segunda-feira, 31 de maio de 2010

Paraná apresenta petição "Amicus Curiae" para debater em favor das Comunidades Quilombolas


O Judiciário e a Justiça Histórica

Uma inflexão na jurisprudência do STF de respeito ao pluralismo e aos direitos humanos pode implicar o regresso do Estado patrimonialista, o acirramento da discriminação anti-negros e a conflagração de novos conflitos fundiários, num país com histórica concentração de terras em poucas mãos.
Boaventura de Sousa Santos
Os últimos oito anos tiveram um significado especial na história do Brasil: o país assumiu finalmente a sua estatura mundial e passou a atuar em função dela. Isto teve um impacto significativo tanto no plano internacional como no plano interno. No plano internacional, o país passou a pensar e a agir por si, com um sábio equilíbrio entre o imperativo de não criar rupturas no sistema mundial e regional e a determinação em explorar ao máximo a margem de manobra deixada pelas continuidades. O big brother do Norte foi simultaneamente respeitado e deixado à distância (as teses mangabeirianas permaneceram, felizmente, muito minoritárias).

No plano interno, acelerou-se a longa transição do Estado patrimonialista para o Estado democrático, por três vias principais: reforço do contrato social através de transferências de rendimentos para as classes populares (Bolsa-Família) que, apesar de não tocarem no sistema que produz a desigualdade social, foram muito significativas; inovações de participação democrática (orçamento participativo municipal, conselhos municipais e estaduais de educação e saúde; conselho de desenvolvimento econômico e social; formas novas de acesso à justiça muitas vezes protagonizadas pelo próprio judiciário); abandono do preconceito da não existência do preconceito racial (ações afirmativas, reconhecimento da diversidade étnico-cultural; Raposa Serra do Sol). Tudo isto foi possível através da reversão de um dos dogmas do neoliberalismo: em vez de um Estado fraco como condição de uma sociedade civil forte, um Estado forte como condição de uma sociedade civil forte.

Como em todas as transições, nada é irreversível no ritmo e mesmo na direção das transformações e, por isso, passos à frente podem ser seguidos por passos atrás. A sociedade brasileira corre hoje o risco de dar um passo atrás. Está para ser julgada no Supremo Tribunal Federal a Ação Direta de Inconstitucionalidade 3239, de relatoria do Ministro Cezar Peluzo. Nessa ação, proposta em 2004 pelo antigo partido da Frente Liberal (PFL), atualmente Democratas (DEM), questiona-se o conteúdo do Decreto Federal 4887/2003 que regula a atuação da administração pública para efetivação do direito territorial étnico das comunidades de remanescentes de quilombo no Brasil.

A Constituição de 1988 afirmou o compromisso com a diversidade étnico-cultural do país, com a preservação da memória e do patrimônio dos “diferentes grupos formadores da sociedade” e reconheceu a propriedade definitiva dos “remanescentes de comunidades de quilombos” às terras que ocupam. A primeira regulamentação somente veio a ocorrer em 2001, exigindo, no entanto, a comprovação da ocupação desde 1888 para garantia do direito: era mais rigorosa, por exemplo, que os requisitos estabelecidos para usucapião e mantinha o conceito colonial e repressivo, presente no regulamento de 1740. Não à toa o decreto não se manteve, por inconstitucionalidade flagrante, com pareceres vinculantes da própria Advocacia Geral da União.

A nova regulamentação, que agora é atacada, veio em 2003 e tem como parâmetros os instrumentos internacionais de direitos humanos, que prevêem a auto-definição das comunidades e a necessidade de respeito de suas condições de reprodução histórica, social e cultural e de seus modos de vida característicos num determinado lugar. Está conforme a jurisprudência da Corte Interamericana que reconhece a propriedade para as comunidades negras, em decorrência do art. 21 da Convenção Americana, e também segue a orientação da OIT, que entendeu-lhes aplicável a Convenção nº 169, destacando a especial relação com as terras que ocupam ou utilizam para sua cultura e valores espirituais. Ambos os tratados de direitos humanos foram firmados pelo Brasil. Uma inflexão na jurisprudência do STF de respeito ao pluralismo e aos direitos humanos pode implicar o regresso do Estado patrimonialista, o acirramento da discriminação anti-negros e a conflagração de novos conflitos fundiários, num país com histórica concentração de terras em poucas mãos.

Nesta ação inúmeras organizações da sociedade civil, assim como os Estados do Pará e do Paraná apresentaram petições de 
Amicus Curiae para debater o tema. Diante da magnitude e controvérsia social do tema, pediram aos Ministros do STF que fosse realizada uma audiência pública. Esse requerimento ainda não foi apreciado pelo STF. Uma audiência pública para maiores esclarecimentos, tal como ocorreu nas ações afirmativas, células-tronco e anencefalia, seria muito importante. O atual momento de otimismo nacional, para ser verdadeiramente criador de futuro, deve ser partilhado por todos e sobretudo por aqueles a quem, no passado, foi negado o futuro. Nisto reside a justiça histórica.


Boaventura de Sousa Santos é sociólogo e professor catedrático da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra (Portugal).

segunda-feira, 24 de maio de 2010

PROTESTO


*por Carlos de Assumpção

Mas irmão, fica sabendo
Piedade não é o que eu quero
Piedade não me interessa
Os fracos pedem piedade
Eu quero coisa melhor
Eu não quero mais viver
No porão da sociedade
Não quero ser marginal
Quero entrar em toda a parte
Quero ser bem recebido
Basta de humilhações
Minha alma já está cansada
Eu quero o sol que é de todos
Ou alcanço tudo o que eu quero
Ou gritarei a noite inteira
Como gritam os vulcões
Como gritam os vendavais
Como grita o mar
E nem a morte terá força
Para me fazer calar!

*CARLOS DE ASSUMPÇÃO nasceu em 23 de maio de 1927 em Tietê/SP. É Advogado militante na Comarca de Franca/SP. Membro da Academia Francana de Letras, tirou o primeiro lugar no AII Concurso de Poesia Falada@, de Araraquara/ SP, em 1982, com o poema Protesto. Em 1958, por ocasião do 70 aniversário da Abolição, recebeu o título de Personalidade Negra, conferido pela Associação Cultural do Negro, em São Paulo/SP.

segunda-feira, 17 de maio de 2010


*Fonte: www.diaadia.pr.gov.br/nerea
O intelectual, escrito (auotor de vários livros) e compositor Nei Lopes, que recebeu o prêmio Jabuti em 2009 com o livro História e Cultura Africana e Afrobrasileira da editora Barsa Planeta, como melhor livro na categoria didáticos e paradidáticos, fará duas palestras, no dia 18 de maio em Curitiba.
- 8h30 na ESCOLA DE GOVERNO, MUSEU OSCAR NIEMAYER
- 14 horas no CANAL DA MÚSICA "Seminario sobre culturas afrobrasileira e africana, a Lei 10.639/03 e seus desdobramentos."
A palestra, promovida pela Barsa Planeta em parceria com a SEED, SEAE, CASA CIVIL, RTVE, UFPr/NEAB (que certificará o evento) e organizações do Movimento Social Negro, do qual Nei Lopes é intelectual orgânico, é oportunidade única dada aos professores de Curitiba e Região Metropolitana e demais interessados na matéria. O evento integra uma semana de atividade com objetivo de refletir sobre os efeitos do processo de abolição na sociedade brasileira.
SERVIÇO:
Palestrante: NEI LOPES
Dia 18 de Maio
8h30 - Escola de Governo
Local: Auditório do Museu Oscar Niemayer
Rua Marechal Hermes, 999
Centro Cívico, Curitiba / PR
14h - "Seminário sobre culturas afro-brasileira e africana, a lei 10.639/03 e seus desdobramentos"
Local: Canal da Música
Rua Julio Perneta, 695
Mercês, Curitiba - PR
Entreda Franca
Contatos:
rosanerask@hotmail.com
hasiel@pr.gov.br
wramaral@pr.gov.br
cassius@seed.pr.gov.br
nerea.dedi@gmail.com
jcsabreu@seae.pr.gov.br
3243-6130 / 3350-2862 / 3340-1781 / 9961-3526 

quinta-feira, 13 de maio de 2010

Ser negro no Brasil: alcances e limites

por*Fátima Oliveira
 
O BRASIL É UM PAÍS mestiço, biológica e culturalmente. A mestiçagem biológica é, inegavelmente, o resultado das trocas genéticas entre diferentes grupos populacionais catalogados como raciais, que na vida social se revelam também nos hábitos e nos costumes (componentes culturais). No contexto da mestiçagem, ser negro possui vários significados, que resulta da escolha da identidade racial que tem a ancestralidade africana como origem (afro-descendente). Ou seja, ser negro, é, essencialmente, um posicionamento político, onde se assume a identidade racial negra.
Identidade racial/étnica é o sentimento de pertencimento a um grupo racial ou étnico, decorrente de construção social, cultural e política. Ou seja, tem a ver com a história de vida (socialização/educação) e a consciência adquirida diante das prescrições sociais raciais ou étnicas, racistas ou não, de uma dada cultura. Assumir a identidade racial negra em um país como o Brasil é um processo extremamente difícil e doloroso, considerando-se que os modelos "bons", "positivos" e de "sucesso" de identidades negras não são muitos e poucos divulgados e o respeito à diferença em meio à diversidade de identidades raciais/étnicas inexiste. Desconheço estudos brasileiros consistentes sobre identidade racial/étnica.

As classificações raciais: alcances e limites
Em 1775, Johann Friedrich Blumenbach (1752-1840), alemão, fundador da Antropologia, determinou a região geográfica originária de cada raça e a cor da pele como elementos demarcatórios entre elas (branca ou caucasiana; negra ou etiópica; amarela ou mongólica; parda ou malaia e vermelha ou americana). No século XIX, foram agregados outros quesitos fenotípicos, como o tamanho da cabeça e a fisionomia. Desde Blumenbach, no entanto, a cor da pele aparece como um dado recorrente. Inferindo-se, daí, que, dos dados do fenótipo, isto é, das características físicas, a "cor da pele" é o que tem sido mais usado e considerado importante, pois aparece em quase todas as classificações raciais.
Para fins de estudos demográficos, no Brasil, a atual classificação racial do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) é a que é tomada como oficial desde 1991. Tal classificação tem como diretriz, essencialmente, o fato de a coleta de dados se basear na autodeclaração. Ou seja, a pessoa escolhe, de um rol de cinco itens (branco, preto, pardo, amarelo e indígena) em qual deles se aloca. Como toda classificação racial é arbitrária e aceita não sem reservas, a do IBGE não foge à regra, pois possui limitações desde 1940, quando coletou pela primeira vez o "quesito cor"*. Sabendo-se que raça não é uma categoria biológica, todas as classificações raciais, inevitavelmente, padecerão de limitações. Todavia, os dados coletados pelo IBGE, ao reunir informações em âmbito nacional, são extremamente úteis, pois apresentam grande unidade, o que permite o estabelecimento de um padrão confiável de comparação.
O IBGE trabalha então com o que se chama de "quesito cor", ou seja, a "cor da pele", conforme as seguintes categorias: branco, preto, pardo, amarelo e indígena. Indígena, teoricamente, cabe em amarelos (populações de origem asiática, historicamente catalogados como de cor amarela), todavia, no caso brasileiro, dada a história de dizimação dos povos indígenas, é essencial saber a dinâmica demográfica deles. Um outro dado que merece destaque é que a população negra, para a demografia, é o somatório de preto + pardo. Cabe ressaltar, no entanto, que preto é cor e negro é raça. Não há "cor negra", como muito se ouve. Há cor preta. Apesar disso, em geral, os pesquisadores insistem em dizer que não entendem, mesmo com a obrigatoriedade ética de inclusão do "quesito cor" como dado de identificação pessoal nas pesquisas brasileiras desde 1996, segundo a Resolução 196/96. Normas de Ética em Pesquisa Envolvendo Seres Humanos (VI. Protocolo de pesquisa. VI.3 '– informações relativas ao sujeito da pesquisa [...] cor [classificação do IBGE]).

A identidade racial/étnica
De acordo com a convenção do IBGE, portanto, negro é quem se auto-declara preto ou pardo. Embora a ancestralidade determine a condição biológica com a qual nascemos, há toda uma produção social, cultural e política da identidade racial/étnica no Brasil.
Vale mencionar ainda as polêmicas sobre o conceito de raça e de etnia, que, grosso modo, raça deveria ser um conceito biológico, enquanto etnia deveria ser um conceito cultural. Não sendo raça uma categoria biológica, etnia também se revela como um conceito que não é estritamente cultural, pois a delimitação de grupos étnicos parte de uma suposta alocação deles no conjunto dos grupos populacionais raciais sem abstrair a unidade do local de origem, e, para delimitar etnia, considera-se a concomitância de características somáticas (aparência física), lingüísticas e culturais. Enfim, o conceito de raça é uma convenção arbitrária e pode ser enquadrada como uma categoria descritiva da antropologia, uma vez que é baseada nas características aparentes das pessoas. Portanto, o uso dos termos raça ou etnia está circunscrito à destinação política que se pretende dar a eles.
Estudos da genética molecular, sob o concurso da genômica, são categóricos: a espécie humana é uma só e a diversidade de fenótipos, bem como o fato de que cada genótipo é único, são normas da natureza. Tendo o DNA como material hereditário e o gene como unidade de análise, não é possível definir quem é geneticamente negro, branco ou amarelo. O genótipo sempre propõe diferentes possibilidades de fenótipos. O que herdamos são genes e não caracteres!
Se para as ciências biológicas raça não existe e é consensual nas ciências sociais que o conceito de raça está superado, por que a insistência, em particular do movimento negro, em usá-lo como um paradigma da luta contra a opressão de base racial/étnica, ou seja, do racismo? Por questões políticas, já que o racismo existe e é uma prática política que tem por base não apenas a existência das raças, mas que as "não-brancas" são inferiores.

Políticas de ação afirmativa segundo sexo/gênero e raça/etnia
A alocação das pessoas segundo classe social, sexo/gênero e raça/etnia se constitui em indicadores que podem ser traduzidos em políticas públicas antidiscriminatórias na área da saúde, da educação, do saneamento, da habitação, da segurança etc. Um exemplo paradigmático é dado pelo Dossiê "Assimetrias raciais no brasil: alertas para a elaboração de políticas", publicado pela Rede Feminista de Saúde e elaborado pela pesquisadora Wânia Sant'Anna (2003). Este Dossiê promove um diálogo entre dados com recorte racial/étnico nas mais diferentes áreas da vida social, sistematizados pelo Ipea e obtidos das PNADs da década de 1990 até 2001, além dos Megaobjetivos do "Plano Plurianual (PPA) 2004-2007 – Orientação estratégica de governo, um Brasil de todos: crescimento sustentável, emprego e inclusão social". O referido Dossiê visibiliza a crueza da realidade vivenciada pela população negra, uma situação de desvantagens e vulnerabilidades em todas as esferas da vida (disponível em < www.redesaude.org.br/dossies/html/dossieassimetriasraciais.html).
A medicina baseada em evidências demonstra que algumas doenças são mais comuns ou mais freqüentes, ou evoluem de forma diferenciada, em determinados agrupamentos humanos raciais ou étnicos, conforme determinadas interações ambientais e culturais com o patrimônio genético. Relembrando que humanos são seres biológicos regidos também por leis biológicas, urge considerar que há uma produção social da enfermidade, ou da manutenção da sanidade, nas condições das sociedades de classes, da opressão racial/étnica e da opressão de gênero. Diante do exposto, o significado político de se dar visibilidade aos dados da morbidade e da mortalidade segundo sexo/gênero e raça/etnia é incomensurável.
No caso da população negra, há vários estudos que corroboram que o recorte racial/étnico na saúde é um componente essencial para a compreensão do que chamamos predisposição biológica, a qual, como tenho afirmado em vários escritos, significa a maior ou a menor capacidade de um ser vivo responder às complexas interações solicitadas pelo meio ambiente físico, e, no caso de humanos, também pelo meio ambiente cultural em que vive. A predisposição biológica resulta e refere-se a um longo processo evolutivo da humanidade, é o binômio indissociável: constituição hereditária + meio ambiente. O que quer dizer que o caráter social e histórico das doenças é amplamente demonstrado através da história de vida das pessoas, e esta está intimamente vinculada ao sexo (ao privilégio ou desprivilégio de gênero); à raça/etnia (à vivência ou não do racismo).
Apesar das limitações inerentes ao que se convenciou denominar de classificação racial, é de grande valia uma classificação racial como a brasileira, pois através dela é possível delimitar de que adoece (morbidade) e de que morre a população negra, indicadores fundamentais para políticas de combate ao racismo institucional no aparelho formador, nas instituições e profissionais de saúde, sendo o mesmo válido para outras áreas.

 
*Fátima Oliveira é médica, secretária executiva da Rede Feminista de Saúde (2002-2006) e presidenta da Regional Minas Gerais da Sociedade Brasileira de Bioética. Autora de: Engenharia genética: o sétimo dia da criação (Moderna, 1995); Bioética: uma face da cidadania (Moderna, 1997); Oficinas mulher negra e saúde (Mazza, 1998); Transgênicos: o direito de saber e a liberdade de escolher (Mazza, 2000); O "estado da arte" da reprodução humana assistida em 2002 e Clonagem e manipulação genética humana: mitos, realidade, perspectivas e delírios (CNDM/MJ, 2002); e Saúde da população negra, Brasil 2001 (OMS/Opas, 2002).
* Em 1940, o "quesito cor" era composto de: amarelo, branco e preto, mas havia o recurso para "cor indefinida" – que na tabulação dos dados foi denominada de "pardo" – o qual englobava: mulato, caboclo, moreno e similares que expressassem "não-brancos" e não enquadrados como amarelo ou preto.

  * publicado no Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo

quarta-feira, 12 de maio de 2010

Cuidado: você pode ter cara de bandido

*por Leonardo Sakomoto

A quantidade de seguranças particulares legalmente registrados e informais já é maior que as forças policiais. De um lado, temos a ainda deficiente formação dos responsáveis pelo monopólio da violência no Estado, causando sofrimento a quem deveriam proteger, do outro o preconceito e a truculência daqueles que começam a trabalhar após terem treinamento insuficiente para entender o que significa a sua função. A meu ver, há seguranças que não passariam nos testes necessários para verificar se uma pessoa possui condições de ostentar uma arma em público. As empresas contratantes sempre dizem que são casos isolados, que o funcionário foi demitido. Isolados vamos ficando todos nós. Vamos refrescar a memória:

Domingos Conceição dos Santos foi baleado ao tentar entrar em uma agência do Bradesco na última quinta-feira em São Paulo. Ele usa um marca-passo e apresentou um documento comprovando isso, o que explicaria porque o detector de metais da porta giratória apitaria quando passasse por ela. Após uma discussão com o cliente, o segurança sacou a arma e atirou na cabeça do aposentado. Ele está em coma e o funcionário do banco foi preso. A família acredita que Santos foi vítima de racismo por ser negro.

Franciely Marques foi acusada injustamente de ter roubado duas canetas mesmo após ter mostrado o comprovante de pagamento por ambas em uma loja da rede Sendas no subúrbio do Rio de Janeiro. Agora, a Justiça condenou a empresa a pagar R$ 7 mil à consumidora. O relator do caso, desembargador Sidney Hartung, diz que a Franciely foi “covarde e humilhantemente acusada de um crime, sem a mínima evidência, causando-lhe abalos de ordem moral”. Em tempo: o mercado também vai ter que devolver as duas canetas ou os R$ 10,98 que elas custaram.

No ano passado, seguranças da loja do Carrefour em Osasco, Grande São Paulo, acharam que Januário Alves de Santana estava roubando um automóvel. Por isso, foi submetido a uma sessão de tortura de cerca de 20 minutos. “O que você fazia dentro do EcoSport, ladrão?”, perguntaram, enquanto davam chutes, murros, coronhadas, na sua cabeça, na sua boca. O carro era dele, comprado em suadas 72 vezes de R$ 789,44. Na cabeça dos seguranças do supermercado, um negro não poderia ter carro de bacana branco. Neste ano, ele fechou um acordo com a rede de supermercados, mas o valor não foi divulgado. Segundo o Carrefour, a empresa de segurança e o gerente da loja foram substituídos e um pedido formal de desculpas feito.
Enfim, em breve teremos que ter cuidado ao entrar na seção de bolachas de um supermercado ou mesmo em uma agência bancária para pagar uma conta. O conceito de “lugar perigoso” mudou radicalmente e os preços e tarifas altas não são mais a única forma de se agredir um consumidor.

*Leonardo Sakamoto é jornalista e doutor em Ciência Política. Cobriu conflitos armados e o desrespeito aos direitos humanos em Timor Leste, Angola e no Paquistão. Foi professor de jornalismo na USP e trabalhou em diversos veículos de comunicação, cobrindo os problemas sociais brasileiros. É coordenador da ONG Repórter Brasil e seu representante na Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo.

sábado, 8 de maio de 2010

Homem baleado em banco de SP foi vítima de racismo

Segundo mulher da vítima, não há chances de ele acordar do coma.
Família diz que não teve assistência do banco; estado de vítima é grave.

A mulher do aposentado Domingos Conceição dos Santos, de 47 anos, baleado ao tentar entrar em uma agência do Bradesco na quinta-feira (6) na Zona Leste de São Paulo, acredita que uma atitude racista possa ter motivado o crime contra o marido, que é negro. Santos usa um marca-passo e apresentou um documento que comprova sua condição – e a impossibilidade de passar pela porta-giratória que bloqueia metais – ao vigilante do banco. Após uma discussão, o segurança sacou a arma e atirou na cabeça do aposentado. O funcionário do banco foi preso.

“Como pode um vigilante não deixar um cliente entrar no banco, atirar em um cliente? Se fosse um loiro, podia ter gritado na agência que entrava. Como ele é negro, grande, acharam que era um assaltante”, disse ao G1 na manhã desta sexta-feira (7) Vanda Soranso, de 60 anos.
Santos foi socorrido inicialmente para o Hospital Tide Setúbal, que é público. No local, não havia neurologista disponível para atendê-lo. A família, então, acionou o plano de saúde. Entretanto, a remoção só foi liberada sete horas depois.

Apesar de a assessoria de imprensa do Banco Bradesco ter informado que está auxiliando a família, Vanda contesta. “Ninguém do banco veio nos procurar. Eles podiam ter ajudado a fazer a remoção mais rapidamente. Só às 17h apareceu uma assistente social do banco, que perguntou do estado de saúde dele para o médico e foi embora. Depois, ninguém falou mais nada”, disse a aposentada, que planeja processar o Bradesco. A assessoria de imprensa do banco informou na tarde desta sexta que uma assistente social acompanha a família do aposentado.

Segundo Vanda, os médicos do Hospital São Camilo, para onde a vítima foi transferida, disseram que a demora na remoção e na realização de uma cirurgia prejudicaram o estado de saúde já delicado do aposentado. Ele passou por uma cirurgia na noite de quinta, e está internado em estado grave e coma induzido. De acordo com Vanda, os médicos disseram que seu marido corre risco de morte. “O médico descartou a possibilidade de ele acordar. Agora é só esperar.”
Doença de Chagas
Depois de colocar o marca-passo – necessário após a constatação de que Santos tinha a doença de Chagas – ir ao banco se tornou mais difícil. “Às vezes olhavam feio para ele, porque a carteirinha é só um papel com um carimbo do hospital. Mas ele sempre conseguiu entrar. Chamavam o gerente e eles liberavam”, conta Vanda.

Santos trabalhou como cozinheiro em uma montadora de carros até 2001. Na época, foi demitido, mas como já tinha um histórico de convulsões, passou a receber auxílio-doença. Há dois meses, recebeu a notícia de que havia conseguido a aposentadoria por invalidez, definitiva.
Na quinta, foi pela segunda vez à agência do Bradesco, onde iria pagar contas e sacar parte do dinheiro. No banco que costumava ir anteriormente, ele já era conhecido e não enfrentava mais problemas. Entretanto, o segurança disse que o aposentado não iria entrar no banco. Ele, irritado, afirmou que entraria. Foi quando ocorreu o disparo que atravessou a cabeça da vítima e atingiu outro cliente de raspão.

Alegria
Segundo a família, o aposentado estava muito feliz com a aposentadoria e planejava trocar o carro da mulher. “Ele foi todo feliz ao banco, porque agora era um dinheiro definitivo. Antes não dava para pensar em entrar em uma prestação”, contou Vanda, que trabalhava em banco antes de se aposentar.

Animado, Domingos tinha se programado para passar o fim de semana cozinhando – foi chamado pela igreja que a família frequenta para cozinhar na festa de Dia das Mães. “Ele já ia amanhã [sábado] adiantar o almoço. Ele sempre gostou muito de cozinhar, ficava feliz da vida, se sentia realizado”, contou a mulher.

Casados há 28 anos, os dois moram em São Miguel Paulista, na Zona Leste de São Paulo, próximo à agência onde ocorreu o crime. Um dos dois filhos do casal ainda vive com os dois – Vanda também tem outras duas filhas de um primeiro casamento. Agora, a família vai adequar sua rotina à do hospital. Nesta quinta-feira, o plano era passar a tarde no local para fazer as visitas à Unidade de Terapia Intensiva (UTI), na hora do almoço e no início da noite. “A gente sempre acha que isso só acontece na casa dos outros e vem e acontece coma gente.”