sexta-feira, 29 de julho de 2011

Não sorria nunca de um preconceito

por: Urariano Mota *

Se alguém algum dia disser que Karl Marx roubou o socialismo dos nazistas, creio que diante de tamanho absurdo a maioria de nós não conseguiria conter um sorriso, ou mesmo a mais ruidosa gargalhada. E se esse mesmo alguém dissesse que haveria uma escala, uma hierarquia entre as raças, de tal modo que lá num pódio de muitos níveis, em primeiríssimo lugar estivesse a raça, vale dizer, a ariana, e lá no fim, no último dos últimos, estivessem os ciganos, os negros e os judeus, creio que talvez olhássemos o profundo ignorante à procura de um sinal de loucura. Antes, é claro, da mais estrepitosa risada.

No entanto, os motivos cômicos logo sofreriam um abalo se um mais avisado nos lembrasse que tais “piadas” foram ditas por Hitler e pelos nazistas. Ah, diante da lembrança do genocídio, do sofrimento e infâmia que tais cômicos impuseram ao mundo, toda a sua sangrenta palhaçada deixaria de ser motivo de riso. Pois o cômico, assim como a felicidade, a raiva, o amor, o ódio, toda manifestação legítima de humanidade, sempre se dá em um contexto de vidas e significados. E deles, um dos que merecem mais cuidado talvez seja o do preconceito, por mais cômico, absurdo e de irresistível comicidade pareça. Pois as caveiras também mostram os dentes, mas nunca são dignas de um sorriso.

Essas curtas reflexões nos vêm quando lemos as notícias do terrorista de extrema-direita na Noruega. Notem que ele, ou melhor, eles, porque o bravo rapaz não agiu só nem é uma exceção de loucura em um mar de sanidade, notem que à sua maneira ele atualiza – se é possível atualizá-las, em vez de retirá-las das tumbas - as ideias nazistas. Excertos de um seu comunicado dizem:

"Nós, a livre população nativa da Europa, por este meio declaramos uma guerra preventiva contra todas as elites marxistas/ multiculturalistas da Europa Ocidental... Sabemos quem vocês são, onde moram e vamos atrás de vocês. Estamos no processo de apontar cada traidor multiculturalista na Europa Ocidental. Vocês serão punidos por cada ato de traição contra a Europa e os europeus. Com o objetivo de romper com sucesso a censura da mídia marxista/ multiculturalista, somos forçados a empregar operações mais brutais e de tirar o fôlego, que resultarão em baixas."

Qual de nós, se visse essas linhas em um texto ou em um vídeo, qual de nós as acharia dignas de uma resposta fundada, fundamentada e, mais que isso, responderia a elas com as armas da razão, e da artilharia para melhor defesa? Poucos, nenhum, ninguém, a julgar pelas medidas e reações tomadas quando o criminoso as tornou públicas na web. E vem muito ao caso dizer que tais “ideias” na Noruega, na Europa hoje, e até no Brasil, com a devida tradução, não são incomuns nem, pior, expressam uma louca exceção. Há um certo tempo aqui e ali na Noruega, Inglaterra, e noutros mais puros, olhares atravessados e comentários resmungados falam algo parecido dos imigrantes não-brancos. Mas uma coisa é um olhar, dizemo-nos, uma coisa é um murmúrio, completamos, outra bem distinta é um massacre com bala dundum. Dessa última vez contra iguais em raça, porque estariam maculados pelo pensamento de aceitação para os diferentes.

No comunicado antes dos crimes o porta-voz dos seus iguais à direita falou as mais velhas piadas, que não mereciam o mínimo esforço para uma rápida contestação. Aquela coisa antiga de raça, “população nativa da Europa”... mas que raça pura?, nos perguntávamos. Risos, com muitos risos respondíamos. Aquela coisa absurda de “elites marxistas/ multiculturalistas da Europa Ocidental”. Putz, que é que é isso? Elite marxista, paradoxo, e multicultural, como se o mundo não fosse em si uma multicultura. Quá-quá-quá, esse cara é um humorista. E este “sabemos quem vocês são, onde moram e vamos atrás de vocês. Estamos no processo de apontar cada traidor multiculturalista na Europa Ocidental. Vocês serão punidos por cada ato de traição contra a Europa e os europeus”? Por favor, pelamordedeus, esse viking estaria mais para Hagar, o horrível.

E no entanto, vimos depois que o piadista devia ter sido tomado a sério e recebido de volta contra ele e assemelhados uma luta encarniçada, sem quartel, sem hora nem descanso. De todas as maneiras, modos e pensamentos, pela escrita, pelo verbo, por atos e ações. Da desgraça fica um alerta. Se continuarmos a julgar como piada os mais bobos preconceitos contra sexos, raças, em resumo, contra gentes, depois não seremos dignos sequer de pena. A nova e profunda depressão econômica, que não se aproxima lá, pois já começou, deveria redobrar a nossos cuidados. Uma primeira providência, de um ponto de vista intelectual, creio, seria não sorrir nunca mais de todo, do mais ridículo e risível preconceito. Pois preconceitos são muito graves. Eles sempre matam pessoas.

publicado:www.vermelho.org.br * Autor de “Os Corações Futuristas” e de “Soledad no Recife”, que recria os últimos dias de Soledad Barrett, mulher do Cabo Anselmo, executada por Fleury com o auxílio do traidor.

sábado, 23 de julho de 2011

Negro ainda vê polícia como inimiga, diz líder da Unegro


por*Ana Cláudia Barros

"Apesar dos avanços, não podemos negá-los, nós, negros, ainda estamos em desvantagem". A análise é do coordenador nacional da União de Negros Pela Igualdade (Unegro), Jerônimo Silva Júnior, que, em entrevista a Terra Magazine, comentou o estudo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) sobre características Étnico-Raciais da População, divulgado nesta sexta-feira (22).
Segundo a pesquisa, 63,7% dos entrevistados reconheceram a influência da raça e da cor na vida das pessoas. Entre as situações nas quais esses fatores exercem maior interferência, conforme o resultado da sondagem, o trabalho aparece em primeiro lugar, seguido pela relação com a polícia/Justiça, o convívio social e a escola.
Para Jerônimo Silva Júnior, também coordenador da Unegro na Bahia, a pesquisa "só reafirma as reivindicações por políticas públicas de promoção da igualdade racial".
- A  UNEGRO defende a tese de que as relações socioeconômicas e políticas no País foram estruturadas numa concepção de hierarquia racial. Isso não só por conta dos 350 anos de escravidão, como também toda negação de políticas específicas voltadas para a busca da igualdade de oportunidades. Hoje podemos dizer que a origem das desigualdades sociais no Brasil é majoritariamente por conta das desigualdades raciais que ainda permanecem, fruto desse processo escravocrata, que foi a base de sustentação da nossa economia durante 300 anos. Isso reflete até então na estrutura social.
Na avaliação dele, há, sim, relação entre a cor da pele e as oportunidades no mercado de trabalho.
- Vou te dar um exemplo. Sou funcionário de um dos maiores bancos do País. Na semana passada, encontrei, pela primeira vez, nos meus 23 anos de banco, um gerente com cabelo dread. Foi tão emocionante que eu o abracei, apertei a mão dele e falei: "Poxa, que felicidade encontrar alguém parecido comigo dentro da agência". Uma pesquisa fez uma avaliação de negros nas 50 maiores empresas brasileiras. Quando chega no corpo gerencial, não existem negros. Fiz um levantamento na própria empresa em que trabalho, um banco com mais de 800 funcionários, e constatei que os negros não chegam a 100. Isso, aqui, em Salvador, onde a população é composta por 90% de afrodescendentes.
"Caçar negros"
De acordo com a pesquisa do IBGE, 68,3% dos entrevistados afirmaram que a cor influencia na relação com a Justiça e com a polícia. O coordenador nacional da Unegro, mais uma vez, recorre à história para explicar a existência de um conflito entre os negros e os aparatos de segurança do Estado.
- A polícia no Brasil nasce para caçar escravos fugidos. Ao ganharmos a liberdade, o direito de sermos enquadrados como cidadãos, foram caracterizados como delinquentes, criminosos, aqueles que tinham o fenótipo dos ex-escravos com a ideologia Lombrosiana (Cesare Lombroso) ou aqueles que praticavam alguma ação que era tida como ato criminal, seja ela praticar religião de matriz africana, considerado contravensão, ou jogar capoeira. Todas as nossas práticas culturais eram vistas como algo criminoso. Então, a polícia sempre foi vista pela população negra como alguém que estava ali para nos reprimir.
Segundo ele, nos dias de hoje, essa concepção ainda se mantém.
- Com a maioria dos centros urbanos vivendo o conflito da violência, isso recai em uma população marginalizada, que, coincidentemente, é de predominância negra. Então, a população negra e a marginalizada, negra ou não, vêm a polícia como inimigo, e não como um instrumento de proteção do Estado. Acredito que com novas experiências, como as Unidades de Polícia Pacificadora, a polícia comunitária, quem sabe, daqui a anos, a gente reverta esse quadro.
Denominada "Pesquisa das Características Étnico-Raciais da População: um Estudo das Categorias de Classificação de Cor ou Raça", a sondagem do IBGE coletou informações em 2008, em uma amostra de cerca de 15 mil domicílios, nos estados do Amazonas, Paraíba, São Paulo, Rio Grande do Sul, Mato Grosso e Distrito Federal.
publicado:Terra Magazine

sexta-feira, 22 de julho de 2011

Para 63,7% dos brasileiros, cor ou raça influencia na vida

Levantamento realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), divulgado nesta sexta (22), aponta que 63,7% dos brasileiros entrevistados acredita que a cor ou raça influencia na vida. O estudo “Pesquisa das Características Étnico-Raciais da População: um Estudo das Categorias de Classificação de Cor ou Raça” coletou informações em 2008, em uma amostra de cerca de 15 mil residências realizada em cinco estados e no Distrito Federal.

O estudo “Pesquisa das Características Étnico-Raciais da População: um Estudo das Categorias de Classificação de Cor ou Raça” coletou informações em 2008, em uma amostra de cerca de 15 mil residências realizada em cinco estados e no Distrito Federal.

Entre as unidades pesquisadas, o maior percentual de pessoas que acredita que a raça ou a cor influencia na vida foi registrado no Distrito Federal (77%) e o menor no Amazonas (54,8%).

As mulheres apresentam percentual maior do que os homens: 66,8% delas disseram que a cor ou raça influenciava, contra 60,2% deles. Quando se analisa o quadro por idades, os maiores percentuais de resposta afirmativa ficam com os jovens com idades dentre 25 e 39 anos (67,8%), seguidas por pessoas na faixa etária de 15 a 24 anos (67,2%).

Os dois grupos se alternam na liderança desse quesito em todos os estados, mas no Distrito Federal há destaque para o grupo com idades entre 40 a 59 anos, onde corresponde a 79,5%

Entre as situações nas quais a cor ou raça tem maior influência, o trabalho aparece em primeiro lugar pelas pessoas entrevistadas, com 71% das respostas, aponta o IBGE.

Logo em seguida, os brasileiros apontaram que a cor e raça interferem "na relação com justiça ou a polícia", citada por 68,3% dos entrevistados. Para 65%, estes fatores também interferem no convívio social e para 59,3%, cor e raça são fatores que atuam na maneira das pessoas agirem nas escolas.

Própria cor

Dos entrevistados, 96% afirmam saber a própria cor ou raça.  A maioria dos brasileiros respondeu ao IBGE que o fator preponderante para identificar sua cor ou raça é “a cor da pele” – foi o argumento de 74% dos entrevistados. Mas 62% deles disseram que a origem familiar também é analisada e para 54%, traços físicos também atuam na formação da raça.

Ao serem indagados sobre a sua cor ou raça (com resposta aberta), 65% dos entrevistados utilizaram uma das cinco categorias de classificação do IBGE: branca (49,0%), preta (1,4%), parda (13,6%), amarela (1,5%) e indígena (0,4%), além dos termos “morena” (21,7%, incluindo variantes “morena clara” e “morena escura”) e “negra” (7,8%). Entre os estados, o Amazonas se destacou com o menor percentual de respostas para cor “branca” (16,2%) e a maior proporção de uso do termo “morena” (49,2%). Já o maior percentual da resposta “negra” foi no Distrito Federal (10,9%), onde as respostas “branca” e “parda” tiveram proporções iguais (29,5%).

Comparando a classificação de cor ou raça do entrevistado feita por ele mesmo (autoclassificação) e a atribuída pelo entrevistador (heteroclassificação), observou-se um nível de consistência significativamente alto, com exceção para o caso da categoria “morena”, mais usada pelo entrevistado (21,7%) do que pelo entrevistador (9,3%). Essa discordância foi maior na Paraíba, onde 45,7% dos entrevistados se autoclassificam como “morenos”, mas o termo só foi usado pelos entrevistadores em 4,3% dos casos.

Estudo inédito

“A importância muito grande deste estudo é que ele é inédito. O IBGE jamais tinha indagado este aspecto sobre a influência na vida das pessoas. Normalmente fizemos pesquisas concretas, sobre renda, saneamento. Agora, fizemos a pessoa refletir sobre um sentimento”, diz ao G1 Ana Sabóia, chefe da Divisão de Indicadores do IBGE e coordenadora-geral da pesquisa.

O Distrito Federal se destacou no levantamento com os maiores percentuais de percepção da influência da cor ou raça em quase todas as situações citadas. Para os moradores de lá, cor e raça atuam no trabalho (86,2%), na relação com justiça/polícia (74,1%), no convívio social (78,1%), na escola (71,4%) e também nas repartições públicas (68,3%). Apenas em “casamento”, a Paraíba ficou com 49,5% contra 48,1% do DF.

Ana atribuiu este resultado ao “maior nível de escolaridade da população do Distrito Federal, quando as pessoas têm maior facilidade em responder a este nível de pergunta”.

Leia aqui a íntegra da pesquisa.

fonte: www.vermelho.org.br

quinta-feira, 21 de julho de 2011

Joel Rufino dos Santos: a voz do morro na literatura

 O historiador, professor e escritor lança romance que aborda 50 anos da história do Brasil do ponto de vista de pessoas comuns, próximo ao estilo do grande escritor Lima Barreto. Por Marcos Aurélio Ruy

O romance Bichos da Terra Tão Pequenos, de Joel Rufino dos Santos (Editora Rocco, 2010, 206 páginas) narra importantes passagens históricas do Brasil dos anos 1950 aos 2000. Com o título extraído de poesia de Luís de Camões, o livro não pretende ser histórico, é pura ficção.
O autor apresenta o morro do Urubu, com características semelhantes aos morros cariocas e a trajetória de marginalização e perseguição política aos negros, aos pobres, aos esquerdistas, aos comunistas e a todos que de alguma forma postavam-se contra o regime, conscientemente ou não.

O protagonista da história Vinquinho é um daqueles personagens feitos para marcar a literatura para a eternidade. Traz em seu bojo a vida do subúrbio carioca em todas as fazes da história do Rio de Janeiro, por muito tempo a capital federal do país. Estão presentes no livro: a favela, a cidade, a repressão, a vontade do homem do povo de não encerrar-se em seu sofrimento na luta cotidiana pela sobrevivência.

Ativista do movimento negro e estudioso das questões do negro brasileiro, Joel Rufino dos Santos foi discípulo do marxista Nelson Werneck Sodré, com quem trabalhou no Instituto Superior de Estudos Brasileiros. Foi preso e exilado pela ditadura fascista de 1964-1985, por seu envolvimento com a Aliança Libertadora Nacional, organização que partiu para a luta armada contra o regime militar.

Sempre na luta contra a discriminação racial e por um país menos desigual, o único professor negro de pós-graduação em Ciências Humanas da Universidade Federal do Rio de Janeiro publicou mais de 50 livros, sendo este o mais recente. Concorde-se ou não com suas teses, Rufino consiste em leitura obrigatória para todos que desejam entender um pouco mais a formação do povo brasileiro, seja por obras ficcionais, seja pelas obras científicas.

Alguns livros do autor
O Dia em que o Povo Ganhou (Civilização Brasileira, 1979)
A Botija de Ouro (Editora Ática, 1984)
Afinal, Quem Fez a República? (FTD, 1989)
O que é Racismo (Editora Brasiliense, 1998)
A Vida de Zumbi dos Palmares (FAE/MEC, 1995)
Quando Voltei Tive uma Surpresa (Editora Rocco, 2000)
O Presente de Ossanha (Global, 2006)
Na Rota dos Tubarões; o Tráfico Negreiro e Outras Viagens (Editora Pallas, 2008)
Quem Ama Literatura Não Estuda Literatura: Ensaios Indisciplinados (Editora Rocco, 2008)

Texto do livro:

"Os quarenta jurados, caso único no Grupo de Acesso, deram nota dez à Alegria do Urubu. Com duas horas da apuração, a quadra na subida do morro põe gente pelo ladrão. Merienne, Rui Roberto e Fuad chegam nos ombros da massa. Puseram os barris de chope numa varandinha, era só sentar, abrir a boca, a sobra escorria pelos corpos, fazia riachos no chão. Martin, extasiado, procura uma cara conhecida na festa bárbara. Menino em Sulzback, sábado de manhã, vinha com colegas espiar pela janela a taberna da cidade, ainda com cheiro de Branntwein, cerveja derramada, salame, tutano de porco, sexo e sovaco. Imaginava um instante o que se passara ali, à noite, corpos apertados nos bancos de carvalho, lieds, canecas de líquido vermelho, um animal inteiro, talvez porco, talvez centauro, atirado periodicamente pelas criadas de tranças duplas e avental amarelo no centro da mesa comprida. O menino recuava para a luz da rua, com medo, como agora. Passa um trenzinho humano, carregam com ele, lhe derramam chope por dentro da camisa, as cuecas e as meias se encharcam. “Nada se parece mais com um alemão que um negro”, lhe sussurrara no sambódromo o chefe do Instituto, vendo passar uma ala de mulheres. “Nada se pode confiar nessa gente, quando não fazem na entrada fazem na saída”, o mesmo que se dizia na Europa sobre os alamanos de achas, no tempo de César, e sobre a pequeno-burguesia de Munique, lá por 1925, embriagada de esqui, cerveja, Karneval o Octoberfest, enquanto nos fundos corriam a patadas as disputas partidárias que deram no que deram, e mesmo dos roqueiros de hoje que derrubaram o Muro para em seguida ressuscitarem os símbolos que transportavam à Feldherrnhalle, Salão dos Generais, em cuja porta, levando-o para a escola, sua mãe diariamente parava, descia da bicicleta para juntos fazerem a saudação nazi obrigatória. Nessa época executaram Walter Klingenbeck, com dezenove anos, e sua mãe, grávida, o Marido no exército, lhe propôs um segredo – se fosse menino se chamaria em casa, secretamente, até que a guerra acabasse, Walter Klingenbeck. A ex-esposa, de um casamento breve e ruim, dizia maldosamente a Martin que um Jean Cristophe vive em cada alemão, trágico, abstrato, contido, telúrico como os negros do Brasil,mas é bom ressalvar, não os da África. “Um alemão sozinho é um alemão, dois é a Germânia”, completava ela, ex-aluna de Leopold Senghor em Paris, “tal e qual os negros que ao se reunirem instauram a negritude.” Duvidava disso, mas é verdade que ela o dizia com convicção, pouco se importando, como scholar, que o interlocutor concordasse."

Supermercado Extra paga R$ 260 mil a criança vítima de racismo

O garoto negro T., de 10 anos, que acusa seguranças do Hipermercado Extra da Penha, na zona leste de São Paulo, de tê-lo chamado de "negrinho sujo e fedido" e de ter sido obrigado a tirar a roupa, foi indenizado em R$ 260 mil pela empresa. Os seguranças suspeitavam de furto. A criança não havia levado nada.

O caso ocorreu em 13 de janeiro. Segundo depoimento da criança no 10.º Distrito Policial (Penha), ele foi abordado por três seguranças e levado para uma "sala reservada" com outros dois garotos, de 12 e 13 anos. Após as ofensas raciais, um segurança "japonês" (com feições orientais) o ameaçou com uma "faquinha de cabo azul", com um tubo de papelão - dizia que "era bom para bater" - e afirmou que ia "pegar um chicote".

O garoto foi obrigado a tirar a roupa e, só depois, os seguranças verificaram que T. levava nota fiscal de R$ 14,65, que comprovava a compra de dois pacotes de biscoito, dois pacotes de salgadinhos e um refrigerante. O documento foi anexado ao inquérito e é uma das principais provas contra os seguranças.

Apesar da indenização, o Grupo Pão de Açúcar afirma "não reconhecer" as alegações. Segundo o texto do acordo, a indenização foi concedida "por mera liberalidade e sem qualquer assunção de culpa nas esferas cível ou criminal".

Com o acordo extrajudicial, a família de T. abre mão de representação por injúria racial. Mas os seguranças do supermercado ainda podem responder por crimes como constrangimento ilegal (por terem submetido a criança a tirar a roupa) e privação de liberdade (por manter menores dentro de sala reservada).

"A investigação criminal não pode parar. Nesse tipo de caso, as punições têm de ser exemplares. São crimes muito graves, que podem marcar a pessoa para a vida toda. Especialmente quando a vítima é uma criança", disse o presidente do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (Condepe), Ivan Seixas, que acompanhou o caso.

Os seguranças envolvidos, segundo a empresa, foram demitidos. O Grupo Pão de Açúcar ainda afirmou que "repudia qualquer ato discriminatório, pauta suas ações no respeito aos direitos humanos e esclarece que o assunto foi resolvido entre as partes".

No mês passado, os dois outros garotos envolvidos no caso compareceram ao 10.º Distrito Policial para denunciar o crime. Segundo o delegado Marcos Aníbal Andrade, responsável pelo caso, os depoimentos serão confrontados antes do indiciamento dos possíveis acusados. "As informações serão úteis para sabermos exatamente quais funcionários serão responsabilizados, uma vez que todas as supostas agressões teriam ocorrido em um mesmo momento, num mesmo local", afirmou o delegado.

O Grupo Pão de Açúcar afirmou desconhecer "qualquer outra intimação" relacionada ao caso. A estimativa da Polícia Civil é de que o inquérito seja finalizado dentro de dois meses.

Fonte: O Estado de S.Paulo

Justiça do RJ decreta a prisão de quatro PMs do caso Juan


folha.com
de São Paulo
A Justiça do Rio de Janeiro decretou na noite desta quarta-feira (20) a prisão temporária dos quatro policiais militares suspeitos de envolvimento na morte e no sumiço do garoto Juan Moraes, 11, durante uma operação na favela Danon, em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense.
Promotoria pede prisão temporária de quatro PMs do caso Juan
Polícia faz perícia em mais 9 fuzis da PM após morte de Juan
Análise preliminar aponta que cápsulas são da PM
Beltrame reconhece erros da polícia no caso Juan
Corpo de Juan é enterrado com esquema de segurança
A decisão atende o pedido feito na terça-feira (19) pelo Ministério Público do Rio contra os cabos Edilberto Barros do Nascimento e Rubens da Silva, e os sargentos Isaías Souza do Carmo e Ubirani Soares. Os quatro foram indiciados sob suspeita de duplo homicídio qualificado e pela ocultação do corpo de Juan.
Os mandados de prisão deverão ser encaminhados nesta quinta à Delegacia de Homicídios da Baixada (DHBF), responsável pelo caso.
Reprodução
Juan Moraes, 11, que desapareceu após operação policial no Rio
Juan Moraes, 11, que desapareceu após operação policial
INVESTIGAÇÃO
Na tarde desta quarta, o delegado Ricardo Barbosa, da DHBF, afirmou que a perícia e as investigações apontam que os disparos que atingiram Juan foram feitos por fuzis de policiais militares. Além disso, Barbosa afirma não ter sido comprovado que houve confronto no dia de seu desaparecimento.
Os quatro PMs indiciados teriam estado no local no momento do crime, mas apenas Barros e Souza teriam confirmado à polícia que fizeram disparos no local durante o suposto confronto.
A polícia também aponta a existência de contradições entre os depoimentos dos dois policiais que efetuaram os disparos. Num primeiro momento, eles disseram ter trocado tiros com um grupo de seis homens, mas depois o número caiu para dois.
O delegado afirmou ainda que a análise do GPS dos carros dos policiais também mostrou horários incompatíveis com a ação. A polícia afirmou que o laudo sobre o sangue encontrado no carros dos policiais já foi concluído e anexado ao inquérito, mas o resultado não foi divulgado.
Além de Juan, também foi morto na ação o adolescente Igor de Souza Afonso,17, apontado como traficante de drogas. Com ele, foi apreendida uma arma. Outras duas pessoas, entre elas o irmão de Juan, ficaram feridas.
O comandante-geral da PM, coronel Mário Sérgio Duarte, disse que, se ficar comprovada a culpa dos policiais, eles serão expulsos da corporação.

Paula Giolito/Folhapress
Morte de menino Juan, 11, completa um mês na quarta-feira; ele desapareceu após um suposto tiroteio entre PMs e traficantes
Morte de menino Juan completa um mês; ele desapareceu após um suposto tiroteio entre PMs e traficantes
CORPO
Após ficar desaparecido por cerca de dez dias, o corpo de Juan foi encontrado no último dia 30 às margens de um rio em Nova Iguaçu. O corpo foi identificado inicialmente, pela perícia, como sendo de uma menina, mas exames de DNA comprovaram que se tratava de Juan.
A perita que identificou o corpo como o de uma garota está sendo alvo de sindicância. Para a polícia, ela foi 'precipitada'.

Ator negro é agredido por PMs em festival de teatro de Blumenau (SC) e pode ficar surdo

Leo Laps
Especial para o UOL Notícias
Em Blumenau (SC) 

O ator mineiro Anderson da Sena, 32, era mais um dos milhares de visitantes que a cidade de Blumenau (139 km de Florianópolis) recebeu no início de julho para a 24ª edição do Festival Internacional de Teatro Universitário (Fitub). Na última sexta-feira (15), ele apresentaria a peça “Congresso Internacional do Medo”, com o grupo Espanca!, de Belo Horizonte.
Na madrugada anterior à apresentação da peça, o ator foi agredido com socos e coronhadas de escopeta por dois policiais militares em um posto de gasolina da cidade, onde um grupo de aproximadamente 60 pessoas, a maioria participantes do festival, estava reunido para conversar e tomar cerveja.
O ator pode ter sofrido perfuração no tímpano direito e corre o risco de perder a audição. O Movimento de Consciência Negra de Blumenau Cisne Negro acusa os dois policiais de racismo (Anderson da Sena é negro) e exigiu nesta terça-feira (19), durante sessão na Câmara dos Vereadores, o afastamento imediato de ambos até que as investigações sejam concluídas.
“Tememos que ocorra mais um caso de impunidade. Se eles nem foram afastados, fica parecendo que está autorizado este tipo de violência. Vamos monitorar este caso até que os policiais sejam punidos de acordo com a lei”, afirmou o presidente do Cisne Negro, Lenilso Silva.
Em entrevistas a jornais locais, o comando do 10º Batalhão da PM defendeu os policiais, argumentando que eles devem ter agredido o ator porque este supostamente os agredira primeiro.
Há uma câmera de segurança da Polícia Militar bem em frente ao local do incidente, mas a corporação alegou que não há registro de movimentos durante o horário da abordagem policial, perto das 4h da manhã do dia 15 de julho.
Sena diz ter sido alvo das agressões após questionar a forma como os policiais abordaram o grupo que estava no posto e afirmar que esperaria, na calçada, por dois amigos que estavam na loja de conveniência do posto.
Aos gritos de “vaza, negão! Aqui não é o seu lugar”, um dos policiais acertou, pelas costas, um tapa na orelha direita do artista. Em seguida, ambos começaram a golpeá-lo com vários socos e coronhadas com uma escopeta, para depois voltar ao carro e sair do local.
Ainda conforme o relato de Sena, os dois PMs não portavam nenhuma identificação no peito. No dia seguinte, dezenas de participantes do Festival de Teatro fizeram um protesto pelas ruas centrais da cidade, carregando flores e vestindo preto.
Sena registrou queixa na delegacia, solicitou um exame de corpo de delito à própria PM e denunciou a agressão na corregedoria da instituição. Não identificados pela Polícia Militar, os dois policiais seguem trabalhando normalmente. O ator voltou para Belo Horizonte, onde passa por tratamento médico.
 
 

terça-feira, 19 de julho de 2011

Netinho: “Conhecer as necessidades do povo é minha especialidade”

Depois de ser eleito vereador em São Paulo com 84 mil votos em 2008 e de ter recebido mais de 7,7 milhões de votos na disputa ao Senado em 2010, Netinho de Paula (PCdoB) se prepara agora para disputar a Prefeitura da maior metrópole brasileira. Para ele, o resultado das eleições do ano passado — quando obteve 2 milhões de votos apenas na capital paulista — foi um dos fatores decisivos para a indicação de seu nome pelo PCdoB à sucessão do prefeito Gilberto Kassab (PSD).
Por Mariana Viel

Netinho reforça que não será um representante apenas da população negra — mas de toda a periferia. “Conhecer as pessoas e suas necessidades é a minha especialidade. É isso que eu tento agregar como elemento novo na política. O que tenho de novo é a vontade de fazer o melhor para o povo que vive nessa cidade”.

O pré-candidato do PCdoB critica a falta de políticas públicas voltadas para a área social. “Cuidar dos mais carentes na cidade de São Paulo é também melhorar a vida da classe média que existe aqui. Temos que unir São Paulo em torno da melhoria e da qualidade de vida do cidadão paulistano”.

Nesta entrevista ao Vermelho, Netinho falou ainda da estruturação de sua candidatura através de coligações com partidos que estejam dispostos a fazer parte de um amplo plano de governo. “Temos feito exaustivas conversas com grandes lideranças políticas — munidos de uma pesquisa muito animadora. Temos tido respostas muito positivas”.

Vermelho: Como você vê a indicação do seu nome à Prefeitura de São Paulo?
Netinho de Paula: Em 2010, o PCdoB acreditou na minha candidatura ao Senado — e saímos da disputa com a terceira maior votação. Foi esse resultado que colocou a minha candidatura. Ela não foi anunciada publicamente por mim. Foi o Renato [Rabelo, presidente nacional do PCdoB], durante um ato organizado aqui na Câmara, que entendia que essa era uma candidatura natural e até estrutural para o partido, particularmente na capital.

A bancada de vereadores vem retomando espaço, mas precisa de maior protagonismo na política paulista. Com toda a humildade, vejo isso como a oportunidade de mostrarmos o nosso caminho ao encontro do socialismo que imaginamos, sonhamos e queremos atingir.

Vermelho: As críticas da oposição sobre sua inexperiência política já estão superadas?
NP: O reconhecimento do trabalho legislativo é fundamental para quem pleiteia disputar cargos majoritários. A força legislativa é muito grande, e a interlocução do Executivo com o Legislativo, na obtenção de resultados políticos, é essencial. Esse período em que estou aqui na Câmara, apresentando os meus projetos, debatendo e levantando questões, participando de CPIs — tudo isso traz uma maturidade muito grande para a formatação do que você pensa e do seu ideal.

Mas isso não apaga e não aumenta o compromisso que tenho com a população. Isso faz parte da minha vida e da minha história. Conhecer as pessoas e suas necessidades é a minha especialidade. É isso que eu tento agregar como elemento novo na política. O que tenho de novo é a vontade de fazer o melhor para o povo que vive nessa cidade.

Ao mesmo tempo em que São Paulo tem uma arrecadação superlativa, não encontrou ainda em uma liderança política do Executivo uma figura comprometida com as questões sociais. Acho que é nessa lacuna que eu entro, como um candidato que genuinamente representa essa nova classe C.
 

Vermelho: Que críticas você faz à atual administração?
NP: Com todo o respeito que temos, inclusive por participar atualmente de uma secretaria do governo do prefeito Gilberto Kassab, nossas críticas permanecem as mesmas nas áreas sociais. Achamos que a política de juventude no município não é a que consideramos adequada. Achamos que a área social ainda requer mais investimentos, não apenas financeiros mas basicamente estruturais.

Faltam políticas públicas voltadas para a questão da área social. Se por um lado a cidade avançou em termos de estética, temos ainda a degradação do Centro, o abandono e a falta de habitação popular, que é visível. Temos uma desestrutura na área da política de combate às drogas na cidade que também é visível para toda a população. São Paulo não pode deixar isso de lado.

Cuidar dos mais carentes na cidade de São Paulo é também melhorar a vida da classe média que existe aqui. Não pretendo ser um candidato que vai separar, que vai manter uma cidade de ricos e de pobres, de brancos e de negros. Temos que unir São Paulo em torno da melhoria e da qualidade de vida do cidadão paulistano, seja ele de qual cor for ou qual condição social ele tenha.

Vermelho: O cenário político das eleições de 2012 na capital paulista promete ser bastante acirrado. Você já iniciou o processo de discussões com outros partidos para formar alianças?
NP: Para o PCdoB, é essencial que haja mais candidaturas, independentemente da nossa. A nossa luta é para quebrar essa polarização que existe entre PT e PSDB aqui em São Paulo. Isso já deu o fruto e os resultados que tinham que dar — e também já nos mostrou as suas deficiências. Pessoas novas são muito bem-vindas na política.

A viabilidade da minha candidatura nesse momento passa por um processo de ampliar as coligações. Temos feito exaustivas conversas com grandes lideranças políticas — munidos de uma pesquisa muito animadora.

Temos tido respostas muito positivas. Há duas semanas, tivemos uma conversa muito proveitosa com o PDT, que se mostrou muito sensível em fazer parte da nossa coligação. Ainda não há nada definido, mas eles entendem que nossa candidatura é legítima, que temos chances e que a condição em que eu me encontro nas pesquisas é animadora.

No próximo mês, teremos uma conversa com o PSB para tentar entender o que eles estão pensando para 2012. Nossas conversas com todos os partidos, inclusive com o próprio PMDB, têm sido muito boas. São conversas de alinhamento político.

Até novembro, a nossa luta vai ser justamente para estruturar e buscar coligações com partidos que ideologicamente compartilhem com a minha candidatura e que estejam dispostos a fazer parte de um amplo plano de governo. Queremos partidos que possam participar e contribuir com o plano ideológico do mandato.

Vermelho: Como está sendo a repercussão da sua pré-candidatura entre os seus eleitores?
NP: Minha relação com o gueto é o que tenho de mais concreto para somar na luta política a que me predispus. É uma relação de carinho, de muito respeito, de confiança e, acima de tudo, de esperança. Eles veem muita esperança em um mandato como o meu. Fico até emocionado.
Estive na terça-feira passada em um evento na Vai-Vai, e os presidentes da Vila Maria e da Casa Verde, duas escolas de samba tradicionais de São Paulo, começaram a falar que eu estava muito “preso” na Câmara — que eu precisava ser mais presente, mais “pé no chão com a quadra”, porque sou diferente dos outros candidatos. Quando você toma um puxão de orelha desses, vê o carinho que as pessoas têm. Eles amam, defendem e estão muito confiantes de que podemos ganhar essa Prefeitura e fazer um mandato maravilhoso.

Vermelho: Ao longo de sua trajetória, como menino pobre da periferia, depois como cantor, apresentador e agora político, você sempre precisou provar sua competência para dar o passo adiante — e, mesmo assim, tem sido muito criticado. O Netinho ainda precisa provar alguma coisa?
NP: Quem nasceu e viveu na periferia passa a vida inteira tendo de provar as nossas boas intenções e atitudes. Um erro pesa muito mais do que todos os acertos — pelo fato de a gente não ter os órgãos de repercussão das coisas positivas que a gente faz. Acho que não tenho que provar nada pessoalmente. Mas todos nós, agentes políticos vindos da periferia e do povo, temos de provar nossa capacidade. O Lula fez isso e, seguindo o exemplo dele, quero fazer também. Não só pelos negros — mas particularmente por toda a periferia.

Vermelho: Como você idealiza, dentro das propostas do PCdoB, o diferencial de sua candidatura?
NP: Nossa política de estruturar e fortalecer o Estado me parece muito animadora. Poder fortalecer as estruturas políticas para que o povo tenha acesso ao que existe de melhor no mundo, entender que as políticas públicas podem beneficiar, sim, quem mais precisa, compreender que não é privatizando tudo que as coisas serão melhores é o que mais me motiva no partido.

O PCdoB busca, dentro do acúmulo de seus quadros políticos, encontrar soluções não tão complexas para problemas que são complexos. E é isso que mais me anima em fazer parte deste time. Não podemos nos fechar dentro do nosso campo ideológico — mas, sim, encontrar maneiras de difundir a nossa ideologia.


 

 

quarta-feira, 6 de julho de 2011

Polícia do Rio confirma morte do menino Juan e admite engano

DIANA BRITO
DO RIO - 06/07/2011


A chefe de Polícia Civil do Rio, Martha Rocha, anunciou nesta quarta-feira a morte do menino Juan Moraes, 11, desaparecido desde o fim de junho após uma operação policial na favela Danon, em Nova Iguaçu (Baixada Fluminense).

De acordo com a delegada, o corpo foi localizado no rio Botas, em Nova Iguaçu, na quinta-feira (30). Inicialmente a informação da polícia era de que o corpo localizado era de uma menina, mas exames de DNA comprovaram que se tratava da criança desaparecida.
Segundo Sérgio Henriques, diretor técnico-científico da Polícia Civil, a perita que fez o exame preliminar no corpo foi "precipitada" ao divulgar que se tratava de um corpo feminino e "vai responder à sindicância no tribunal".
O IML (Instituto Médico Legal) ainda prepara um laudo sobre o corpo de Juan, que estava submerso e em estado avançado de decomposição.
O titular da Divisão de Homicídios da Baixada Fluminense, Ricardo Souza, não confirmou se o menino foi baleado pelos PMs que participaram da operação. Ele disse que aguarda a realização de uma reprodução simulada da operação, na manhã de sexta-feira (8).
Ele disse que já tem as informações do localizador via satélite instalado nos veículos da PM que estavam no local.
DEPOIMENTOS
Os depoimentos dos 11 policiais militares investigados pelo desaparecimento de Juan duraram cerca de 13 horas e terminaram na madrugada desta quarta-feira, na Divisão de Homicídios da Baixada Fluminense. O delegado Souza não revelou o teor dos depoimentos.
O objetivo da polícia é confrontar os relatos dos PMs com o trajeto percorrido pelos carros da corporação, de acordo com os dados do rastreamento via satélite.
Segundo a polícia, só quatro PMs participaram do confronto. Eles foram afastados das ruas e foi aberta uma sindicância para apurar o caso.
Juan sumiu durante confronto entre PMs e traficantes no último dia 20, na favela Danon. Seu irmão, de 14 anos, foi ferido e acabou desmaiando, mas diz que chegou a ver o menino ser baleado.
Segundo o deputado estadual Marcelo Freixo (PSOL), moradores da região dizem que Juan foi colocado dentro de um carro da PM.
 publicado:http://www1.folha.uol.com.br

terça-feira, 5 de julho de 2011

Skinheads presos na zona sul de SP queriam matar, dizem vítimas

ELIANE TRINDADE
DE SÃO PAULO 


O ataque foi inesperado. "Os caras surgiram do nada, xingando a gente de preto, pobre e nordestino e dando socos e pontapés", diz Samuel de Oliveira, 34, branco, nascido em Passos (MG). 
Um dos quatro moradores de rua atacados por skinheads na madrugada do domingo em São Paulo, ele afirma que, além dos cinco jovens presos, outros quatro participaram das agressões.
"Duas mulheres eram da gangue. Tinha uma menor e a namorada de um dos caras", diz Aline de Souza, 21.
Ela escapou da pancadaria abraçada ao marido, Júlio César Souza, 20. Ele, negro, levou golpes nas costas, mas conseguiu proteger a mulher, grávida de três meses.
As quatro vítimas se preparavam para dormir na fria madrugada de domingo sobre leitos de papelão na praça do Paraíso, em frente à igreja Ortodoxa, na zona sul.
"Eles vieram para matar", diz Carlos Eduardo Carvalho, 31. Ele conta ter tentado parar as agressões na conversa.
Não adiantou. "Deus mandou pra cá naquela hora policiais treinados para combater esse terrorismo burro", diz Carvalho, ex-pastor e negro. Até chegar reforço, os skinheads foram para o confronto com dois policiais que fizeram o flagrante. Dois tiros para o alto os contiveram.
Mesmo rendido, um deles continuou com xingamentos racistas, afirmam as vítimas.
"No chão, o folgado gritava que odiava negro. Um dos policiais também era preto", diz Samuel, que, sob a ameaça de um facão, chamou a atenção do carro de polícia que passava pelo local.
A polícia apreendeu um arsenal de armas brancas: três machados, quatro facas, um punhal e um facão.
Segundo as vítimas, os agressores pareciam muito alterados e levavam com eles duas garrafas de vodca.
Os quatro sem-teto vivem numa autodenominada "comunidade democrática de rua", que tem hoje 17 integrantes. Eles tiram o sustento da venda de material para reciclagem. Carlos faz bicos como entregador de água mineral para uma distribuidora vizinha à praça do Paraíso.
"Eles trabalham e vivem bem na rua. Comem, bebem e dormem sem pagar imposto", diz o comerciante Tiago Fernandes, que usa os serviços de dois sem-teto.
"A gente não é de luxo, mas gosta do que é bom", afirma Carlos, que tira R$ 20 por dia com as entregas.
No sábado, para encarar o frio, optaram por vinho tinto e seco. Um malbec embalou a confraternização à base de feijoada, que começou às 18h e foi até as 23h.
Ainda assim, o grupo não cogita procurar abrigos para se proteger da violência.
"No albergue, o cara é prisioneiro da própria situação. Tem que ficar quatro horas na fila para pegar senha para dormir e outras tantas para comer. Quando é que a pessoa trabalha?", indaga Carlos. "Gastam muito dinheiro, mas sem efetividade."













publicado: 05/07/2011 - http://www1.folha.uol.com.br

sexta-feira, 1 de julho de 2011

Vamos tirar o Estatuto da Igualdade Racial do papel


*por Edson França
O principal feito no Brasil em matéria de promoção social da população negra em 2010 foi a aprovação e sanção do Estatuto da Igualdade Racial, transformando o Brasil num exemplo de país que aprimora sua legislação antirracismo, visto que o Estatuto transforma em política de Estado várias propostas do movimento negro e complementa preceitos constitucionais, leis, portarias, decretos, normativas e outras inúmeras iniciativas políticas e administrativas de combate ao racismo e promoção social para população negra.

Foram dez anos de discussão formal sobre a lei, várias formulações ocorreram decorrentes de inúmeras condicionantes: da pressão do movimento negro, avanços da nação nesse tema, avaliações acuradas do texto inicial, correlação de forças que conformam os inúmeros interesses sociais, políticos e econômicos da sociedade brasileira presentes no Congresso Nacional.

Muito se discutiu sobre a redação do Estatuto da Igualdade Racial, com um lado buscando mais direitos para população negra e outro sonegando. Foi objeto desse debate a proposição da União pagar a título de reparação aos descendentes de africanos escravizados, R$102.000,00 (cento e dois mil reais), art. 14º, §1º da versão que Paulo Pain (PT/RS) protocolou na Câmara dos Deputados em 2000. Proposta substituída pelo Fundo de Promoção da Igualdade Racial, art. 26º do relatório proposto pelo Deputado Reginaldo Germano (PP/BA), em 2002, primeiro relator da matéria.

No Senado recebeu apoio do núcleo conservador liderado pelo falecido Senador Antonio Carlos Magalhães (PFL/BA) e em 2006 foi aprovada no Senado a primeira versão do Estatuto da Igualdade Racial, não sem intervenções, que minou a força da redação anterior. O substitutivo do Senador Rodolpho Tourinho (PFL/BA) passa de 67 artigos para 85, porém perde o caráter impositivo, o Fundo e as cotas. É bom lembrar que a primeira versão do Estatuto da Igualdade Racial não foi um ato discricionário do relator, ocorre em acordo com o governo e o proponente da lei.

A peleja para uma redação apropriada as demandas da população negra teve continuidade na Câmara dos Deputados. Após mais de dois anos engavetado, o Estatuto vai para debate através de uma Comissão Especial designada pelo, então, Presidente da Casa, Deputado Arlindo Chinaglia, atendendo pressão do movimento negro (iniciativa da Educafro, Brasil Afirmativo, dentre outros) que colhera cem mil assinaturas e realizou uma caravana a Brasília para cobrar o trâmite do Estatuto.

Quando grupos de interesses contrários a proposta e a Casa perceberam que a Comissão Especial era pra valer o debate se deu. O Estatuto da Igualdade Racial enfrentou duras resistências e ataques de toda ordem, é possível afirmar que poucos projetos de lei mobilizaram tanta crítica e má vontade de um universo tão amplo. Além dos tradicionais ataques da grande mídia, somaram-se aos contrários muitos intelectuais que estudaram a questão racial no Brasil, setores capitulados e outros equivocados do movimento negro, bancada evangélica e ruralista. Enfrentamos a militância contra o Estatuto da Igualdade Racial por parte dos deputados e senadores do DEM, setores majoritariamente expressivos do PSDB, dentre outras siglas partidárias difusas, que somadas minava qualquer possibilidade de mantermos a redação mais avançada. Tudo sob o silêncio ensurdecedor de parceiros importantes, solidariedade de poucos e grande dificuldade do movimento negro organizar pressão pela aprovação do Estatuto, aliás, na reta final, a interlocução com os parlamentares foi protagonizada pela Seppir, o movimento negro foi um interlocutor frágil e secundário. Com retorno ao Senado, o Estatuto da Igualdade Racial sofre os últimos capítulos de tentativa de inanição completa, nas mãos do relator da matéria, Senador Demóstenes Torres – reeleito com expressiva votação em Goiás.

Contudo reitero que o Estatuto da Igualdade Racial não é um barco a deriva, soma-se a um universo fértil de iniciativas antirracismo. Reitero também que o Estatuto da Igualdade Racial é uma conquista do movimento negro, da população negra e da nação brasileira. Não há nenhuma hipótese do DEM, da bancada ruralista, da direita brasileira propor uma lei da envergadura do Estatuto, essa matéria está muito longe dos horizontes e interesses conservadores.

A fase do debate sobre uma redação ideal acabou, hoje o Estatuto da Igualdade Racial é uma lei, Lei 12.288 de 20 de julho de 2010. Estamos diante do impasse de torná-lo letra morta. Permitir a disfuncionalidade do Estatuto é abraçar a mais fragorosa derrota do movimento negro brasileiro. Por isso a tática correta é de concentrarmos na luta pela melhor interpretação, exigir sua implantação e regulamentação onde se fizer necessário. A lei é praticamente auto-aplicável, precisamos regulamentar somente o Sistema Nacional de Promoção da Igualdade Racial (SINAPIR), consta a partir do artigo 47º ao 57º da Lei.

Preocupa-me que o movimento negro mergulhe numa discussão histérica sobre um Estatuto ideal e negligencie atenção ao aprovado, até porque não adianta letras bonitas, redações perfeitas se não houver força política para garantir sua implantação. Não está dado que conseguiremos implantar plenamente o Estatuto, vimos boas leis não saírem do papel, a exemplo da inocuidade da Lei Caó, descomprometimento do Estado em relação a Lei 10.639/03 e o descumprimento de importantes supostos constitucionais, como a posse da terra as comunidades remanescentes de quilombos. Concebo lei com uma ferramenta e não como um fim em si mesmo. Considero que meritocraticamente o Estatuto da Igualdade Racial tem força, saindo do papel contribuirá com a promoção social da população negra.

Verifico indicações e comandos importantes no Estatuto que se considerados, pode ser o ato inaugural de retirada da lei do papel. O § 2º do artigo 56º diz: “Durante os 5 (cinco) primeiros anos, a contar do exercício subseqüente á publicação deste Estatuto, os órgãos do poder Executivo federal que desenvolvem política e programas nas áreas referidas no § 1º deste artigo discriminarão em seus orçamentos anuais a participação nos programas de ação afirmativa referidos no inciso VII do art. 4º dessa Lei.”

O artigo 56 impõe ao Estado brasileiro que faça previsão do recurso que disponibilizarão para políticas públicas, programas e projetos de ação afirmativa, em ano de definição dos PPA’s nos âmbitos federal, estaduais e municipais esse debate torna muito sensível para quem deseja avançar na promoção social da população negra. Qualquer proposta de política pública ignorada nas leis orçamentárias é pura demagogia, somente no orçamento verificamos os reais compromissos do Estado e dos governos, sem verbarrogia. Do ponto de vista legal o Estatuto da Igualdade Racial exige a observância da ação afirmativa nos orçamentos, isso é positivo. Os governos são suscetíveis a pressão e controle social, o movimento negro tem que atentar e exercer mais sua capacidade de pressão e controle.

Há poderosas forças políticas que não quer a efetivação de nenhum tipo de iniciativa que promova socialmente a população negra, é tarefa do movimento negro defender e exigir os direitos contidos no Estatuto. Para isso temos que garantir nos PPA´s e leis orçamentárias programas e projetos de interesse dos negros brasileiros, isso será possível se pressionarmos os parlamentares em nossos estados e em Brasília, enchermos a caixa de e-mail de autoridades do Executivo e estendermos a pressão e o controle às autoridades estaduais e municipais dos executivos e legislativos. Com a palavra o movimento negro.


*Historiador e Coordenador Geral da Unegro