sexta-feira, 29 de agosto de 2014

Direitos Humanos: do papel para a prática escolar

Agência Brasil
Campanha por inclusão da diversidade no PNE antes da aprovação no Congresso
Plano Nacional de Educação traz avanços, mas esperamos algo além Por Mazé Favarão*
publicado:carta na escola


As primeiras declarações dos Direitos Humanos datam do século 18 e, desde então, assistimos, em nível global, ao avanço no reconhecimento dos valores básicos para a vida e a dignidade humanas. Como, também, ao aprimoramento dos instrumentos legais para desenvolver sociedades justas, igualitárias e democráticas. No Brasil, a Constituição de 1988 é considerada um documento muito adiantado nessa questão. Ela estabelece, por exemplo, que são objetivos fundamentais da República “erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais” e “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”.

Porém, entre o que está no papel e a realidade há uma grande distância. É verdade que avançamos na consolidação do Estado democrático nos últimos 30 anos. E que hoje podemos discutir questões como os mortos e desaparecidos na época do regime militar nas Comissões da Verdade, nacional e regionais. Ao mesmo tempo, registramos mais de 50 mil homicídios por ano, números indecentes de violência doméstica, violência policial, estupros, crimes homofóbicos, racismo, ações que representam um retrocesso na busca da liberdade e respeito às diferenças individuais, grupais, de coletivos. Sem falar em cadeias superlotadas, prostituição infantil, episódios inomináveis como assassinatos de moradores de rua e uma imensa lista de horrores, conhecida dos cidadãos minimamente informados.

Então, o que está faltando para o respeito aos Direitos Humanos ser, de fato, uma realidade no Brasil? Mais uma vez, não podemos nos queixar dos esforços na área política e jurídica. Além da Constituição de 1988, há normas, leis e programas que nos fizeram andar em direção à efetivação dos direitos humanos e da educação em direitos humanos no País, como o Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos (PNEDH), a Lei Maria da Penha, os Estatutos do Idoso e o da Criança e do Adolescente, Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH), em suas três versões, o Estatuto da Igualdade Racial e, mais recentemente, o Plano Nacional de Educação (PNE), sancionado em junho deste ano pela presidenta Dilma Rousseff.

O PNE prevê 20 metas para a educação nos próximos 10 anos, entre elas a destinação de 10% do Produto Interno Bruto (PIB) para investimentos na área, a erradicação do analfabetismo, a alfabetização de todas as crianças até o final do terceiro ano do ensino fundamental, a universalização da educação infantil, de ensino fundamental e médio, a ampliação da educação em tempo integral em, no mínimo, 50% das escolas públicas, o aumento da oferta de vagas no ensino superior, a elevação da escolaridade média da população de 18 a 29 anos para 12 anos de estudo, de forma também a igualar a escolaridade média entre negros e não negros, a universalização do acesso à educação básica para a população de 4 a 17 anos com necessidades especiais, a valorização dos profissionais do setor.

O PNE estabelece, além das metas, estratégias para que se alcance tanto a universalização do ensino como um ensino de qualidade, com valorização dos educadores, bem como a definição dos meios financeiros para chegar lá. Nisso reside seu mérito e seu caráter histórico.

Mas é bom ressaltar que há alguns pontos que ficaram aquém do esperado, depois da inevitável negociação no Congresso Nacional, que é parte do processo de transformação em lei. O 2º artigo do texto base do PNE, por exemplo, foi um dos itens que geraram polêmica. A proposta inicial indicava que o ensino deveria superar as desigualdades em quatro eixos: racial, regional, de gênero e de orientação sexual. Mas foi mantida a colocação “superação das desigualdades educacionais, com ênfase na promoção da cidadania e na erradicação de todas as formas de discriminação”, que é uma forma mais abrangente.

Os grupos religiosos defenderam a retirada do termo “discriminação por orientação sexual” afirmando que, se fosse mantido, as escolas seriam invadidas por cartilhas voltadas para gays, bissexuais, transexuais, transgêneros etc. Já os movimentos sociais queriam a menção direta às formas de discriminação provocadas pela orientação sexual, origem de sérios problemas, como o bullying, no ambiente escolar, e de episódios de violência fora dele. Mas os primeiros saíram vitoriosos.

Entendemos que, no geral, o PNE mantém o foco nos direitos humanos, seguindo os preceitos do PNEDH, publicado em 2006. Este considera que a educação em direitos humanos é um processo sistemático e multidimensional, que articula várias dimensões, como o aprendizado de direitos humanos no contexto histórico, a afirmação de valores, atitudes e práticas sociais que expressem a cultura dos direitos humanos em todos os espaços da sociedade, o uso de linguagens e materiais didáticos contextualizados, entre outros.

Mas esperamos algo além. O ideal é que, mais do que acolher grupos socialmente excluídos, receber crianças e jovens com diferenças de credo, etnia, orientação sexual, se assegure nos espaços escolares condições de reconhecimento e manifestação dessas diferenças. Que as escolas, além disso, formem pessoas capazes de incorporar e disseminar o conceito dos direitos humanos. Que este esteja presente no aprendizado cotidiano, que norteie a formação dos professores e a política a ser desenvolvida e mantida nas escolas públicas e privadas – nas salas de aula e também em atividades que estimulem a colaboração, solidariedade, companheirismo e a cidadania.

É preciso fazer isso, assim como criar e inserir a disciplina ou o conteúdo de direitos humanos na grade curricular das escolas e faculdades, para formar pessoas conhecedoras de seus direitos e deveres e da importância máxima de se respeitar a dignidade humana. O PNEDH mostra esse caminho, e é nessa direção que devemos seguir.

O PNE enfatiza a busca de resultados medidos em sistemas de avaliação, o que é bom, mas não mede a educação em direitos humanos. Os indicadores desconsideram valores e comportamentos. Números avaliam mais o ensino que a educação. Quando falamos em direitos humanos, estamos falando em educação libertadora e emancipatória. Educação compreendida como um direito humano em si mesmo e um meio fundamental para o acesso a outros direitos. Educação para pôr fim à discriminação, reduzir a violência, promover o bem-estar, afirmar e desenvolver a cidadania plena e os valores democráticos.

*Mazé Favarão é líder do PT na Câmara de Vereadores de Osasco, ex-secretária de Educação, mestre em Ciências da Comunicação pela Fundação Cásper Líbero, licenciada em Português e Inglês pela USP (Universidade Estadual de São Paulo) e é também diretora licenciada da FITO (Fundação e Instituto Tecnológico de Osasco). 


O mito da igualdade

publicado: uol.com.br
por*: Jorge Ramos
18.ago.2014 - Necropsia privada realizada no corpo de Michael Brown mostrou que o jovem de 18 anos levou seis tiros, dos quais dois na cabeça

A última moda nos Estados Unidos é despejar sobre si mesmo um balde de água com gelo, desafiar publicamente outra pessoa a fazê-lo e depois enviar uma doação à fundação que luta contra a ALS, sigla em inglês para esclerose lateral amiotrófica. A campanha foi um êxito surpreendente de mídia. Artistas e celebridades aceitaram com gosto o desafio (com foto ou vídeo incluído) e a fundação arrecadou milhões de dólares.

E assim também, como um balde de água fria – inesperado e brutal – nos chegou mais um caso de racismo nos EUA. É injustificável que um jovem afro-americano de 18 anos de idade e totalmente desarmado, Michael Brown, tenha recebido seis balaços de um policial branco, Darren Wilson, em 9 de agosto passado. Nada, exceto preconceitos e uma longa história de impunidade, pode explicar essa morte e o abuso de autoridade.

Ferguson, no Estado de Missouri, é vista no mundo como o símbolo do pior que há nos EUA. Muitos americanos não veem nada de estranho em que uma cidade onde 67% dos 21 mil habitantes são afro-americanos tenha apenas três policiais negros (de um total de 53). Mas no estrangeiro sim, percebem.

O jornal espanhol "El País" fez uma cobertura extraordinária dos protestos pela morte de Brown em Ferguson e em suas reportagens e editoriais destacou o seguinte: no ano passado, 84% dos automóveis detidos eram conduzidos por afro-americanos; 92% das pessoas presas pela polícia foram da raça negra; só um dos seis membros do conselho de governo é afro-americano, assim como só um dos sete representantes do distrito escolar.

Ferguson é, portanto, uma cidade de maioria afro-americana, mas dominada por brancos. Isso ocorre em muitas partes dos EUA, apesar de que até o ano 2043, segundo o Departamento do Censo, os brancos deixarão de ser uma maioria em nível nacional.

Já neste momento o número de bebês nascidos de mães latinas, afro-americanas, asiáticas e de outras minorias é quase idêntico ao de recém-nascidos de mães brancas. Os EUA estão vivendo uma revolução demográfica que se nota primeiro nos hospitais e nas escolas e que está mudando tudo.

Mas é grave que muitos americanos resistam a aceitar essa inevitável mudança populacional e reajam com intolerância e violência. Há apenas alguns meses estávamos discutindo as estúpidas declarações racistas do dono da equipe de basquete dos Clippers de Los Angeles, Donald Sterling, que não queria convidar afro-americanos como espectadores dos jogos (apesar de a maioria de seus jogadores ser negra).

A mesma intransigência se percebe no caso de Trayvon Martin. Independentemente do veredicto judicial, a morte do jovem afro-americano desarmado de 17 anos na Flórida em 2012 – por parte de um pistoleiro branco – foi para muitos uma verdadeira injustiça e uma grave falha do sistema legal.

A Declaração de Independência dos EUA, escrita e aprovada em 1776, tem uma frase genial: "Todos os homens foram criados iguais". Mas, infelizmente, os casos de Brown e de Martin nos demonstram que isso continua sendo uma aspiração, mais que uma realidade.

Na verdade, não esperava estar escrevendo sobre racismo nos EUA no final de 2014. A eleição de Barack Obama como presidente em 2008 fez muitas pessoas acreditarem que os EUA finalmente tinham chegado a uma era pós-racial. Décadas de escravidão, seguidas de décadas de racismo e segregação, pareciam ter ficado para trás com a eleição do primeiro presidente afro-americano na história dos EUA.

Mas não há nada pós-racial nem esperançoso nas mortes de Martin e Brown. A suspeita é que se a cor de sua pele fosse outra hoje estariam vivos. E isso pode acontecer com qualquer um. O próprio presidente Obama disse que Trayvon Martin poderia ser o filho que não teve.

Afro-americanos, asiáticos e latinos sentimos com razão que neste país se pode conseguir qualquer coisa. Como imigrante, os EUA me trataram com uma generosidade assombrosa e extraordinária. Mas não podemos ocultar que há muitos lugares nos quais não somos bem-vindos. Ferguson, Missouri, é tão hostil para os afro-americanos como o condado de Maricopa, no Arizona – vigiado por Joe Arpaio – é para os imigrantes latinos e Murrieta, na Califórnia, para as crianças centro-americanas.

Não me canso de repetir: o melhor dos EUA são suas oportunidades; mas o pior são o racismo e a discriminação. Esta é sem dúvida a tarefa pendente da democracia mais poderosa do planeta. Seus melhores jovens estão morrendo por causa de preconceitos absurdos. A igualdade aqui é um mito.

Tradutor: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

JORGE RAMOS*
O jornalista Jorge Ramos é um dos mais conceituados analistas da questão hispânica nos Estados Unidos.

Jovem negra coloca foto com namorado branco no Facebook e sofre racismo

publicado:Uol-Belo horizonte

Quando M. D. M. R., uma jovem negra de 20 anos, colocou uma foto sua com o namorado no Facebook, ela não imaginava do que seria vítima. Ela foi atacada em uma enxurrada de comentários com ofensas racistas.

Em um primeiro momento, a vítima, que pediu para ser identificada apenas pelas iniciais de seu nome, mas autorizou o uso da imagem, disse ter ficado triste com a situação. Com o apoio da família e do namorado, resolveu procurar a polícia e denunciar o caso. Ela diz também ter recebido muitas mensagens de conforto. Em uma delas, um advogado de Brasília a aconselhou a procurar as autoridades. 

O caso ocorreu na cidade mineira de Muriaé (a 320 km de Belo Horizonte). Segundo a Polícia Civil de Minas Gerais, um inquérito foi aberto nesta quarta-feira (27) para investigar o caso.

Segundo a polícia, a jovem publicou a foto no dia 17 deste mês na rede social e surgiram vários comentários racistas. Ela procurou a polícia no dia último dia 26 para registrar a queixa.

Em um dos comentários feito na página da jovem na rede social, um internauta escreve: "Onde comprou essa escrava?", para em seguida pedir: "Me vende ela".

A estes seguiram outros comentários: "Parece até que estão.... na senzala"; "Seu dono?"; "um branco e uma negosa (sic)"; "Tipo assim tia eu acho que vc roubou o branco pra tirar foto (sic)".

Em entrevista ao UOL, a moça afirmou que quer que sua atitude sirva de exemplo para outras pessoas. "Achei muito triste. Na hora, fiquei surpresa com tudo o que estava acontecendo, mas depois meu namorado e minha família me deram força. Foi uma atitude corajosa minha mesmo [de ter feito a denúncia], porque muitas pessoas não têm coragem de denunciar esse tipo de crime. Acho que todo mundo deve denunciar", afirmou, pedindo também punição aos que postaram as mensagens de cunho racista.

"Eu acho que toda pessoa sofreu algum tipo de preconceito, seja qual for, tem de denunciar à polícia. Não pode ficar impune. Eu quero que seja descoberto quem foi e que paguem pelo que fizeram comigo", afirmou.

A moça afirmou ter desativado a página na rede social após a repercussão do caso, mas a reativou depois de ter feito a denúncia.

"Eu vou continuar com ela [a página no Facebook]. Em um primeiro momento, muitas pessoas ficaram me procurando, aí eu achei melhor desativar. Mas não por medo, só por conta disso mesmo", disse.
Injúria racial 

De acordo com o delegado Eduardo Freitas da Silva, o caso vai contar com apoio da Delegacia Especializada em Crimes Cibernéticos, de Belo Horizonte. Ele adiantou que já conseguiu precisar o Estado de origem da maioria dos internautas que postaram as mensagens.

"Nós fizemos uma análise preliminar e verificamos que nenhum dos autores das ofensas raciais é daqui da cidade. Grande parte é de São Paulo. Alguns são perfis falsos, mas outros são de pessoas reais, identificáveis", afirmou.

O policial disse que vai encaminhar um ofício aos administradores do Facebook solicitando a identificação dos que postaram comentários racistas na página da vítima. Segundo ele, os suspeitos serão intimados a depor por meio de carta precatória.

"Vamos contar com a ajuda da Polícia Civil de São Paulo para que essas pessoas sejam ouvidas nas delegacias mais próximas de suas residências. A injúria racial prevê de um a três anos de prisão e multa", afirmou.

Robinho pede 'punição da Europa' para racistas no caso Aranha

publicado:esporte.uol.com.br

O atacante Robinho, principal estrela do Santos, também pediu punição aos torcedores do Grêmio que xingaram e imitaram macaco para provocar o goleiro Aranha no segundo tempo da vitória santista contra os gaúchos por 2 a 0 na última quinta-feira, na Arena Grêmio, em Porto Alegre, pelas oitavas de final da Copa do Brasil.
O camisa 7, que defendeu Real Madrid, da Espanha, Manchester City, da Inglaterra, e Milan, da Itália, lembrou que os atos de racismo nos estádio de futebol também ocorrem na Europa. No entanto, Robinho ressaltou que, diferente do Brasil, os torcedores que cometem o ato de racismo são punidos no futebol europeu.

"Tudo vai de acordo com a punição, identificar os torcedores e puni-los. Se não houver punição vai continuar. A gente sabe que não vai ser a última vez. Xingar é normal, mas não de uma maneira racista. Na Europa também tem, joguei bastante tempo e também tem. Lá as punições são mais severas, se o torcedor for identificado no estádio, ele não aparece mais", afirmou Robinho.
"A questão principal é isso, punição. Tem a questão da violência. Estádio de futebol é um lugar de alegria, para levar as crianças, a família. Então, quem vem para xingar, brigar, tem que ficar de fora", completou.

Aranha foi vitima de racismo no final da partida e deixou o campo revoltado com alguns torcedores. "Chamaram-me de preto fedido, cambada de preto. Começou aquele corinho de macaco. Eu pedi para o cinegrafista filmar, mas já tinham feito. Eu fico p..., desculpe o palavrão. Dói, dói", afirmou Aranha.

O Santos isentou o Grêmio de possíveis punições, mas prometeu acionar a Justiça para punir os torcedores que protagonizaram os atos de racismo contra o goleiro. Imagens da rede de televisão ESPN deixam bem claro as ofensas com gestos e palavras contra o camisa 1, que reclamou com o árbitro Wilton Pereira Sampaio, mas não viu nada ser relatado em súmula.

quinta-feira, 28 de agosto de 2014

Pesquisa põe Brasil em topo de ranking de violência contra professores

Daniela Fernandes - Da BBC Brasil, em Paris
Tânia Rego/Agência Brasil
Saída escola no Rio de Janeiro

Uma pesquisa global feita com mais de 100 mil professores e diretores de escola do segundo ciclo do ensino fundamental e do ensino médio (alunos de 11 a 16 anos) põe o Brasil no topo de um ranking de violência em escolas.

Na enquete da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), 12,5% dos professores ouvidos no Brasil disseram ser vítimas de agressões verbais ou de intimidação de alunos pelo menos uma vez por semana.

Trata-se do índice mais alto entre os 34 países pesquisados - a média entre eles é de 3,4%. Depois do Brasil, vem a Estônia, com 11%, e a Austrália com 9,7%. Na Coreia do Sul, na Malásia e na Romênia, o índice é zero.
"A escola hoje está mais aberta à sociedade. Os alunos levam para a aula seus problemas cotidianos", disse à BBC Brasil Dirk Van Damme, chefe da divisão de inovação e medição de progressos em educação da OCDE.

O estudo internacional sobre professores, ensino e aprendizagem (Talis, na sigla em inglês), também revelou que apenas um em cada dez professores (12,6%) no Brasil acredita que a profissão é valorizada pela sociedade; a média global é de 31%.

O Brasil está entre os dez últimos da lista nesse quesito, que mede a percepção que o professor tem da valorização de sua profissão. O lanterna é a Eslováquia, com 3,9%. Em seguida, estão a França e a Suécia, onde só 4,9% dos professores acham que são devidamente apreciados pela sociedade.

Já na Malásia, quase 84% (83,8%) dos professores acham que a profissão é valorizada. Na sequência vêm Cingapura, com 67,6% e a Coréia do Sul, com 66,5%.

A pesquisa ainda indica que, apesar dos problemas, a grande maioria dos professores no mundo se diz satisfeita com o trabalho.

A conclusão da pesquisa é de que os professores gostam de seu trabalho, mas "não se sentem apoiados e reconhecidos pela instituição escolar e se veem desconsiderados pela sociedade em geral", diz a OCDE.

Segundo Van Damme, "a valorização dos professores é um elemento-chave para desenvolver os sistemas educacionais".

Ele aponta melhores salários e meios financeiros para que a escola funcione corretamente, além de oportunidades de desenvolvimento de carreira como fatores que podem levar a uma valorização concreta da categoria.

No Brasil, segundo dados do CDEs (Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social) da Presidência da República, divulgados em 2012, a remuneração média dos professores é de pouco menos de R$ 1,9 mil por mês.

A média salarial dos professores nos países da OCDE, calculada levando em conta o poder de compra em cada país, é de US$ 30 mil (cerca de R$ 68,2 mil) por ano, o equivalente a R$ 5,7 por mês, o triplo do que é pago no Brasil.

O especialista da OCDE cita a Coreia do Sul e a China como exemplos de países onde o trabalho dos professores é valorizado tanto pela sociedade quanto por políticas governamentais, o que representa, diz ele, um "elemento fundamental na melhoria da performance dos alunos".

"Em países asiáticos, os professores possuem um real autoridade pedagógica. Alunos e pais de estudantes não contestam suas decisões ou sanções", afirma.

A organização ressalta que houve avanços na educação brasileira nos últimos anos. Os investimentos no setor, de 5,9% do PIB no Brasil, estão próximos da média dos países da OCDE (6,1%), que reúne várias economias ricas.

"Entre 2000 e 2011, o nível de investimentos em educação no Brasil, em termos de percentual do PIB, quase dobraram", afirma Van Damme.

Outro indicador considerado importante pela OCDE, o percentual de jovens entre 15 e 19 anos que estudam, é de 77% no Brasil. A média da OCDE é de 84%

Escola é violenta com aluno, diz Cristovam Buarque

Renata Mendonça -BBC Brasil, em São PauloSenador Cristovam Buarque
Um dos grandes defensores da educação como instrumento de transformação do Brasil, o senador Cristovam Buarque considera que o problema da violência na rede pública de ensino do país é gerado principalmente por causa da desvalorização da escola como instituição.

Em entrevista exclusiva à BBC Brasil, Cristovam afirma que a escola no Brasil "está sem moral". "A escola desvalorizada gera violência, e a violência desmoraliza ainda mais a escola. Os jovens sabem que saindo com o curso ou sem, de tão ruim que são os cursos, não vai fazer diferença, porque o curso não agrega muito na vida dele. Os alunos não veem retorno na escola", explica.

Ministro da Educação do governo Lula entre 2003 e 2004, Cristovam Buarque chegou a se candidatar à Presidência em 2006 levantando como principal bandeira a "revolução na educação de base". Ele acredita que só ela poderia resolver de vez o problema da violência e fazer com que a escola voltasse a ser respeitada no país.

BBC Brasil - Como o senhor define o problema da violência nas escolas do Brasil? Por que ele acontece?
Cristovam Buarque - A sociedade brasileira é uma sociedade muito violenta hoje, então as pessoas se sentem no direito de agir violentamente, às vezes, até não necessariamente com agressão física, mas com palavras.

As escolas estão rodeadas de traficantes, a violência do meio influencia. O outro é o fato de que a escola não é uma instituição valorizada e, ao não ser valorizada, as crianças também entram na mesma onda da não valorização, se sentem no direito de quebrar os vidros, se sentem no direito de levar as coisas pra fora.

Aqui mesmo na UnB (Universidade de Brasília), eu vi a enciclopédia britânica sendo rasgada, porque o aluno em vez de tirar o xérox da folha que ele precisava, arrancou a página e levou. Os próprios professores são tratados como seres sem importância, que ganham salários baixos. Além disso os jovens sabem que saindo com o curso ou sem, de tão ruim que são os cursos, ele sabe que não agrega muito na vida dele. Os alunos não veem retorno da escola.

BBC Brasil - Quais as consequências da violência na escola para a educação no país?

Cristovam Buarque - A escola desvalorizada gera violência, e a violência desmoraliza ainda mais a escola. Os professores hoje estão fugindo, porque o salário é baixo e há muito desrespeito com relação à profissão deles. Quando a gente analisa o concurso para entrar na universidade, o vestibular, os últimos cursos na preferência dos vestibulandos são pedagogia e licenciatura, isso gera um clima de desvalorização.

Para entrar em medicina são 50 por vaga, para pedagogia às vezes têm mais vagas que candidatos. Isso gera desvalorização. E aí as pessoas ficam quebrando as coisas, são violentas. Cria um ciclo vicioso. A desvalorização da escola aliada à violência do país induz à violência dentro da escola.

É preciso ter disciplina na escola, mas para o professor ser agente da disciplina, ele tem que ter moral. Só que a escola hoje está sem moral. Uma das coisas básicas da disciplina é o aluno chegar na hora. Como chegar na hora se nem o professor dele chega na hora? Se o professor dele ficou dois meses de greve?

O professor se vai um dia, não vai outro. A ausência do professor no Brasil é tão grande quanto a do aluno. Eles faltam igualmente. Então está faltando moral na escola.

BBC Brasil - Quais seriam as medidas a curto prazo para conter o problema?

Cristovam Buarque - Eu não vejo como resolver isso no curto prazo, só se for atribuindo Valium (calmante) para todo aluno, se colocar Valium na merenda. Brincadeira, mas é que é difícil ver uma solução a curto prazo. Qual o caminho a médio e longo prazo? Valorizar a escola, hoje o salário médio do professor na escola é R$ 2 mil, se você pagar menos do que paga para quem vai ser engenheiro ou médico, os melhores não vêm, eles não vão querer ser professores.

Você tem que ter um salário compensador, eu calculo R$ 9.500. Só que para merecer esse salário, tem que ter um processo muito rígido de seleção do professor, para ver se a pessoa tem vocação, tem que quebrar a estabilidade plena de que o professor continue no cargo sem se aperfeiçoar, tem que ser uma estabilidade sujeita a avaliações.

Para a escola ser respeitada, o prédio tem que ser respeitado. As pessoas não saem quebrando shopping, porque é um prédio bonito, confortável. As crianças se sentem desconfortáveis na escola, por isso que elas são violentas. A verdade é que a escola é mais violenta com o aluno do que o aluno com ela. Ela obriga o aluno ficar sentado 6, 7 horas numa cadeira desconfortável, num prédio feio e mal cuidado.

Como fazer isso funcionar no Brasil a curto e médio prazo? Ir implantando isso por cidade. Leva 20 anos no país todo, mas precisa de um ou dois anos para fazer em uma cidade. E até lá, como faz? É o que estão fazendo, colocar polícia, bom diretor. A polícia tem que ficar longe da escola, mas no longo prazo. No curto prazo ela é uma necessidade, porque ela diminui a violência da sociedade que está na escola.

Além disso, é preciso identificar os alunos violentos. Um só jovem faz uma violência que desmoraliza a escola inteira. Então identificando os jovens que são agentes da violência você resolve o problema, levando ao psicólogo, tratando esse jovem.

BBC Brasil - O que o senhor acha do modelo de educação nas escolas de hoje?

Cristovam Buarque - Não dá para seduzir uma criança com métodos seculares como quadro negro, tem que ser computador, vídeo. O professor tem que ser capaz de cavalgar a tecnologia da informação, de se comunicar com a criança usando o computador. E finalmente a escola tem que ser 6h ou 7h por dia. O menino se comporta melhor na escola que ele fica o dia inteiro porque ela passa a ser um pouco da casa dele, a escola tem que ser a extensão da casa da criança.

BBC Brasil - Aprovou-se no ano passado a medida de destinar 10% do PIB pra educação. Esse dinheiro é suficiente? Então qual é o problema da educação hoje em dia (se não é dinheiro)?

Cristovam Buarque - O problema é dinheiro, mas não é só dinheiro. Se chover dinheiro no quintal da escola, a primeira chuva vira lama. Se aumentar muito o salário do professor agora, isso não vai mudar nada. Precisa de todas ações juntas, a revolução mesmo da educação. Para pagar os R$ 9 mil (para os professores), para construir as escolas novas, você precisa de 6,5% do PIB (na educação de base, sem contar investimentos nas universidades).

Esse negocio de 10% do PIB foi uma farsa. Por que não colocaram 10% da receita? Porque ao dizer que é do PIB, ninguém sabe de onde vai sair o dinheiro. O PIB não existe, ele é um conceito abstrato de estatística.

Para fazer a revolução a qual eu me refiro, nós precisamos para a educação de base R$ 441 bilhões em 20 anos, por isso que eu digo 6,4% do PIB. Se supõe que pré-sal vai dar R$ 225 bi, ele poderia ser uma fonte desse dinheiro. Eu peguei 15 fontes de onde a gente poderia conseguir esse dinheiro e com elas a gente pode chegar a R$ 750 bi. São várias [fontes], não vou citar todas aqui. Mas por exemplo, quem vai querer um imposto sobre as grandes fortunas, reduzir publicidade do governo, eliminar subsídio que se dá para educação privada, porque se a pública vai ser boa, não precisa bancar a privada, ou então voltar a CPMF (Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira), só que fazer ela ser toda destinada pra educação, pegar 50% do lucro das estatais que vão pro governo, usar rentabilidade de reservas?

Tudo isso dá o dinheiro que a gente precisa. Não precisa dos 10% do PIB. Isso não existe. Eu defendo a federalização das escolas para tornar o ensino público uma referência no Brasil. Hoje, das 196 mil escolas públicas que nós temos, pouco mais de 520 são federais e essas são boas. A seleção do professor é mais cuidadosa, as instalações são melhores o regime de trabalho é melhor. Temos que levar esse padrão para todas as outras.

Grande prêmio do cinema brasileiro consagra Faroeste Cabocl

Longa-metragem de René Sampaio levou sete estatuetas na maior premiação do cinema nacional

Publicado:Correio Brasiliense

Faroeste Caboclo venceu nas categorias: melhor filme, roteiro adaptado, trilha sonora original, som, fotografia, ator e montagem ficção
Em cerimônia no Theatro Municipal do Rio de Janeiro na noite desta terça (26/8), foram anunciados os vencedores da 13ª edição do Grande Prêmio brasileiro. E o grande vencedor tem sotaque brasiliense: Faroeste caboclo, de René Sampaio, levou para casa sete prêmios Grande Otelo, incluindo os de filme, ator (Fabrício Boliviera) e roteiro adaptado.
O diretor René Sampaio se disse “surpreso, mas nem tanto” e lembrou que o filme é “muito pessoal” e começou quando ele tinha 14 anos de idade e ouvia a música de Renato Russo nas rádios de Brasília.
Emocionado e muito aplaudido pelo público, Fabrício Boliveira recebeu o prêmio de melhor ator das mãos dos experientes cineastas Luiz Carlos Barreto, Nelson Pereira dos Santos e Cacá Diegues.

Ao agradecer pelo o prêmio de trilha sonora, Philippe Seabra, da banda Plebe Rude, lembrou a amizade com Renato Russo, compositor da música que originou o premiado roteiro do longa. “Fiquei preocupado ao ser convidado para o filme por ser amigo do Renato Russo e porque podia ser mais um caso de um aproveitador da obra de Renato, mas não era”, disse Seabra.

Mais Brasília

Renato Russo também foi lembrado na premiação quando a atriz Bianca Comporato recebeu o prêmio de atriz coadjuvante por Somos tão jovens. Ela interpreta Carmem Tereza Manfredini, irmã de Renato, a quem dedicou o prêmio.
Novidade

Uma das novidades do ano foi a inclusão da categoria melhor longa de comédia, vencido por Cine Holliúdi. O diretor Halder Gomes lembrou mestres do humor em seu agradecimento, começando por Grande Otelo passando por Renato Aragão, Chico Anysio e outros.

Confira os vencedores
Filme: Faroeste caboclo
Direção: Bruno Barreto (Flores raras)
Atriz: Glória Pires (Flores raras)
Ator: Fabrício Boliveira (Faroeste caboclo)
Ator Coadjuvante: Wagner Moura (Serra pelada)
Atriz Coadjuvante: Bianca Comporato (Somos tão jovens)
Fotografia: Gustavo Hadba (Faroeste caboclo)
Longa-metragem de ficção pelo voto popular: Cine Holliúdi, de Halder Gomes
Longa-metragem documentário pelo voto popular: Elena, de Petra Costa
Longa-metragem estrangeiro pelo voto popular: Django Livre, de Quentin Tarantino
Longa-metragem documentário: Luz do Tom, de Nelson Pereira dos Santos
Longa-metragem infantil: Meu pé de laranja lima, de Marcos Bernstein
Longa-metragem de animação: Uma história de amor e fúria, de Luiz Bolognesi
Longa estrangeiro: Django Livre, de Quentin Tarantino
Longa de comédia: Cine Holliúdi, de Halder Gomes
Som: Leandro Lima, Mirian Biderman, Ricardo Chuí e Paulo Gama (Faroeste caboclo)
Trilha sonora original: Philippe Seabra (Faroeste Caboclo)
Trilha sonora: Paulo Jobim (Luz do Tom)
Curta-metragem: Flerte, de Hsu Chien
Curta-metragem documentário: A guerra dos gibis, de Thiago Brandimarte Mendonça
Curta-metragem animação: O menino que sabia voar, de Douglas Alves Ferreira
Direção de Arte: José Joaquim Salles (Flores Raras)
Maquiagem: Siva Rama Terra(Serra Pelada)
Figurino: Marcelo Pires (Flores Raras)
Efeito Visual: Bruno Monteiro (Uma história de amor e fúria) e Robson Sartori (Serra pelada)
Montagem ficção: Márcio Hashimoto (Faroeste caboclo)
Montagem documentário: Marília Moraes e Tina Baz (Elena)
Roteiro Original: Kleber Mendonça Filho (O som ao redor)
Roteiro Adaptado: Marcos Bernstein e Victor Atherino (Faroeste caboclo)

quarta-feira, 27 de agosto de 2014

Para periferia, ocupar o espaço público significa enfraquecer a cultura do medo

Sem ajuda do poder público, moradores de bairros periféricos se mobilizam para usar a rua de forma saudável
por: Joseh Silva

Na periferia, a rua é um ambiente de acolhimento, mas também de abandono e perigo. Para muitos, a rua tem conotação de violência. "'Menino, a rua é perigosa', gritava minha mãe quando eu pretendia sair à noite”, diz Marcelo Paz, de 22 anos, morador do Jardim Campo de Fora, região do Capão Redondo, zona sul de São Paulo. Toda a violência sofrida pela periferia gerou em seus moradores um medo que cria, em diversos bairros, uma situação de cárcere social. As pessoas se privam de sua liberdade por sobrevivência.

Não se trata de uma situação de vitimização. Na favela, ao longo dos anos se construiu a ideia de que “se a pessoa está na rua à noite, é vagabundo ou está fazendo algo de errado”. A própria periferia assumiu esse discurso. Enquanto isso, quem está nas ruas em bairros onde há maior concentração de pessoas da classe média alta, como a Vila Madelena, está "se divertindo".

Há uma situação muito clara que evidencia isso. Existe um dilema criado em cima dos "pancadões" que aconteciam em ruas da periferia. O "pancadão" nada mais é que um carro, ou alguns, com som ligado em volume alto, tocando funk estilo carioca, ritmo ridicularizado por ser uma música "de favela".
Nesses lugares, quando o efetivo da Policia Militar é enviado para a dispersão dos jovens que ocupam o espaço público para se divertir, o que deveria ser feito pela Guarda Civil Metropolitana e pelo Programa de Silêncio Urbano (PSIU), bombas de gás lacrimogênio, spray de pimenta, bala de borracha, cassetete e repressão tomam conta do ambiente. É por essa forma de tratamento repressiva que a periferia tem medo de frequentar um ambiente de convivência e de uso coletivo, a rua. O que não é uma preocupação em algumas bairros de classe média.

Durante os jogos da Copa do Mundo, a Vila Madalena foi tomada por estrangeiros, que causaram muitos problemas para a região, despreparada para receber aquela quantidade de gente. Durante as confusões e quando os torcedores não queriam ir embora, houve episódios de bombas de gás, mas os policiais também dispersavam, educadamente, as pessoas com pedidos de “retirem-se, por gentileza", no megafone.

Com muita persistência, alguns coletivos, indivíduos e organizações estão conseguindo dar outro sentido para a rua. Estão ressignificando este espaço. Por conta da contínua efervescência da cultura periférica, diversos grupos que atuam com linguagens artísticas estão mostrando seu trabalho de forma aberta para todos, e em algumas casos de graça.

Desde 2009, Anderson Verdiano Agostinho, 33 anos, organiza com amigos uma roda de leitura e exibição de filmes em uma viela no Jardim Ibirapuera, zona sul de São Paulo. O coletivo Imargem, dá região do Grajaú, desenvolve trabalhos de artes visuais com um olhar voltado para o meio ambiente, por ser uma região de manancial. Em agosto, o coletivo colabora com a Virada Sustentável (confiram a programação) e a edição 2014 do Estéticas das Periferias. No dia 21 de junho deste ano foi realizado, na Cohab Adventista, centro do Capão Redondo, o Festival Percurso, com uma reunião de economia solidária e cultura.
Estes são três exemplos de que, apesar do plantio da repressão, assassinatos, ausência de políticas públicas, a periferia está colhendo bons frutos e fazendo seu trabalho de base. Sozinha.

Física é poesia!

Física é poesia! Mais do que ensinar uma disciplina, devemos mostrar para os nossos alunos por que nos apaixonamos por ela

Por Adilson J. A de Oliveira*
publicado: carta na escola

Um dos maiores desafios de ser professor é motivar os alunos para a disciplina que se leciona, em particular na área de Ciências. Como professor tive oportunidades de propor disciplinas de Física para a área de Ciências Biológicas e Humanas. Uma das minhas experiências mais interessantes foi o curso “Física para poetas”.

Trata-se de uma disciplina que existe em muitas universidades no exterior para cursos da área de Ciências Humanas. O objetivo é apresentar a Física sem formalismo matemático, destacando a parte mais bela e fascinante. A minha versão de Física para poetas é um pouco diferente. Além de utilizar o mínimo de formalismo matemático, costumo introduzir alguns elementos relacionado às artes, como a própria poesia, música, cinema e imagens de obras de arte. A escolha dos temas a serem abordados também tem alguma inspiração poética.

“O enigma do movimento”, “Memórias de um carbono”, “Admirável e fascinante pequeno mundo” e “O tempo em nossas vidas” foram algumas das aulas do curso. Na primeira foi possível falar sobre algumas das questões mais importantes da Física, como o movimento planetário, inércia e Teoria da Relatividade, de Einstein.

“Memórias de um carbono” é uma narrativa de um átomo de carbono contando a sua história, desde o seu nascimento, em uma distante estrela que morreu há bilhões de anos até o momento que esse átomo acabou de sair pela nossa respiração. Temas como Astronomia, Biologia, Evolução e Química surgiram ao longo dessa aula.
Na aula “Admirável e fascinante pequeno mundo” foi discutido o universo dos átomos, começando com as concepções gregas sobre a constituição da matéria e chegando à Física Quântica, uma descrição do mundo atômico. Gilberto Gil foi uma grande inspiração, por meio de seu álbum Quanta.
Em “O tempo em nossas vidas” é apresentado esse fascinante conceito físico que envolve não somente a Física, mas também a Biologia e até a Psicologia. Algumas músicas de Chico Buarque, Caetano Veloso, poesias de Vinicius de Moraes e Carlos Drummond de Andrade ajudaram nessa abordagem. Não faltou também Tempo Rei, de Gil.
Apresentar conceitos científicos dessa forma requer um pouco de experiência, mas principalmente a percepção de tentar correlacionar a Física (e a ciência em geral) com as Artes, uma outra forma de manifestação do conhecimento humano. Como professor sempre pensei que mais do que ensinar uma disciplina devemos mostrar para os nossos alunos por que nos apaixonamos por ela. 

terça-feira, 26 de agosto de 2014

Beyoncé exalta feminismo no VMA


Em apresentação de 16 minutos, cantora destacou falas da escritora nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie sobre igualdade de gêneros
Publicado: Revista Fórum
Beyoncé pode não ter ganho o prêmio mais importante do Video Music Awards (VMA) 2014, promovido pela MTV no último domingo (24). Mas isso não importa: o “astronauta” de “melhor vídeo” (entregue à outra cantora norte-americana, Miley Cirus) foi ofuscado por sua apresentação memorável, de cerca de 16 minutos, em que cantou diversas faixas de seu último disco, lançado este ano.

O show, superproduzido, manteve o nível das exibições de Beyoncé: espetáculo de luzes e imagens projetadas no telão, dançarinos e coreografias ensaiadas. Estes elementos, juntos, formaram um belo conjunto, que empolgou tanto a plateia presente, quanto os telespectadores. Mas, para muitos, o ponto alto foi a performance da canção Flawless, cuja letra traz a fala da escritora nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie.

“Nós ensinamos às meninas que elas não são seres sexuais do mesmo jeito que os meninos são. Ensinamos às meninas a se encolherem, para se tornarem ainda menores. Dizemos às meninas: ‘vocês podem ser ambiciosas, mas não muito bem sucedidas, senão ameaçarão os homens.’ Feminista: a pessoa que acredita na igualdade social, política e econômica entre os sexos”, afirmava a voz de Adichie. Enquanto isso, com as luzes todas apagadas, as palavras eram reproduzidas em um telão atrás de Beyoncé. O termo “feminista” ficou congelado por alguns segundos.

“A Beyoncé é um ícone da cultura pop, conhecida em todo o mundo, e admirada por milhares de pessoas de todas as idades. Quando ela se identifica como feminista e usa seu palco para explicar o que o feminismo é, ajuda a desconstruir o preconceito contra o feminismo e dá força para que outras pessoas também sintam segurança em se assumir como feministas”, aponta Jarid Arraes, feminista e blogueira da Fórum. “Ela é uma ótima inspiração para meninas, sobretudo as negras. Tudo o que fizer em prol da luta feminista, que é também uma luta dela, é válido e importante.”

Ao final da apresentação, a cantora recebeu de seu companheiro, Jay Z, e da filha, Blue Ivy, o prêmio Michael Jackson Video Vanguard, pelo conjunto e solidez de sua obra.


Inscrições para vagas do Inglês sem Fronteiras começam no dia 2 de setembro

Yara Aquino - Repórter da Agência Brasil Edição: Carolina Pimentel
A partir das 12h do dia 2 de setembro, começam as inscrições, exclusivamente na internet, para as 6.045 vagas do Programa Inglês sem Fronteiras. O prazo termina às 12h do dia 11 de setembro. Os cursos presenciais de língua inglesa serão ministrados em universidades federais credenciadas como núcleos de línguas e terão prioridade os estudantes que podem participar do Programa Ciência sem Fronteiras.

As inscrições para o Inglês sem Fronteiras vão de 2 a 11 de setembroArquivo/Agência Brasil
A inscrição será confirmada por e-mail a partir do dia 18 de setembro. As aulas começam no dia 22 de setembro. A carga horária presencial é quatro aulas de uma hora, distribuídas em pelo menos dois encontros semanais, em locais e horários definidos pela universidade credenciada. Não há cobrança de taxa de inscrição, mas o candidato classificado deverá adquirir o material didático.

Durante o período de inscrição, o candidato poderá alterar as suas opções, bem como efetuar o cancelamento. A classificação no processo seletivo será feita com base na última alteração realizada.
De acordo com edital publicado na edição de hoje do Diário Oficial da União, podem se inscrever no processo seletivo estudantes que atendam cumulativamente aos seguintes critérios: ser aluno de graduação, mestrado ou doutorado, com matrículas ativas nas universidades federais credenciadas como Núcleo de Línguas (NucLi); participantes e ativos no curso My English Online, cujas inscrições tenham sido validadas com até 48 horas de antecedência à inscrição no NucLi; e alunos que tenham concluído até 90% do total de créditos da carga horária de seu curso.

Para efeito de classificação, terão prioridade os candidatos que sejam alunos de graduação de cursos elegíveis ao Programa Ciência sem Fronteiras, que tenham concluído até 80% da carga horária total do curso, que tenham feito a prova do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) a partir de 2010 com média igual ou superior a 600 pontos, incluindo a redação. Outros critérios de prioridade são o maior índice de rendimento acadêmico e ser bolsista ou ex-bolsista do Programa Jovens Talentos para a Ciência de qualquer curso de graduação.

O Programa Inglês sem Fronteiras tem o objetivo de melhorar a proficiência dos estudantes brasileiros na língua.

O PNE e os novos desafios da educação

por: Christiano Ferreira*
publicado: gazeta do povo -

O Plano Nacional de Educação (PNE), que virou lei, coloca novos desafios às escolas, educadores e gestores escolares. Ao definir um conjunto de metas e suas respectivas estratégias com vistas à ampliação do acesso e a melhoria da qualidade em todos os níveis de ensino, o plano prevê alterações substanciais na rotina escolar e nas formas de interação entre a escola e a sociedade.

Ao estabelecer, por exemplo, a meta 2 (universalização do ensino fundamental de nove anos para a população entre 6 e 14 anos), o plano define como estratégia a promoção da relação entre a escola e movimentos culturais, visando torná-la polo de criação e difusão da cultura e da arte. Mais além, na meta 3 (universalizar o atendimento escolar para a população de 15 a 17 anos e chegar à taxa líquida de matrículas de 85% no ensino médio), uma estratégia vinculada é a garantia à fruição de bens e espaços culturais. Por fim, a meta 6 (oferecer educação integral em no mínimo 50% das escolas públicas) indica como estratégia a oferta de atividades culturais e esportivas de forma que a criança passe, no mínimo, sete horas diárias na escola durante todo o ano letivo.

Como se vê, a presença de atividades artísticas e culturais no ambiente escolar e a articulação entre entidades culturais e a escola são princípios que se apresentam transversalmente em todo o plano. Tal direcionamento, por óbvio, exigirá da comunidade ações estruturantes de revisão da rotina das escolas, do trabalho dos professores e das atividades oferecidas aos alunos.

Tornar a escola mais aberta às manifestações artísticas e dotá-la da capacidade de atrair o interesse e a dedicação do alunado para além dos conteúdos curriculares formais são princípios que deverão reger a ação dos gestores, pois obviamente não será possível segurar a criança na escola e atrair o interesse do adolescente se as velhas práticas e rotinas persistirem.

Hoje, elementos como a cultura, a arte e o esporte têm espaço nos currículos do ensino fundamental e médio, ainda que de forma incipiente e por vezes desarticulada das demais demandas apresentadas por alunos, familiares e comunidade. Em nossa visão, temas de grande relevância social, tais como drogadição, sexualidade, violência urbana e cidadania, podem ser mais bem apreendidos e discutidos pela escola se o forem em formas não tradicionais, que favoreçam a interação, o diálogo e a ludicidade. Temas e questões considerados difíceis e que não se encerram no âmbito de apenas uma disciplina ou área do conhecimento podem e devem ser tratados pela escola de forma não convencional, pois a atenção e o interesse do aluno são provocados quando o contexto ao seu redor muda. A incrível capacidade da arte e das manifestações culturais no despertar das consciências individuais e coletivas deve ser uma aliada de primeira hora na consecução das metas do PNE, pois apenas ao abrir as portas à criatividade e à reflexão a escola será capaz de sofrer as transformações de que necessita.

Em suma, consideramos que as metas e estratégias definidas no PNE indicam um caminho a ser percorrido pelas escolas no qual a arte, a cultura e o lúdico assumem protagonismo no dia a dia dos estudantes; se tal caminho será efetivamente trilhado, cabe àqueles que operam a educação no Brasil abrir os olhos para as infinitas possibilidades de ensino e aprendizagem por meio da arte e da cultura.

Christiano Ferreira é coordenador do projeto Tempo de Temperar a Arte, da Parabolé Educação e Cultura.

Professora de Apucarana liga Matemática ao cotidiano e é premiada

Docente de Apucarana é a única finalista paranaense a ganhar o Prêmio Educador Nota 10 deste ano. O conteúdo da disciplina foi associado à arquitetura
publicado: gazeta do povo

A iniciativa de aproximar a Matemática do cotidiano de meninos e meninas a partir de traços arquitetônicos rendeu o título de Educador Nota 10 à professora Marlene Garcia Alves, do Colégio Estadual Vale do Saber, em Apucarana, no Norte do estado. Ela está entre os 10 primeiros colocados — a única do Paraná, entre mais de 3,5 mil inscritos em todo o país — do prêmio promovido pela Fundação Victor Civita e continua no páreo para ganhar o posto de Educador do Ano, resultado que será conhecido em 20 de outubro.

Marlene sempre teve a iniciativa de apontar caminhos práticos para o conteúdo dado em sala de aula. Batizado de “Arquiteto por um dia”, o projeto da professora paranaense misturou conteúdos dos planos cartesianos e de Artes. Os alunos do 8.º ano do ensino fundamental foram desafiados a localizar pares ordenados em planos formados pelos eixos X e Y. Ao ligar os pontos, os estudantes se deparavam com fachadas de casas e prédios, como o da própria escola. As cores e os demais elementos que compuseram o cenário do trabalho ficaram a critério da turma.
“A minha ideia foi trazer um pouco do cotidiano para a sala de aula. Deixei que eles criassem seus desenhos também, apresentando sempre a sequência de pares. Alguns fizeram a fachada de suas casas”, conta. Segundo a professora, mesmo os alunos que não têm a Matemática como a disciplina favorita mostraram ter absorvido bem o conteúdo com o trabalho.
O importante, na avaliação de Marlene, foi também a possibilidade criada de apresentar a matéria e despertar nos estudantes vocações na área, como o desejo de seguir a profissão de arquiteto. “O professor tem de dar o pontapé inicial, precisa ser o condutor do ensino”, pontua.

Tributos
Ao longo de 22 anos de magistério, Marlene já desenvolveu outros projetos usando elementos da disciplina e externos para oferecer uma maneira diferente de aprendizado. Em uma dessas iniciativas, premiada em 2006 com o 2.º lugar do Concurso Agrinho, do Serviço Nacional da Agricultura (Senar), ela ensinou tributos a partir da criação de empresas fictícias pelos alunos. “Na Matemática, temos de tentar descontrair, trazer o que está fora para os conteúdos da sala de aula”, defende.

Entre os 20 melhores

Papelão é reaproveitado em aula de Artes e alunos entrevistam catadores
O Paraná também se destacou no Prêmio Educador Nota 10 com o trabalho da professora de Artes Marilza Ferreira da Silva, de Curitiba. Ela atua no Centro Estadual de Educação Básica para Jovens e Adultos da Cidade Industrial e ficou entre os 20 finalistas do concurso. A proposta de Marilza abordou o ensino de gravuras com o uso de materiais alternativos, como o papelão, e a importância da reciclagem para os catadores. A iniciativa recebeu o nome de “Gravura: papelogravura e a invisibilidade do catador”.

O papelão, explica Marilza, serviu para que os alunos desenvolvessem a matriz para criação das gravuras. Durante as atividades, ela trabalhou as obras do artista plástico curitibano Orlando da Silva. “Os estudantes ficaram impressionados com o que se poderia fazer com o papelão. Além do conhecimento sobre a técnica da gravura, algo pouco trabalhado em sala de aula, o projeto ajudou a abordar o trabalho dos catadores no dia a dia. Muitas vezes, eles são considerados ‘invisíveis’ pela as pessoas”, define.
A proposta saiu da sala de aula e contou ainda com entrevistas com esses trabalhadores. Marilza sustenta que não fez o projeto com a finalidade de concorrer ao prêmio, mas o fato de ter ficado entre os finalistas a estimula a criar outras ações com potencial humanizador. “Já estou trabalhando em outra proposta”, diz.

O prêmio
O Prêmio Educador Nota 10 foi criado em 1998 e já reconheceu o trabalho de mais de 180 educadores no país. A premiação é uma das mais importantes da América Latina no reconhecimento de iniciativas voltadas para alunos da educação infantil e do ensino fundamental. Entre os inscritos, os jurados selecionam 50 participantes, passam para 20 e chegam nos 10 vencedores. Cerca de R$ 2 milhões já foram entregues em prêmios.


MAIS UMA ESTRELA SE ACENDE NO CÉU: PAI FOMO

Hoje descansou um amigo, um irmão um anjo. Sentiremos falta das risadas, das danças, dos contos, das historias do Pai Fomo. Mas sabemos que para ele a tristeza era apenas uma estação para a alegria. Amanhecemos nesta estação tristeza hoje! Que amanhã o mundo acorde iluminado pela estrela que se tornou no dia de hoje. E que de uma vez por todas, com o seu exemplo de vida, possamos compreender que a vida é pra ser vivida intensamente. Depois quem sabe nos tornemos uma estrela pra iluminar o caminho de alguém. Obrigado Pai Fomo! Seus irmãos, suas irmãs...Suas Filhas, seus filhos..Unegrinos!!!!

segunda-feira, 25 de agosto de 2014

Aspiração (Agostinho Neto)*





Ainda o meu canto dolente e a minha tristeza no Congo, na Geórgia, no Amazonas Ainda o meu sonho de batuque em noites de luar ainda os meus braços ainda os meus olhos ainda os meus gritos Ainda o dorso vergastado o coração abandonado a alma entregue à fé ainda a dúvida E sobre os meus cantos os meus sonhos os meus olhos os meus gritos sobre o meu mundo isolado o tempo parado Ainda o meu espírito ainda o quissange a marimba a viola o saxofone ainda os meus ritmos de ritual orgíaco Ainda a minha vida oferecida à Vida ainda o meu desejo Ainda o meu sonho o meu grito o meu braço a sustentar o meu Querer E nas sanzalas nas casas no subúrbios das cidades para lá das linhas nos recantos escuros das casas ricas onde os negros murmuram: ainda O meu desejo transformado em força inspirando as consciências desesperadas. (Sagrada esperança)

Poesia Africana
*António Agostinho Neto (Ícolo e Bengo, 17 de Setembro de 1922Moscovo, 10 de Setembrode 1979) foi um médico angolano, formado nas Universidades de Coimbra e de Lisboa, que em 1975se tornou o primeiro presidente de Angola até 1979. Em 1975-1976 foi-lhe atribuído o "Prémio Lenine da Paz".

Conceição Evaristo: Poemas da recordação e outros movimentos*



Hoje não é nenhum absurdo nem exagero afirmar que Conceição Evaristo é a principal voz feminina da nossa literatura afro-brasileira. Por isso, devemos celebrar o lançamento de "Poemas de recordação e outros movimentos", pela editora Nandyala, em 2008, antologia poética que reúne poemas do passado e inéditos dessa mineira de Belo Horizonte, nascida em 29 de novembro de 1946.Desde os anos 1970 radicada no Rio de Janeiro, formada em Letras, Mestre em Literatura Brasileira pela PUC/RJ e Doutora em Literatura Comparada pela UFF/RJ, Evaristo teve sua estreia literária em 1990, na série Cadernos Negros, publicação anual editada pelo Grupo Quilombhoje com o intuito de lançar escritores afro-brasileiros, projeto iniciado em 1978.
A partir daí, a poeta começou a ter seus textos, que navegam entre a poesia, o conto e o romance, em diversas antologias nacionais e estrangeiras. Individualmente, publicou os seguintes romances:
"Ponciá Vicêncio" (2003 e já na segunda edição) e "Becos da Memória" (2006).
A obra de Conceição Evaristo conduz-nos a um profundo mergulho na memória que navega entre as recordações individual e coletiva, "a memória bravia lança o leme:/ Recordar é preciso". Logo somos
banhados pelas "águas-lembranças" de Evaristo que se posiciona como mulher negra e da comunidade negra em geral para transformar em poesia as suas "escrevivências". Estas são motivadas pelas lembranças familiares, formadoras do binômio vida-poesia, destacando-se a convivência com a mãe, "mulher de pôr reparo nas coisas,/ e de assuntar a vida", e que "me ensinou,/ insisto, foi ela,/ a fazer da palavra/ artifício/ arte e ofício/ do meu canto/ da minha fala", o aprendizado oral pelos provérbios, "quando se anda descalço/ cada dedo olha a estrada", e também do contato frutífero com a Tia Lia que "temperando os meus dias/ misturava o real e os sonhos/ inventando alquimias./ (...) Houve um tempo/ em que a velha/ me buscava/ e eu menina/ com os olhos/ que ela me emprestava,/ via por inteiro/ o coração da vida".
O cruel desenvolvimento das adversidades pelas quais passam as mulheres negras através dos tempos, configurando a dor e as experiências de injustiças sociais, são demonstrados no poema
"Vozes-Mulheres", no qual o sujeito lírico retoma as dores sofridas pela bisavó no passado de violenta escravidão, como ecos na memória de "lamentos/ de uma infância perdida". Relembra a
submissão sofrida pela avó ainda escrava diante da "obediência/ aos brancos-donos de tudo", recorda os ecos das dores de sua mãe "no fundo das cozinhas alheias/ debaixo de trouxas/ roupagens sujas dos brancos". Até chegar no tempo presente, na sua voz que ainda "ecoa versos perplexos/ com rimas de sangue/ e/ fome", para atingir a consciência madura de sua filha, voz que "recorre todas as nossas vozes" e que se quer livre: "Na voz de minha filha/ se fará ouvir a
ressonância/ o eco da vida-liberdade".
A condição feminina aparece com frequência em seus poemas. Em "Do fogo que em mim arde" a coisificação da mulher é combatida: "Sim, eu trago o fogo,/ o outro/ não aquele que te apraz"; conduzindo à metapoesia e à afirmação de um sujeito feminino pleno: "Sim, eu trago o fogo,/ o outro/ aquele que me faz,/ e que molda a dura pena/ de minha escrita./ É este o fogo/ o meu,/ o que me arde/ e cunha a minha face/ na letra-desenho/ do auto-retrato meu". Portanto, verifica-se a rigidez de um sujeito lírico que possui a força de dar a vida, por fim, dar movimento ao mundo e que diz: "Eu
fêmea-matriz/ Eu força-motriz/ Eu-mulher".
Ao posicionar-se como negra e ao fazer literatura com cariz afro-brasileiro, torna-se inevitável apresentar temas que não integram o cânone e são excluídos por ele, tal como a denúncia do racismo presente em nossa sociedade que a ordem estabelecida insiste em negar e persiste com a mentira de que vivemos em uma democracia racial. Os poemas de Evaristo invocam este e outros
assuntos referentes ao nosso cotidiano de cidadão negro e o poema "Meu Rosário" é um excelente exemplo por tratar da religiosidade híbrida brasileira - "Nas contas de meu rosário eu canto Mamãe
Oxum e falo/ padres-nossos, ave-marias" -, a discriminação permanente que o negro é submetido em uma cerimônia cristã - "As coroações da Senhora, em que as meninas negras,/ apesar do desejo
de coroar a Rainha,/ tinham de se contentar em ficar ao pé do altar/ lançando flores" -, escancara o subemprego dos nossos pares - "As contas do meu rosário fizeram calos/ nas minhas mãos/ pois
são contas do trabalho na terra, nas fábricas,/ nas casas, nas escolas, nas ruas, no mundo". Entretanto, permanecem os "sonhos de esperanças" e a transformação do verbo em poesia - "E neste andar de contas-pedras,/ o meu rosário se transmuta em tinta,/ me guia o dedo,/ me insinua a poesia".
Intertextualizando com Carlos Drummond de Andrade, para nós negros há sempre incontáveis "pedras no meio do caminho". Para suportar e superar "a áspera intempérie/ dos dias", necessita-se assumir "a ousada esperança/ de quem marcha cordilheiras/ triturando todas as pedras/ da primeira à derradeira", "moldando fortalezas-esperanças" para sobreviver diante de tantas desigualdades e perseguições ao nosso povo, principalmente aos jovens, vítimas constantes da violência policial e demonstrada com sutileza pelo sujeito lírico: "E pedimos/ que as balas perdidas/ percam o rumo/ e não façam do corpo nosso,/ os nossos filhos,/ o alvo". Fatos recorrentes que revoltam, o incômodo por séculos de opressão não segura mais a língua metamorfoseando a conjungação dos verbos: "E não há mais/ quem morda a nossa língua/ o nosso verbo solto/ conjugou antes/ o tempo de todas as dores". Sendo assim, o sujeito lírico atua como agente de mudança da História e propõ e o seu grito de liberdade: "E o silêncio escapou/ ferindo a ordenança/ e hoje o anverso/ da mudez é a nudez/ do nosso gritante verso/ que se quer livre".
Devemos frisar que o poeta afro-brasileiro é um partícipe ativo - e por sinal, incômodo - da presença negra na literatura brasileira, assim como possui plena consciência da necessidade de uma revisão crítica da História oficial que minimiza o passado de séculos de escravidão e a exclusão social que se perpetua para a maioria de nossos pares na contemporaneidade. Só resta ao sujeito lírico cumprir seu papel e assumir essa condição, ou seja, denunciar "o que os livros escondem,/ as palavras ditas libertam. E não há quem ponha/ um ponto final na história".
Com isso, os poemas de Conceição Evaristo possuem o predomínio temático das diversas e urgentes questões afro-brasileiras e também da mulher, todavia, sua poesia navega com desenvoltura pela metapoética, demonstrando reverência ao verbo poético, transbordando lirismo e emocionando as retinas: "Quando eu morder/ a palavra,/ por favor/ não me apressem,/ quero mascar,/ rasgar entre os dentes,/ a pele, os ossos, o tutano/ do verbo,/ para assim versejar/
o âmago das coisas".
E é assim "crivando buscas/ cavando sonhos/ aquilombando esperanças/ na escuridão da noite" e cosendo "a rede/ de nossa milenar resistência" que a poesia de Conceição Evaristo insiste na defesa inquestionável dos negros, persiste com as denúncias às condições discriminatórias sofridas por nós e amadurece em sua estrutura estético-formal. "Poemas da recordação e outros movimentos" mostram um verbo depurado de uma autêntica artífice da linguagem, marcando a sua posição destacada na construção de uma literatura afro-brasileira autônoma, para além de configurar a
inclusão do nome de Conceição Evaristo entre o que vem sendo produzido de melhor qualidade na literatura brasileira contemporânea.

*publicado no Vermelho.org.br

Luiz Fernando Vianna: Ferguson é aqui

publicado: Folha de São Paulo
RIO DE JANEIRO - Se a cada morte de um jovem negro pela polícia, no Brasil, segmentos da população saíssem às ruas tomados de revolta similar à ocorrida em Ferguson, nos EUA, viveríamos em convulsão diária.
Neste ano, foi divulgado um estudo da Universidade de São Carlos, coordenado por Jacqueline Sinhoretto. Mostra que, entre 2009 e 2011, 61% das pessoas mortas pela polícia de São Paulo eram pretas e pardas, e 77% tinham entre 15 e 29 anos. Em 79% dos casos, os responsáveis pelas mortes foram policiais brancos.
O repórter Alvaro Magalhães, do "Diário de S. Paulo", fez um levantamento com os registros da capital paulista em 2012. Deu 66% de pretos e pardos entre os mortos.
Não se deve esperar que a situação tenha melhorado desde então. Basta ver que, no Estado de São Paulo, a Polícia Militar matou 434 pessoas no primeiro semestre deste ano contra 269 do mesmo período do ano passado, aumento de 62%.
No Rio, os autos de resistência –eufemismo para esconder execuções, na maior parte dos casos– pularam de 200 no primeiro semestre de 2013 para 285 de janeiro a junho de 2014, um salto de 42,5% após cinco anos de queda das taxas. Ao longo de todo o ano de 2012, a polícia de Nova York matou 16 pessoas.
Divulgado em maio passado, o Mapa da Violência, coordenado por Julio Jacobo Waiselfisz para o governo federal, aponta que, em 2010, último ano do levantamento, 75,1% das vítimas de homicídios no país foram pretas e pardas. Em 2002, a taxa era de 62,2%.
Tentando se proteger em condomínios fechados e usando codinomes para vociferar na internet, os mais abastados acham que polícia é milícia: não precisa seguir as leis, pois sua função é matar preto pobre.
No dia em que Rio de Janeiro ou São Paulo virar uma grande Ferguson, não haverá policial suficiente para fechar a panela.

Racismo: é preciso valorizar e respeitar as diferenças

Bruna Ramos - Portal EBC
Casos de racismo, divulgados recentemente, revelam que apesar de o Brasil ser um país exaltado pelo seu multiculturalismo, muitos de seus cidadãos não abraçam essa diversidade e protagonizam atos de humilhação e preconceito. Só em 2013, a Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR) recebeu 425 denúncias de racismo, por meio da ouvidoria. Doze a mais que no ano anterior.

Entre as campanhas existentes na tentativa de dar fim a este mal está a Por uma Infância sem Racismo, lançada pela Unicef em 2010 e ainda com grande repercussão. O foco da ação é combater o racismo na sua origem e, assim, conscientizar as pessoas para uma cultura de valorização e respeito às diferenças. "Sem isso, continuaremos a negar o racismo, perpetuando dessa forma essa situação injusta e desigual. Entretanto, já observamos que há uma sensibilização para o tema. Tanto que diversas organizações, estados e municípios estão aderindo à campanha, difundindo as 10 dicas e desenvolvendo ações de enfrentamento do problema", explica Alexandre Amorim, especialista de comunicação do UNICEF.

As dez dicas às quais o profissional se refere foram elaboradas pela entidade como um manual para contribuir para uma infância sem racismo (confira nas fotos abaixo). Listar essas atitudes, garante Alexandre, foi um trabalho demorado e muito pensado. “Nós não quisemos polarizar, não queríamos criar algozes e mocinhos”, relata.

A discriminação racial que persiste no cotidiano das crianças brasileiras, se reflete nos números da desigualdade entre negros, indígenas e brancos. Um bebê indígena, por exemplo, tem o dobro de chance de morrer antes do primeiro aniversário do que uma criança branca. Na faixa etária entre 7 e 14 anos, de 1,5% das crianças que estão fora da escola, 1% delas são negras e pardas. É justamente a partir dos indicadores sociais que a campanha do Unicef busca chamar atenção para o impacto do racismo na infância e na adolescência.

Dez maneiras de contribuir para uma infância sem racismo:

1. Eduque as crianças para o respeito à diferença. Ela está nos tipos de brinquedos, nas línguas faladas, nos vários costumes entre os amigos e pessoas de diferentes culturas, raças e etnias. As diferenças enriquecem nosso conhecimento.

2. Textos, histórias, olhares, piadas e expressões podem ser estigmatizantes com outras crianças, culturas e tradições. Indigne-se e esteja alerta se isso acontecer – contextualize e sensibilize!

3. Não classifique o outro pela cor da pele; o essencial você ainda não viu;lembre-se: racismo é crime.

4. Se seu filho ou filha foi discriminado, abrace-o, apoie-o. Mostre-lhe que a diferença entre as pessoas é legal e que cada um pode usufruir de seus direitos igualmente. Toda criança tem o direito de crescer sem ser discriminada.

5. Não deixe de denunciar. Em todos os casos de discriminação, você deve buscar defesa no conselho tutelar, nas ouvidorias dos serviços públicos, na OAB e nas delegacias de proteção à infância e adolescência. A discriminação é uma violação de direitos.

6. Proporcione e estimule a convivência de crianças de diferentes raças e etnias nas brincadeiras, nas salas de aula, em casa ou em qualquer outro lugar.

7. Valorize e incentive o comportamento respeitoso e sem preconceito em relação à diversidade étnico-racial.

8. Muitas empresas estão revendo sua política de seleção e de pessoal com base na multiculturalidade e na igualdade racial. Procure saber se o local onde você trabalha participa também dessa agenda. Se não, fale disso com seus colegas e

9. Órgãos públicos de saúde e de assistência social estão trabalhando com rotinas de atendimento sem discriminação para famílias indígenas e negras. Você pode cobrar essa postura dos serviços de saúde e sociais da sua cidade. Valorize as iniciativas nesse sentido.

10. As escolas são grandes espaços de aprendizagem. Em muitas, as crianças e os adolescentes estão aprendendo sobre a história e a cultura dos povos indígenas e da população negra; e como enfrentar o racismo. Ajude a escola de seus filhos a também adotar essa postura.

Torcedor que mostrou banana a brasileiro é banido para sempre no Japão



publicado: uol.com.br
O Yokohama F-Marines anunciou neste domingo que baniu para sempre o seu torcedor que mostrou uma banana na frente do jogador brasileiro Renatinho, que defende o Kawasaki Frontale. As duas equipes se enfrentaram no sábado, e o time do brasileiro acabou perdendo a partida em que o ato aconteceu.
O torcedor, identificado pelo clube como um adolescente, fica assim proibido de entrar novamente no estádio do Yokohama pelo resto de sua vida. Em entrevista, o presidente do clube Akira Kaetsu afirmou que o gesto "é imperdoável". "Não vamos tolerar atos de discriminação", afirmou.
De acordo com a imprensa japonesa, o torcedor disse às autoridades do clube que seu gesto foi simplesmente "um ato de provocação" que "não tinha a intenção de atingir ninguém em particular".
Em entrevista ao UOL Esporte antes de saber da punição, Renatinho afirmou que esperava que algo fosse feito. "Foi complicado. Foi um pouco difícil. Eu fico triste, minha família ficou triste. Agora tem que levantar a cabeça e esperar que a punição vai ser dada", disse ele.
É a segunda vez que um episódio assim acontece no campeonato japonês. Em março, o Urawa Reds precisou jogar de portões fechados porque seus torcedores levaram a uma partida uma faixa que pedia "apenas japoneses" no elenco da equipe.

Campanha coleta assinaturas para lei que cria fundo de combate ao racismo

publicado: Agencia Brasil

A campanha pela captação de assinaturas para um projeto de lei de inciativa popular que criará o Fundo Nacional de Combate ao Racismo (FNCR) foi lançada na noite desta quinta-feira (21) em Brasília. O fundo será uma forma de financiamento de ações de combate às desigualdades raciais. Os organizadores da campanha pretendem reunir mais de 1,4 milhão de assinaturas e a ideia é apresentá-las ao Congresso Nacional em 20 de novembro, Dia da Consciência Negra.
“O racismo ainda é um dos principais problemas da sociedade brasileira. A sociedade ainda é estruturada de maneira racista e classifica as pessoas, de certa forma, pelo seu fenótipo. Por isso, é necessário ações para combater o racismo”, defendeu Mário Theodoro, coordenador da campanha. 
Os criadores do projeto querem que o fundo tenha uma receita de R$ 3 bilhões até 2030. “O dinheiro é para ser usado no fomento de ações afirmativas, para o apoio de projetos de organização do movimento negro, para promover a igualdade racial”, explica Theodoro.
Os ativistas disseram que os recursos do FNCR deverão ser geridos pela Secretaria Nacional de Promoção da Igualdade Racial (Seppir) e pela Fundação Cultural Palmares. “Nós temos uma legislação de combate ao racismo que não é ruim, mas existe uma dificuldade muito grande de implantar políticas públicas, porque os recursos são escassos”, disse o professor Nelson Inocêncio, que faz parte da campanha.
O valor que os ativistas querem que o fundo tenha como receita viria do Orçamento da União. “É a União que vai encontrar os meios de disponibilizar esses recursos”, disse Inocêncio.
A campanha para a captação de assinaturas começou em Brasília e deve se espalhar pelo país. “Esse projeto não é só para os negros, é para toda a população brasileira, para todos que querem uma sociedade igualitária. Falar em combater o racismo é falar em uma sociedade justa para todos”, defende Neide Rafaeli, professora da Secretaria de Educação do Distrito Federal.
A possibilidade da sociedade apresentar um projeto de lei à Câmara dos Deputados está prevista na Constituição Federal. Para que a proposta seja votada é preciso reunir assinaturas de pelo menos 1% dos eleitores espalhados entre, no mínimo, cinco estados e com, pelo menos, 0,3% de assinaturas dos eleitores em cada um deles. A assinatura de cada eleitor deve estar acompanhada de nome completo, endereço e número do título de eleitor, com zona e seção de votação.
Editor Fábio Massalli

sexta-feira, 22 de agosto de 2014

Haitianos em situação análoga à de escravo são resgatados em SP

publicado: blog do Sakomoto
O governo federal resgatou 14 trabalhadores haitianos que estavam em condições análogas à escravidão em uma oficina de costura na região central do município de São Paulo. A operação é a primeira envolvendo imigrantes dessa nacionalidade no Estado.

O caso é inédito. Apesar de haitianos já terem sido resgatados da escravidão no Brasil (por exemplo, 100, em Minas Gerais e 21, no Mato Grosso), nenhum caso havia sido registrado no Estado de São Paulo, nem no setor têxtil. Segundo depoimentos, os trabalhadores não estavam recebendo salários e passavam fome. A reportagem é Stefano Wrobleski, da Repórter Brasil:

Doze haitianos e dois bolivianos foram resgatados de condições análogas às de escravos em uma oficina têxtil na região central de São Paulo. O resgate ocorreu no início deste mês após fiscalização de auditores do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e uma procuradora do Ministério Público Trabalho (MPT). As vítimas trabalhavam no local há dois meses produzindo peças para a confecção As Marias, mas nunca receberam salários e passavam fome.

Segundo a fiscalização, antes de serem aliciados, os haitianos estavam sendo abrigados pela pastoral Missão Paz, mantida pela paróquia Nossa Senhora da Paz para acolher migrantes de outros países que chegam a São Paulo. Além de alojar os migrantes, a pastoral promove palestras a empresários sobre a cultura e os direitos dos estrangeiros, onde os interessados em contratar os recém-chegados preenchem fichas com informações que são usadas para verificar a situação trabalhista das empresas na Justiça e monitorar as contratações.

A estilista e dona da empresa, Mirian Prado, afirmou à Repórter Brasil que não tinha conhecimento das condições de trabalho na oficina e que só terceirizava o trabalho: “A gente estava na hora errada, no lugar errado e fazendo a coisa errada sem saber”, disse. Depois da autuação, informou que a empresa passou a fiscalizar outros fornecedores e que pretende deixar de terceirizar o serviço em breve para ter melhor controle sobre sua produção.

Vítimas cumpriam jornadas de mais de 15 horas sentadas em cadeiras de plástico inadequadas. Foto: SRTE/SP

De acordo com o padre Paolo Parise, que coordena a missão desde 2010, o interesse dos empresários pela Missão Paz diminui quando eles são informados de que os migrantes têm os mesmos direitos dos demais trabalhadores no Brasil. O padre diz que, de janeiro a julho deste ano, 587 empresas contrataram 1710 migrantes através da pastoral. O número de empresas, porém, equivale a apenas um terço do total de interessados que assistem à palestra inicial.

A dona da oficina onde as 14 vítimas de trabalho escravo foram resgatadas faz parte dos dois terços de empresários desistentes. “Em maio, ela e seu esposo vieram, participaram da palestra e, depois, sumiram sem contratar ninguém”, disse Paolo. Antes de ser aliciado, Daniel*, um dos haitianos, já tinha emprego fixo em um shopping da capital e retornava todas as semanas à pastoral para dar, voluntariamente, aulas de português aos colegas conterrâneos.

Daniel aprendera o idioma pela internet antes de vir para o Brasil e vem aprimorando seus conhecimentos desde 2012, quando chegou ao país pelo Acre. A maior parte dos seus colegas, no entanto, havia chegado fazia menos de um mês ao Brasil e o crioulo (junto com o francês, uma das línguas oficiais do país) era o único idioma que sabiam falar.

Ante a promessa de receber um salário menor, mas com benefícios como alimentação e alojamento garantidos pelo empregador, ele aceitou a oferta da dona da oficina: “O maior problema no Brasil são os custos de vida, como aluguel e outras coisas”, disse à reportagem. Daniel, então, deixou o emprego no shopping e chamou alguns colegas para quem dava aulas na Missão Paz. Para o trabalho, a dona da oficina havia dito a ele que não era necessário saber costurar: eles seriam contratados como aprendizes e teriam contato com o ofício trabalhando na confecção para As Marias. No Haiti, eles tinham ocupações diversas. Daniel era vendedor autônomo, enquanto outra das vítimas estudava para ser enfermeiro.

Condições degradantes - Na oficina, as vítimas começaram a trabalhar em junho. No local também ficavam os quartos onde os doze haitianos, um casal de bolivianos e seu filho de quatro anos dormiriam. Com colchões em mal estado no chão, mofo, infiltrações e péssimas condições de higiene, a auditora fiscal Elisabete Cristina Gallo Sasse, que participou da operação, disse à Repórter Brasil que os cômodos eram tão pequenos que “nós [a equipe] não conseguíamos nem ficar dentro deles”.

De segunda a sábado, submetidos a uma jornada que podia chegar a até 15 horas por dia, os bolivianos teriam a função de ensinar às demais vítimas a costurar. Assim, os haitianos tiveram suas carteiras de trabalho assinadas na função de “aprendiz de costureiro”. A fiscalização apurou que a maioria dos trabalhadores tinha mais do que a idade máxima, de 24 anos, para exercer a função de aprendiz e não havia qualquer instituição acompanhando o aprendizado. O artifício tinha a função de permitir o registro em carteira com salário de R$724, o mínimo brasileiro e inferior ao piso, de R$1017, da categoria dos costureiros para a região.

Fome - Apesar de baixo, o salário nunca veio. A alimentação, outra promessa inicial, era de baixa qualidade e não havia refeitório no local. Quando, quase dois meses depois do início do trabalho, as vítimas reclamaram que queriam ser pagas, receberam da dona da oficina um vale de R$100. Em contrapartida, deixaram de receber comida.

Ao chegar ao local, a fiscalização encontrou os trabalhadores almoçando pães franceses que eles mesmos haviam comprado. Os fiscais também descobriram uma cozinha de uso exclusivo da dona da oficina e em melhores condições do que a disponibilizada aos costureiros. Dentro dela, os alimentos eram escondidos no interior de um sofá. “O que mais me chocou foi ver a crueldade do ser humano de deixar trabalhadores passando fome, de ter o alimento e não fornecer, deixando-os em situação de penúria”, lamentou Elisabete.

Antes de deixar a oficina, a equipe interditou o imóvel e as máquinas de costura pelo “grave e iminente risco de incêndio”, conforme os fiscais escreveram no relatório da operação, por conta de instalações elétricas irregulares, da falta de extintores dentro do prazo de validade e da não existência de proteção das partes móveis das máquinas de costura.

A confecção As Marias foi responsabilizada pelas infrações aos direitos dos trabalhadores com base nasúmula nº 331 do Tribunal Superior do Trabalho (TST). A empresa pagou todas as verbas rescisórias e os salários atrasados dos funcionários e firmou Termo de Ajuste de Conduta (TAC) com o Ministério Público do Trabalho para fornecer cestas básicas e hospedagem às vítimas.

Já Daniel, que passara por outros empregos no Acre, Rio Grande do Sul e São Paulo antes de ser escravizado, disse pensar em voltar para seu país natal: “No Brasil tem muitos empregadores que falam para a gente [haitianos] que vão pagar uma coisa e, quando a gente chega lá, acabam pagando menos, não pagam hora extra… Muitos empresários pagam direito, mas eu tive muitos problemas”, explicou.

MTE assina protocolo contra escravidão – Em coletiva de imprensa, o superintendente regional de São Paulo do MTE, Luiz Antônio de Medeiros Neto assinou portaria que regulamenta o envio direto de ofício com informações sobre empresas flagradas com trabalho escravo no Estado de São Paulo para a Comissão Estadual para a Erradicação do Trabalho Escravo (Coetrae) e a Secretaria da Fazenda do Estado. A medida visa garantir a efetividade da lei nº 14.946/2013, que prevê a cassação do registro do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) de empresas flagradas com trabalho escravo e seu banimento do estado por dez anos.