volumes da coleção Poetas de Moçambique, série publicada pela editora UFMG e dirigida por Ana Mafalda Leite, professora na Universidade de Lisboa que viveu a infância e parte da juventude em Moçambique, chegando a iniciar estudos universitários em Maputo. Ana Mafalda conhece de perto as literaturas africanas: lecionou em diversos países do continente (Cabo Verde e Senegal, entre outros, inclusive Moçambique); é autora de estudos fundamentais sobre o assunto —A poética de José Craveirinha (1990), Modalização épica nas literaturas africanas (1996) e Oralidades & escritas nas literaturas africanas (1998) são alguns dos títulos que constam de sua produção bibliográfica, recentemente complementada com Literaturas africanas e formulações pós-coloniais (2003).

Valioso adendo para essa trajetória é o fato de Ana Mafalda ser também escritora, autora de uma obra poética que não se esquiva à tarefa de reelaborar as vivências moçambicanas; trata-se, portanto, de alguém que conhece a literatura em suas múltiplas dimensões como poucos apta a eleger os nomes certos para colaborar nessa empreitada editorial. Com efeito, os responsáveis pelos volumes que abrem a coleção elaboraram obras de valor impecável. 

José Craveirinha
À própria Ana Mafalda Leite coube a organização do volume dedicado a José Craveirinha. Nascido em 1922, falecido em 2003, Craveirinha publicou cinco livros em vida; sua obra é constituída também por volumes póstumos, poemas dispersos e por um numeroso espólio que permanece inédito. O já mencionado Xigubo(1964), obra com a qual estreou o poeta e que abre a compilação, é adequadamente qualificado como uma “rapsódia anticolonialista” por Emílio Maciel, autor da biobibliografia inclusa no volume.

“Xibugo estremece terra do mato
e negros fundem-se ao sopro da xipalapala
e negrinhos de peitos nus na sua cadência levantam os braços para o lume da irmã Lua
e dançam as danças do tempo da guerra
das velhas tribos na margem do rio”, 
 
escreve o poeta, na lírica imagem sintetizando o ímpeto que percorre toda a obra: a síntese de uma pluralidade de vozes e identidades que se reconhecem como pertencentes a uma nação por haver. 

“Vim de qualquer parte
de uma nação que ainda não existe”,

afirmam os primeiros versos de Poema do futuro cidadão. Poesia panfletária, diriam alguns; a poesia possível, diriam outros, estes mais cientes da missão a que se dedicava, na hora de urgência, um poeta que, nas últimas obras, construiria textos de impecável lirismo. 

As modulações da obra de Craveirinha talvez possam ser qualificadas como as múltiplas vozes de um homem que jamais se fechou ao mundo. O discurso dilatado de Xigubo representa a primeira irrupção de uma fala há muito silenciada — e que não expressa a vontade de um, mas a de muitos homens, ainda soantes em Karingana ua Karingana (1974). Depois do grito, o silêncio: a contenção lírica do poeta que cantou o futuro, mas que percebe um presente feito de perdas. A maior delas: Maria, a esposa falecida em 1979, cujo nome intitula o pungente livro em que lemos um poema como Memória dos dois 

“Ambos
juntos na mesma memória.
Eu
o Zé que não te esquece.
Tu
a Maria sempre lembrada”. 

 
O tom afirmativo dos primeiros livros cede espaço a uma poética de indagações, enquanto variações da escrita de um poeta que permanece fiel a si mesmo.
 
“Cada homem é sofisma
Bem engendrado”, 

 
afirma um dos Poemas eróticos (2004), derradeiras páginas de uma obra que jamais recusou cantar o homem em sua grandeza e em sua miséria, em seu amor e em seus vícios — e que, por isso mesmo, acolhe em si as contradições da condição humana.

Rui Knopfli
Rui Knopfli, dez anos mais jovem que Craveirinha, morreu mais cedo, em 1997. Deixou oito livros, todos representados na coletânea organizada por Eugénio Lisboa, que nela incluiu um posfácio assinado por Roberto Said.

Juízos apressados não tardaram a ver em Knopfli uma espécie de antípoda de Craveirinha. Filho da burguesia, descendente de suíços e portugueses, estreava com um livro em cujo título — O país dos outros(1959) — não seria difícil sentir uma provocação, agudizada pelos poemas que o compunham: onde os cânticos de guerra, os discursos inflamados, a convocação aos heróis? Em vez disso, Knopfli apresentava uma poesia de tom reflexivo, composta com impecável rigor formal, que dialogava explicitamente com a tradição literária ocidental. Injustas, no entanto, as acusações de que o poeta voltava as costas para Moçambique; a par dos diálogos com Fernando Pessoa e Manuel Bandeira, Rui Knopfli publicava poemas de teor francamente político. Leia-se A melhor das distracções, que encena a fala de um grão-senhor 

“marajá, bey, khan,
um nababo qualquer desses com poderes
de Vida e Morte” 

 
que, sem pudor, afirma: 

“Afastei enfadado
as inomináveis iguarias que me foram servidas
e nem sequer me dignei
olhar as dezasseis virgens sortidas,
fruto do último saque.
Onde me diverti a valer,
foi com as línguas que mandei cortar”.
 

Leia-se Casamento de conveniência, em que assoma a crítica
aos costumes: 

“Meus pais não querem que ame
a quem amo.
Pretendem que me case contigo,
Juventina.
[...]
Dão-me um automóvel e uma casa
pra que case contigo,
Juventina.
Tens um nome que te quadra à figura,
rapariga,
e trazes intacto o selo necessário.
[...]
Aceitarás com submissão
que te mande à merda de quando em vez
e não farás muitas ondas.
Sei que não pedes mais,
É pegar ou largar,
Juventina!”. 
 

Visitando a tradição literária, porque sempre falou de si, Rui Knopfli sempre falou de Moçambique, embora nele tantas vezes a nação não se reconhecesse. Ressalte-se que, da obra de estréia ao derradeiro O monhé das cobras (1997), seus livros mantêm uma elevadíssima qualidade estética; não há altos e baixos, mas irrupções que se podem igualar às grandes obras da poesia de todos os tempos — como o magistral O deserto, de Mangas verdes com sal (1969), poema que sintetiza, com singular força lírica, os perenes questionamentos existenciais humanos.

Luís Carlos Patraquim
A obra fundacional de Craveirinha e Knopfli tem prosseguimento com a poética renovadora de Luís Carlos Patraquim (nascido em 1953), cuja obra foi antologiada para a coleção por Carmen Lucia Tindó Secco. Como Craveirinha, Patraquim se debruça sobre a terra e as tradições moçambicanas; como Knopfli, engendra um diálogo franco com múltiplas vozes da literatura ocidental. Não obstante, sua obra não se reduz à assimilação dos que o precederam: Patraquim não se esquiva à tarefa primordial do poeta, que é desvelar para o lirismo novas sendas. No posfácio ao volume, observa Cíntia Machado de Campos Almeida tratar-se de uma poesia construída em torno de uma tríade temática: “a memória, o erotismo e a reflexão metapoética”; percebe-se, assim, como a trajetória inaugurada por Monção (1980) já dispensa o dever de poetizar a terra, em vez disso assumindo como pressuposto uma força lírica que é reelaborada pela subjetividade poética para a construção de uma dicção nova.

Notável em sua escrita é, particularmente, a relação com o espaço, ora enquanto referencial geográfico que expande os limites do exercício poético — ressalte-se, a esse respeito, o sentido fundacional de Noções de geografia, espécie de escorço cartográfico do lirismo: 

“a sul
implanto uma cartografia sem limites
traço e compasso
depois da madrugada
de ti
um rosto iridescente
alastra o voo claro
das mãos
ao sul
descobrimos
vozes abertas
sem oclusão
e mastigamos água” 
 

ora enquanto âmbito imagético que enseja a eclosão mesma da poesia; vejam-se as Quatro meditações na margem ao longo do Zambeze, do recente Pneuma (2009), em cuja segunda parte lemos: 

“Senhora, eu não vi os três jacarés
imóveis na margem,
A luz, espelho da carne branca
E a boca metafísica,
Sua canoa vogando o desenho do som
E a elipse das asas;
Vi o rio que rilhava e seus dentes,
O canavial do Tempo,
nodoso e debruçado sobre o impulso líquido
Como o primeiro timbre evolando a cor,
O Sangue do início e a bolsa rompida
Para a convulsão do mundo”.

 
Não se limitando a falar sobre Moçambique, Patraquim cede a voz à terra: “concebe as paisagens como exímias contadoras de (suas próprias) histórias”, observa Cíntia Almeida. E, esse modo, contribui para a construção de uma tradição poética que, conquanto jovem, já se revela inegavelmente pujante.

(*) Henrique Marques-Samyn é escritor e pesquisador da UERJ

Os livros
José Craveirinha, Antologia poética. Org.: Ana Mafalda Leite, Editora UFMG

Rui Knopfli, Antologia poética. Org.: Eugénio Lisboa, Editora UFMG

Luís Carlos Patraquim, Antologia poética, Org.: Carmen Lucia Tindó Secco, Editora UFMG


Fonte: Rascunho, o jornal de literatura do Brasil, fevereiro de 2012

sexta-feira, 27 de abril de 2012

Cotas nas universidades refletem no mercado de trabalho, diz CTB


a Secretaria de Promoção da Igualdade Racial da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB) comemora a decisão favorável à política pública de reserva de vagas em universidades públicas a partir do sistema de cotas raciais.

publicado:vermelho.org.br


Para CTB, cotas são positivas e devem ser ampliadas para o mercado de trabalho 

A Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), através de sua Secretaria de Promoção da Igualdade Racial, se manifesta favorável à política pública de reserva de vagas em universidades públicas com base no sistema de cotas raciais, ressaltando que a luta depois deve ser ampliada para o mercado de trabalho.

Foi aprovada por unanimidade na noite desta quinta-feira (26), no Supremo Tribunal Federal (STF), a constitucionalidade da reserva de vagas em universidades públicas com base nas cotas raciais, na Universidade de Brasília (UnB), que foi a primeira universidade federal a instituir esse sistema, em junho de 2004. Atos administrativos e normativos determinaram a reserva de cotas de 20% do total das vagas oferecidas pela instituição a candidatos negros (entre pretos e pardos).

As cotas raciais como uma ação afirmativa, que visa incluir os negros e afrodescendentes no ensino superior público, são de extrema importância como uma forma reparatória. "É importante inserir o cidadão em todos os aspectos da sociedade e a universidade é um dos elementos centrais dessa inclusão reparando anos de escravidão e exclusão", afirmou Valmira Luzia, secretária de Promoção da Igualdade Racial da CTB.

A dirigente ainda destaca que a política de ação afirmativa não será algo definitivo, mas sim emergencial. "A aplicação e efetivação das cotas raciais é algo emergencial que deve durar algumas décadas até que o Estado brasileiro tome medidas definitivas que iniba qualquer tipo de segregação racial", ressaltou.

Apoio da ONU

Seguindo a mesma linha de pensamento, a Organização das Nações Unidas (ONU) reafirmou também o seu apoio à política de cotas raciais nas universidades brasileiras. "O Sistema das Nações Unidas no Brasil reconhece a adoção de políticas que possibilitem a maior integração de grupos cujas oportunidades do exercício pleno de direitos têm sido historicamente restringidas, como as populações de afrodescendentes, indígenas, mulheres e pessoas com deficiências", afirmou em nota oficial.

Sendo assim, a CTB reitera seu apoio às cotas raciais como forma de luta contra o racismo e desmitificarão do mito da falsa igualdade racial que ainda impera no país. Estando ciente também da necessidade de ampliação da luta para dentro do mercado de trabalho. "No mercado de trabalho os jovens negros encontram dificuldades de inserção sendo assim é importante que lutemos também dentro do espaço da classe trabalhadora contra o racismo. Para que os jovens após concluírem a universidade possam exercer suas funções profissionais alcançando ascensão social visando o progresso de todos", enfatizou a dirigente.

Nada a comemorar no Dia Nacional da Doméstica


publicado: vermelho.org.br

Por ocasião do Dia Nacional das Domésticas, nesta sexta-feira (27), a ministra da Secretaria de Política para Mulheres (SPM) divulga nota no site do órgão, que é ligado à Presidência da República. Abaixo, a reprodução da íntegra do texto. 



Nota da ministra da Secretaria de Políticas para as Mulheres no Dia das Trabalhadoras Domésticas

A Secretaria de Políticas para as Mulheres reafirma seu compromisso com as lutas das trabalhadoras domésticas pelo reconhecimento de sua atividade como profissão e para que esta tenha a mesma dignidade, respeito, garantia e ampliação de direitos de todas as demais ocupações. Esta, que é uma das profissões que mais empregam mulheres no país, é também uma das mais desvalorizadas e precarizadas. 

A face do emprego doméstico brasileiro é majoritariamente feminina, negra e com ensino fundamental não-concluído. Um claro reflexo da herança colonial.

Hoje, muitas vezes, empregar-se nas casas não é visto como profissão valorizada, ainda que seja o único jeito de ganhar algum dinheiro. Isso tem exigido muita luta das trabalhadoras domésticas para tornar visível uma situação que vive completamente submersa no dia-a-dia. 

Em 2009, segundo o IBGE, as trabalhadoras e trabalhadores domésticos empregados eram 7,2 milhões, sendo 6,7 milhões de mulheres, e desse total, quase 2/3, de negras. Seu ganho médio era de apenas 83% do salário mínimo. Somente 26,3% destas trabalhadoras, ou 1,7 milhão, têm carteira assinada.

O crescimento feminino em todos os segmentos de trabalho não eliminou o fato de que o trabalho doméstico ainda mantém-se entre as principais ocupações das mulheres, no Brasil e no mundo.

Por tudo isso, a SPM empenha-se na assinatura da convenção internacional – Convenção sobre o Trabalho Decente para Trabalhadoras e Trabalhadores Domésticos da Organização Internacional do Trabalho (Convenção 189/2011). A conquista dessa convenção contou com grande protagonismo das trabalhadoras domésticas brasileiras, na 100ª Conferência Internacional do Trabalho, em 2011. 

A Convenção 189 e a Recomendação 201 lhes estabelecem os mesmos direitos básicos de outros trabalhadores, incluindo liberdade sindical e negociação coletiva.

Assim, transformar a situação atual das trabalhadoras domésticas em todo o mundo significa ultrapassar incontáveis preconceitos históricos, e que vivem se reconstruindo de outras formas nas sociedades modernas.

Eleonora Menicucci
Ministra-Chefe da Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República

Brasil vira a página do “racismo cordial”


O Ali Kamel, diretor da Globo, levou uma sova no STF. Por 10 x 0 (dez votos a zero), o tribunal decidiu que são constitucionais – sim!!! – as cotas para negros nas universidades brasileiras.

Por Rodrigo Vianna, em seu Blog


Kamel, como se sabe, nega que haja racismo no Brasil. “Não somos racistas” é o título de um livro dele. Kamel é contra as cotas. E não está sozinho. Outros ideólogos contra as cotas são Demétrio Magnoli, ex-trotskista hoje especializado em dizer o que a Globo gosta de ouvir, e Demóstenes Torres, amigo de sala e cozinha de Carlinhos Cachoeira.
Foi a terceira derrota acachapante sofrida por Ali Kamel em seis anos. Em 2006, ele apostou tudo contra a reeleição de Lula. Eu trabalhava na Globo e vi de perto todo o processo. A indignação seletiva nos telejornais, a forma como os aloprados eram sempre caracterizados como “do PT”, enquanto os tucanos eram tratados como “funcionários do governo anterior”, a forma como se escondeu o que havia no famoso dossiê contra Serra que os “aloprados” supostamente iriam comprar, a maneira como o “dinheiro dos aloprados” foi parar no JN na antevéspera do primeiro turno, a trama do delegado Bruno exposta pelo Azenha e depois pelaCartaCapital… Tudo isso é história – que um dia precisa ser contada com mais detalhes.

O bombardeio da Globo contra Lula começara antes, em 2005, na cobertura do chamado Mensalão. O jornalista Marco Aurélio Mello escreveu um belo texto sobre isso. A Globo queria “sangrar Lula”, para derrotá-lo nas urnas em 2006. Aliou-se até ao pequeno ACM Neto. Não deu. Ali Kamel perdeu feio. 

Em 2010, Ali Kamel pôs a Globo contra Dilma. Quem não se lembra do episódio da bolinha de papel? O perito Molina – que já atuara a favor de Kamel em causas pessoais do diretor da Globo no Judiciário – foi usado no JN para criar a teoria de que Serra fora atingido por um misterioso objeto. Só faltou acharem um Lee Osvald! A Globo passou ridículo. Serra virou Rojas. E Ali Kamel perdeu pela segunda vez.

A terceira derrota veio agora, no STF. “Ninguém assistiu ao formidável enterro de tua última quimera”. Ninguém encampou a tese kameliana de que cotas seriam uma forma de “acirrar” as disputas raciais no Brasil. Demóstenes (recolhido à cozinha de Cachoeira) fez falta, porque era valoroso defensor dessa tese. Chegou a dizer, numa audiência pública, que o racismo não fora tão violento assim, e que a mistura entre negros e brancos se deu através de estupros cometidos pelos senhores, sim, mas que eram ”consentidos” pelas escravas. Segundo ele, “uma história tão bonita de miscigenação”. Essa é a turma contra as cotas.

Ali Kamel é um pouco mais sutil. Mas também encampa teses estranhas: por exemplo, relativiza a cor da pele como elemento definidor da escravidão no Brasil. Por que digo isso? Porque ele me falou sobre o tema numa troca de e-mails pessoal, em 2005. Eu cobrira, pela Globo, a visita a São Paulo de um enviado especial da ONU sobre racismo. A matéria não foi ao ar no JN. Kamel derrubou. Escrevi a ele no Rio, para saber o que acontecera. Trocamos e-mails de forma muito civilizada. E fiquei sabendo como ele pensava.

Já falei sobre isso numa entrevista a Marcelo Salles, mas sempre evitei dar detalhes dos e-mails, afinal a troca de mensagens se dera de forma reservada. Só que Ali Kamel não se importou com isso: usou os e-mails num processo judicial que move contra mim! Que deselegância! Usou para tentar provar que eu o tratava muito bem, e que depois passei a criticá-lo.

Sim, na troca de e-mails eu o tratei de forma cordial, como faço com todo mundo. Não tenho nada, absolutamente nada, contra ele pessoalmente. Nossas diferenças são políticas e jornalísticas, são formas diferentes de ver o mundo e de intervir no debate.

Desde o início do governo Lula, Ali Kamel se posicionou contra o Bolsa-Família (“assistencialista”, o certo era investir em educação), contra o Prouni, contra as cotas (afinal, se “não somos racistas”, pra que cotas?).

Por isso, essa terceira derrota de Ali Kamel, no STF, deve ter sido a mais dolorosa. “Ninguém assistiu ao formidável enterro de tua última quimera”. Não apareceu ninguém para defender a “sociologia kameliana” no STF. Ele levou uma surra.

Nos e-mails de 2005, com alguma arrogância, tentou ensinar-me quem era Gilberto Freyre. Ali Kamel provavelmente acredite que é o novo Freyre, o novo formulador da “democracia racial” brasileira. Um Freyre incompetente. Porque mesmo entricheirado na emissora mais poderosa da América Latina, ele perde todas. Perde o debate no STF, perde as eleições, perde a capacidade de influir nas decisões do Estado brasileiro. Um bom sinal.

Fonte: O Escrevinhador

quinta-feira, 26 de abril de 2012

Movimento negro comemora legalização de cotas nas universidades

26 DE ABRIL DE 2012 - 18H42
publicado: vermelho 


A decisão desta quinta-feira (26), do Supremo Tribunal Federal (STF), entrará para a história do movimento negro no país, que comemora a votação favorável à legalização do sistema de cotas raciais nas universidades públicas. "É uma vitória do movimento negro. Temos feito um debate de ações afirmativas. Essa luta especificamente travamos desde 2003, com a implantação das cotas em várias universidades", afirmou Edson França, presidente da Unegro.



STF cotas raciais
Movimento negro acompanha julgamento no Supremo sobre sistema de cotas / foto: José Cruz/ABr

A União de Negros pela Igualdade (Unegro) acrescenta que as cotas raciais só se tornaram realidade por conta da unificação do movimento em torno de pautas importantes para igualdade racial e combate à discriminação. 


"Temos um debate consensual e por conta disso  conseguimos aprovar as cotas raciais várias universidades. O DEM (Partido dos Democratas) entrou com essa ação mostrando mais uma vez ser um partido dos senhores de engenho", completou o presidente da Unegro.

Edson França se refere a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 186), de autoria do Democratas (DEM), contra a Universidade de Brasília (UnB), que reserva 20% das vagas do vestibular para estudantes negros e que foi julgada ontem e hoje. A instituição é pioneira nas cotas raciais. O argumento do partido, defendido principalmente pelo senador Demóstenes Torres, mergulhado em um escândalo de corrupção, era de que as cotas raciais ferem o princípio da igualdade.

O Supremo também julgou um Recurso Extraordinário (RE 597285) movido por um estudante gaúcho que foi eliminado do vestibular da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Ele obteve notas superiores às dos cotistas e contestou sua eliminação, já que a UFRGS reserva 30% das vagas para quem estudou na rede pública - metade destinada aos candidatos que se declararem negros na inscrição.

O relator das duas ações, o ministro Ricardo Lewandowski, já havia proferido na quarta-feira (25) seu voto favorável à constitucionalidade das cotas raciais.

“Não basta não discriminar. É preciso viabilizar. A postura deve ser, acima de tudo, afirmativa. É necessária que esta seja a posição adotada pelos nossos legisladores. A neutralidade estatal mostrou-se, nesses anos, um grande fracasso”, justificou Lewandowski.

Nesta quinta, os ministros Luiz Fux, Rosa Maria Weber, Cármen Lúcia, Joaquim Barbosa, Cezar Peluso e Gilmar Mendes acompanharam o voto de Lewandowski, formando a maioria. Eram necessários seis votos favoráveis. Até o fechamento da matéria, mais três ministros ainda faltavam dar seus votos para o encerramento da sessão.

Fux reforçou, em seu voto, que a raça pode e deve ser critério político de análise para ingresso na universidade, como acontece em outros países.

“A construção de uma sociedade justa e solidária impõe a toda coletividade a reparação de danos pretéritos perpetrados por nossos antepassados”, ponderou Fux.

Por dar mais oportunidades de acesso à universidade e equilibrar as oportunidades sociais, a ministra Rosa Weber engrossou a votação do "sim" às cotas: “Se os negros não chegam à universidade, não compartilham a igualdade de condições com os brancos”. Para ela, quando o negro se tornar visível na sociedade, “política compensatória alguma será necessária”.

Já a ministra Cármen Lúcia lembrou que essa não é a melhor opção, mas que políticas compensatórias contribuem na busca pela igualdade.

“As ações afirmativas não são as melhores opções. A melhor opção é ter uma sociedade na qual todo mundo seja livre par ser o que quiser. Isso é uma etapa, um processo, uma necessidade em uma sociedade onde isso não aconteceu naturalmente”.

Da redação, com agências


STF decide por unanimidade que sistema de cotas é constitucional


DE SÃO PAULO
Atualizado às 20h14.
O STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu nesta quinta-feira por unanimidade que o sistema de cotas raciais em universidades é constitucional. O presidente do STF, Carlos Ayres Britto, iniciou seu voto --o último dos ministros-- por volta das 19h30, antecipando que acompanha o voto do relator Ricardo Lewandowski.
O julgamento, que terminou por volta das 20h, tratou de uma ação proposta pelo DEM contra o sistema de cotas da UnB (Universidade de Brasília), que reserva 20% das vagas para autodeclarados negros e pardos.
Ayres Britto disse durante o voto que os erros de uma geração podem ser revistos pela geração seguinte e é isto que está sendo feito.
Em um voto de quase duas horas, o ministro Ricardo Lewandowski afirmou ontem (25) que o sistema de cotas em universidades cria um tratamento desigual com o objetivo de promover, no futuro, a igualdade.
Para ele, a UnB cumpre os requisitos, pois definiu, em 2004, quando o sistema foi implantado, que ele seria revisto em dez anos. "A política de ação afirmativa deve durar o tempo necessário para corrigir as distorções."
Luiz Fux foi o segundo voto a favor das cotas raciais. Segundo Fux, não se trata de discriminação reservar algumas vagas para determinado grupo de pessoas. "É uma classificação racial benigna, que não se compara com a discriminação, pois visa fins sociais louváveis", disse.
A ministra Rosa Weber também seguiu o voto do relator. Para ela, o sistema de cotas visa dar aos negros o acesso à universidade brasileira e, assim, equilibrar as oportunidades sociais.
O quarto voto favorável foi da Ministra Cármen Lúcia, que citou duas histórias pessoais sobre marcas deixadas pela desigualdade na infância.
Em seu voto, o ministro Joaquim Barbosa citou julgamento da Suprema Corte americana que validou o sistema de cotas para negros nos Estados Unidos, ao dizer que o principal argumento que levou àquela decisão foi o seguinte: "Os EUA eram e continuam a ser um país líder no mundo livre, mas seria insustentável manter-se como livre, mantendo uma situação interna como aquela".
Peluso criticou argumentos de que a reserva de vagas fere o princípio da meritocracia. "O mérito é sim um critério justo, mas é justo apenas em relação aos candidatos que tiveram oportunidades idênticas ou pelos menos assemelhadas", disse. "O que as pessoas são e o que elas fazem dependem das oportunidades e das experiências que ela teve para se constituir como pessoa."
O ministro Gilmar Mendes também votou pela constitucionalidade das cotas em universidades, mas fez críticas ao modelo adotado pela UnB. Ele argumentou que tal sistema, que reserva 20% das vagas para autodeclarados negros e pardos, pode gerar "distorções e perversões".
Celso de Mello disse, durante seu voto, que ações afirmativas estão em conformidade com Constituição e com Declarações Internacionais subscritas pelo Brasil.
Marco Aurélio Mello também seguiu o relator e votou pela constitucionalidade do sistema de cotas. Dias Toffoli não participou do julgamento por ter dado um parecer no processo quando era da Advocacia-Geral da União.

Com o voto de Ayres Britto, termina 10x0 a favor das cotas raciais na Universidade

A maioria dos ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) votou nesta quinta-feira (26) a favor das cotas raciais em universidades públicas. Com o voto de Ayres Britto, terminou a sessão com placar de 10x0 a favor das cotas raciais. Ele se juntou aos votos dos ministros Marco Aurélio Mello, Gilmar Mendes, Cezar Peluso, Joaquim Barbosa, Cármen Lúcia, Rosa Weber e Luiz Fux, Celso de Mello. Todos acompanharam a opinião do relator do processo, ministro Ricardo Lewandowski, que se disse ontem (25) a favor da constitucionalidade da medida.

Com o voto de Celso de Mello, o placar já está em 9x0

A maioria dos ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) votou nesta quinta-feira (26) a favor das cotas raciais em universidades públicas. Com o voto de Celso de Mello, o placar já está em 9x0. Ele se juntou aos votos dos ministros Marco Aurélio Mello, Gilmar Mendes, Cezar Peluso, Joaquim Barbosa, Cármen Lúcia, Rosa Weber e Luiz Fux. Os seis acompanharam a opinião do relator do processo, ministro Ricardo Lewandowski, que se disse ontem (25) a favor da constitucionalidade da medida.

Com o voto de Marco Aurélio Mello, o placar já está em 8x0

A maioria dos ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) votou nesta quinta-feira (26) a favor das cotas raciais em universidades públicas. Com o voto de Marco Aurélio Mello, o placar já está em 8x0. Ele se juntou aos votos dos ministros Gilmar Mendes, Cezar Peluso, Joaquim Barbosa, Cármen Lúcia, Rosa Weber e Luiz Fux. Os seis acompanharam a opinião do relator do processo, ministro Ricardo Lewandowski, que se disse ontem (25) a favor da constitucionalidade da medida.

ministra Rosa Weber rejeitou todos os argumentos apresentados pelo DEM contra o sistema de cotas da universidade.

Quinta-feira, 26 de abril de 2012
fonte: STF - stf.jus.br
A ministra do Supremo Tribunal Federal (STF) Rosa Weber foi a terceira a votar pela constitucionalidade das cotas raciais instituídas pela Universidade de Brasília (UnB). “A desigualdade material que justifica a presença do Estado nas relações sociais só se legitima quando identificada concretamente, impedindo que determinado grupo ou parcela da sociedade tenha as mesmas chances de acesso a oportunidades sociais”, disse.
A ministra rejeitou todos os argumentos apresentados pelo DEM na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 186) ajuizada contra o sistema de cotas da universidade. Na ação, o partido alega que diversos preceitos fundamentais da Constituição Federal estariam sendo violados com a instituição das cotas raciais para a seleção de estudantes da UnB, como o princípio da igualdade.
Ao final de seu voto, a ministra fez questão frisar seu respeito a opiniões divergentes, mas afirmou que o pedido do DEM é totalmente improcedente. “Com todo o respeito, do fundo minha alma, pelas compreensões em contrário, entendo que os princípios constitucionais apontados como violados (no pedido do DEM) são justamente os postulados que levam à total improcedência da ação”, concluiu.
Segundo a ministra Rosa Weber, a pobreza no Brasil tem cor. “Se a quantidade de brancos e negros pobres fosse aproximada, seria plausível dizer que o fator cor é desimportante”, afirmou. “Enquanto as chances dos mais diversos grupos sociais brasileiros, evidenciadas pelas estatísticas, não forem minimamente equilibradas, a mim não parece razoável reduzir a desigualdade social brasileira ao critério econômico”, disse.
Diante desse quadro, ela defendeu que cabe ao Estado “adentrar no mundo das relações sociais e corrigir a desigualdade concreta para que a igualdade formal volte a ter o seu papel benéfico”. Para a ministra, ao longo dos anos, com o sistema de cotas raciais, as universidades têm conseguido ampliar o contingente de negros em seus quadros, ampliando a representatividade social no ambiente universitário, que acaba se tornando mais plural e democrático.
A ministra Rosa Weber ressaltou que “quando houver o equilíbrio da representação social nas diversas camadas sociais, o sistema (de cotas) não mais se justificará, não mais será necessário”. Segundo ela, por isso mesmo os programas das universidades têm tido o cuidado de estimar prazos de duração. “Quando o negro se tornar visível nas esferas mais almejadas das sociedades, política compensatória alguma será necessária.”
Igualdade formal e material
No início de seu voto, a ministra destacou que “liberdade e igualdade andam de mãos dadas”. Ela explicou que a ação do DEM coloca em evidência a questão da igualdade racial, mas não da raça como elemento genético, o que já foi rechaçado pelas ciências biológicas e sociais, mas da raça como construção social. Ela afirmou que essa construção social ainda torna uma parcela importante da população brasileira invisível e segregada, mesmo que isso não ocorra por meio de uma política oficial.
“A igualdade se apresenta na construção do constitucionalismo moderno de duas formas: viés formal e material. A igualdade formal é a igualdade perante a lei, que permite que todos sejam tratados em abstrato da mesma forma. Se todos têm os mesmo direitos e obrigações, todos são igualmente livres para realizar suas próprias perspectivas de vida”, explicou. Mas, segundo ministra, a igualdade formal é também presumida, já que desconsidera processos sociais concretos de formação de desigualdades.
“Identificadas essas desigualdades concretas, a presunção de igualdade deixa de ser benéfica e passa a ser um fardo, porque impede que se percebam as necessidades concretas de grupos que, por não terem as mesmas oportunidades, ficam impossibilitados de galgar os mesmos espaços daqueles que estão em condições sociais mais favoráveis”, defendeu.
“Sem igualdade mínima de oportunidade, não há igualdade de liberdade. As possibilidades de ação, de escolhas de vida, de visões de mundo, de chances econômicas, de manifestações individuais ou coletivas específicas são muito mais restritas para aqueles que, sob a presunção da igualdade, não têm consideradas as suas condições particulares”, disse.
É exatamente nesses casos que, para a ministra Rosa Weber, a intervenção do Estado se justifica por meio das chamadas ações afirmativas, incluindo o sistema de cotas raciais.“Às vezes se impõe tratamentos desiguais em determinadas questões sociais ou econômicas para que o resto do sistema possa presumir que todos somos iguais nas demais esferas da sociedade”, concluiu.