*por Leonardo Sakomoto
A quantidade de seguranças particulares legalmente registrados e informais já é maior que as forças policiais. De um lado, temos a ainda deficiente formação dos responsáveis pelo monopólio da violência no Estado, causando sofrimento a quem deveriam proteger, do outro o preconceito e a truculência daqueles que começam a trabalhar após terem treinamento insuficiente para entender o que significa a sua função. A meu ver, há seguranças que não passariam nos testes necessários para verificar se uma pessoa possui condições de ostentar uma arma em público. As empresas contratantes sempre dizem que são casos isolados, que o funcionário foi demitido. Isolados vamos ficando todos nós. Vamos refrescar a memória:
Domingos Conceição dos Santos foi baleado ao tentar entrar em uma agência do Bradesco na última quinta-feira em São Paulo. Ele usa um marca-passo e apresentou um documento comprovando isso, o que explicaria porque o detector de metais da porta giratória apitaria quando passasse por ela. Após uma discussão com o cliente, o segurança sacou a arma e atirou na cabeça do aposentado. Ele está em coma e o funcionário do banco foi preso. A família acredita que Santos foi vítima de racismo por ser negro.
Franciely Marques foi acusada injustamente de ter roubado duas canetas mesmo após ter mostrado o comprovante de pagamento por ambas em uma loja da rede Sendas no subúrbio do Rio de Janeiro. Agora, a Justiça condenou a empresa a pagar R$ 7 mil à consumidora. O relator do caso, desembargador Sidney Hartung, diz que a Franciely foi “covarde e humilhantemente acusada de um crime, sem a mínima evidência, causando-lhe abalos de ordem moral”. Em tempo: o mercado também vai ter que devolver as duas canetas ou os R$ 10,98 que elas custaram.
No ano passado, seguranças da loja do Carrefour em Osasco, Grande São Paulo, acharam que Januário Alves de Santana estava roubando um automóvel. Por isso, foi submetido a uma sessão de tortura de cerca de 20 minutos. “O que você fazia dentro do EcoSport, ladrão?”, perguntaram, enquanto davam chutes, murros, coronhadas, na sua cabeça, na sua boca. O carro era dele, comprado em suadas 72 vezes de R$ 789,44. Na cabeça dos seguranças do supermercado, um negro não poderia ter carro de bacana branco. Neste ano, ele fechou um acordo com a rede de supermercados, mas o valor não foi divulgado. Segundo o Carrefour, a empresa de segurança e o gerente da loja foram substituídos e um pedido formal de desculpas feito.
Enfim, em breve teremos que ter cuidado ao entrar na seção de bolachas de um supermercado ou mesmo em uma agência bancária para pagar uma conta. O conceito de “lugar perigoso” mudou radicalmente e os preços e tarifas altas não são mais a única forma de se agredir um consumidor.
*Leonardo Sakamoto é jornalista e doutor em Ciência Política. Cobriu conflitos armados e o desrespeito aos direitos humanos em Timor Leste, Angola e no Paquistão. Foi professor de jornalismo na USP e trabalhou em diversos veículos de comunicação, cobrindo os problemas sociais brasileiros. É coordenador da ONG Repórter Brasil e seu representante na Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo.
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