terça-feira, 29 de junho de 2010

A vitória do Estatuto da Igualdade Racial

A vitória do Estatuto da Igualdade Racial exigiu dez anos consecutivos de luta política, contrapondo permanentemente o movimento negro com os pensamentos mais reacionários na sociedade brasileira.

Por Edson França*

 A aprovação do Estatuto da Igualdade Racial, PL de iniciativa do Senador Paulo Paim (PT/RS), inaugura um novo paradigma de enfrentamento ao racismo no Brasil, ao invés de privilegiar a criminalização da prática focando medidas na relação interpessoal, com a transformação do ato em contraversão, como a revogada Lei Afonso Arinos, ou criminalizando conforme inciso XLII do artigo 5 da Constituição Federal e seu complemento na Lei 7.716/1989 conhecida como Caó, opta-se pela promoção social dos negros brasileiros. Dessa forma, o Estatuto tende a confrontar com o principal objetivo e conseqüência do racismo; que consiste em, através de um discurso ideológico com base na naturalização da desigualdade e no ódio, hierarquizar grupos sociais étnicos e racialmente diferentes, contribuir com a legitimação do direito a concentração e fruição das riquezas socialmente produzidas nas mãos de poucos, de uma minúscula elite branca, ao tempo que produz exércitos de pobres e miseráveis.

Em palavras mais simples, o racismo, na atualidade, é um instrumento de poder, serve exclusivamente ao capitalismo, por isso qualquer medida de combate que foca o indivíduo e ignora a estrutura e as relações sociais coletivas, está fadada ao fracasso – o Brasil, com a experiência de implantação das leis antirracismo, tradicionalmente direcionada ao sujeito diretamente relacionado com a prática racista, acumulou exemplos que sustentam essa afirmação.

Trajetória e principais impasses

A vitória do Estatuto da Igualdade Racial exigiu dez anos consecutivos de luta política, contrapondo permanentemente o movimento negro com os pensamentos mais reacionários na sociedade brasileira, capitaneados pelo DEM, legítimo representante dos senhores de engenho, conforme afirmação de Claudio Lembo, ex-governador de São Paulo. Enfrentou, também, vários agentes políticos, representa ntes de uma diversidade de interesses, somados dão a dimensão da complexidade e tamanho do Brasil. O primeiro inimigo do movimento negro e do Estatuto da Igualdade Racial foi o governo FHC, teve como arma a omissão, o não enfrentamento e esvaziamento do debate político, a tergiversação e a negação de qualquer medida para promover socialmente a população negra. Resultado. Durante todo período FHC o Estatuto da Igualdade Racial ficou na geladeira, ou seja, não houve debate e trâmite do mesmo no Congresso Nacional.

Na era Lula, iniciada em 2003, abre o debate sobre a igualdade racial e o Estatuto da Igualdade Racial entra na pauta da política da nação. Imediatamente as grandes empresas de comunicação se posicionaram contra, mais que se posicionarem, o grupo Abril Cultural através da revista Veja, a Folha de São Paulo, O Estado de São Paulo, as Organizações Globo, Rede Bandeirantes e os principais órgãos regionais militaram contra a aprovaçà £o do Estatuto da Igualdade Racial, chegando ao absurdo de assediarem parlamentares, com ameaças subliminares, em caso de aprovação da Lei. Intelectuais orgânicos do conservadorismo brasileiro, capitaneados por Demétrio Magnóli, Yvonne Maggie, Peter Fry subsidiaram a reação com argumentos pautados num grotesco revisionismo histórico e numa retórica profundamente anticientífica no ponto de vista sociológico. Com apoio político da grande mídia e dos 113 intelectuais que assinaram em 30 de maio de 2006, a Carta Pública ao Congresso Nacional, conhecida como Manifesto dos Contras as Cotas e o Estatuto da Igualdade Racial, o DEM se constituiu no principal impasse ao projeto, apesar de perderem o debate, atrasaram sobremaneira a evolução e comprometeram em grande medida a qualidade do Estatuto da Igualdade Racial.

Somadas a essas dificuldades impostas pela mídia, pelo DEM e por uma minúscula parcela da intelectualidade acadê mica, que disputaram no Congresso Nacional e na sociedade, durante os dez anos de tramitação, o destino do Estatuto da Igualdade Racial, sempre com objetivo de negá-lo na totalidade ou nos pontos mais substanciais. Grupos de interesses no Congresso, por diversos motivos, também atuaram na contramão da qualidade do Estatuto da Igualdade Racial. O mais contundente e organizado foi o dos ruralistas. Liderados pelo deputado Onyx Lorenzone (DEM/RS), interceptaram pontos substantivamente importantes, como a recusa em atender pleitos para as comunidades remanescentes de quilombos. Mais de 3.500 comunidades quilombolas espalhadas em todo território nacional foram prejudicadas, saindo vitoriosa a grilagem e o latifúndio, embora o Estatuto reconheça que os quilombolas devem ter tratamento diferenciado pelo poder público.

Outros pleitos importantes foram suprimidos do texto, dentre eles cabe destacar: as cotas na educação, no mercado de trabalho, nas candidaturas partidárias e nos meios de comunicação; na saúde, rejeitou a pactuação entre os entes federativos (União, estados e municípios), de um plano de execução de saúde integral da população negra. Todo processo de inanição promovido nas versões do Estatuto da Igualdade Racial ocorre sobre enorme dificuldade de reação do movimento negro. Nos últimos anos o movimento negro não organizou pressão, não mobilizou massa social favorável ao Estatuto, por isso não assumiu a interlocução com o parlamento, seus interesses foram defendidos pelo governo, através da Secretaria Nacional de Promoção da Igualdade Racial – SEPPIR, a despeito de todo esforço, na reta final, houve descompasso entre a sociedade civil e governo nas avaliações do mérito do Estatuto. As supressões somadas, especialmente as cotas e as medidas voltadas aos quilombolas, enfraqueceram o Estatuto da Igualdade Racial e criaram impasses no interior do movimento negro, com a quebra da unidade de sua defesa. Há setores resistindo a formulação resultante, por considerar inócuo em direitos objetivos o Estatuto aprovado. Com certeza o Estatuto receberá emendas a partir da próxima legislatura.

Verdadeira qualidade do Estatuto aprovado

O primeiro mérito do Estatuto da Igualdade Racial é derrotar definitivamente o mito da democracia racial entranhado nas instituições públicas brasileiras e iniciar sua construção na prática. Através dele, o Estado reconhece que a desigualdade social pesa negativamente sobre a população negra, reconhece que o racismo é um elemento construtor de desigualdade e reconhece a necessidade de implantar políticas públicas para superar as desigualdades sociais, educacionais e econômicas no seio do povo brasileiro. Num país que sempre negou suas imperfeições, se recusou a mudar, naturalizou o fosso social que separa pobres e ricos, negros e brancos, uma lei que estabelece resgate de di reitos demonstra grande evolução civilizatória.

Embora o Estatuto aprovado não seja o estatuto dos sonhos e das necessidades do movimento negro, da população negra e do Brasil, ele se constitui numa Carta positiva para o combate ao racismo e para a promoção social da população negra. Ajuda a colocar o Brasil na dianteira entre os países que têm enfrentado desigualdades ou conflitos raciais e aumenta a responsabilidade do povo brasileiro, por se tratar de uma lei discutida com a nação e aprovada à luz do dia, com o máximo de transparência. O Estatuto da Igualdade Racial precisa ser mais bem compreendido, sua correta interpretação tem que ser assumida como uma questão de alta relevância para o movimento negro, o discurso da inocuidade serve aqueles que não desejam e nunca desejaram uma lei nessa magnitude.

Mesmo com as omissões imposta pelo DEM, há indicações que o eleva entre as principais leis sociais brasileiras. Define e ob riga a implantação de ações afirmativas na educação. Com isso, supera a Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental - ADPF contra as cotas, que tramita no Supremo Tribunal Federal – STF, sob a provocação do DEM. Abre condições para Executivo implantá-la através de decretos, portarias ou instruções normativas, de modo que, após a sanção do Estatuto da Igualdade Racial, a implantação de cotas na educação depende de um ato administrativo da autoridade competente. Assim, o Estatuto atende a principal reivindicação do movimento negro brasileiro, sua integral implantação e abre as janelas para alcançarmos efetiva democracia racial, considerando que o Estatuto da Igualdade Racial não é um barco a deriva, o Brasil é terra fértil em iniciativas para promoção da igualdade racial, terreno onde o Estatuto se somará e assentará.

Principais medidas previstas pelo Estatuto da Igualdade Racial


Além de reiterar medidas reconhecidas legalmente, como a posse definitiva das terras quilombolas e o ensino da história da África e da cultura afrobrasileira, o Estatuto prevê:
  • Obriga adoção de ações afirmativas na educação (art. 15);
  • Cria estímulos para ação socioeducativa realizada por entidade do movimento negro (inciso II do art. 10 e parágrafo 3 do art. 11);
  • O poder público promoverá ações que assegurem igualdade de oportunidade no mercado de trabalho e estimulará por meio de incentivos medidas iguais pelo setor privado (art. 39 e parágrafo 3 do mesmo artigo);
  • Prevê acesso nos meios de comunicação para divulgar as religiões de matriz africanas (inciso VII do art. 24);
  • Prevê ampliação do acesso a financiamento para comunidades negras rurais (art. 28);
  • Em políticas agrícolas, prevê tratamento especial e diferenciado aos quilombolas (art. 33);
  • Determina que os agentes financeiros públicos ou privados promovam ações para viabilizar acesso dos negros a financiamentos habitacionais (art. 37);
  • Exige a presença de negros nos programas televisivos e cinematográficos – embora não estabeleça percentual (art.44);
  • O poder público incluirá cláusula de participação de negros nos contratos de realização dos filmes ou qualquer peça publicitária (art.46);
  • • Cria o Sistema Nacional de Promoção da Igualdade Racial – SINAPIR (todo o título III do Estatuto);
  • A capoeira passa a ser considerada desporto, obrigando o governo destinar recursos para a prática (art. 20 e art. 22);
  • Libera assistência religiosa nos hospitais aos seguidores dos cultos de matriz africana. (art. 25);
  • Prevê o financiamento das iniciativas de promoção da igualdade racial (art. 56 e art. 57)
 *Edson França Coordenador Geral da UNEGRO

quinta-feira, 24 de junho de 2010

Um passo além da proposta


*Por: Alexandro Reis - 18/6/2010
  A aprovação do Estatuto da Igualdade Racial no cair da noite do dia 16 de junho de 2010, no Senado Federal, estabelece um novo marco institucional e político na vida nacional, e encerra uma etapa da luta pela promoção da igualdade racial na quadra legislativa. Ganhou-se o primeiro jogo, mas o campeonato continua.
Segmentos retrógrados da mídia e a correlação de forças desfavorável no Congresso Nacional foram os principais e decisivos adversários da primeira à última hora. Enfrentou-se também a posição tímida de alguns parceiros e a visão mais cautelosa de setores importantes do movimento negro. Entre a timidez e a cautela, preferiu-se fazer o gol e vencer a partida na casa dos adversários. Os reticentes poderão reclamar que não foi um golaço, mas que valeu, valeu e foi um tento histórico.

Mas a preocupação não é com os reticentes. Eles fazem parte do processo. Suas razões são respeitáveis, e os esforços para conquistá-los continuam válidos e são fundamentais. A atenção redobrada, no momento, deve ser direcionada ao velho e sórdido estratagema racista: a vítima é convencida do fracasso mesmo antes de lutar.

A estratégia é simples e conhecida: perdida a batalha no Congresso é preciso convencer a opinião pública de que os resultados são nulos, de maneira a desmobilizar a sociedade e manter o acordo apenas no papel, sem nenhuma efetivação.

Por este motivo se apressaram em ressaltar o que não está no Estatuto e negar as conquistas; desqualificam a ação afirmativa, o gênero, e exaltam as cotas, a espécie; supervalorizam a parte e põem na lata do lixo o todo; evocam o movimento negro hoje, mas o desrespeitavam até ontem. Não é difícil entender a radical mudança. Imaginar o povo se apropriando do instrumento, a exigir efetividade das ações, deve causar arrepios e tremenda dor de cabeça em muitas senhoras e senhores bem situados.

O Estatuto é um documento perigoso. Ele amplia o poder do povo, e isso não é bom para o status quo. Por que os bem situados haveriam de informar que a política nacional de saúde integral da população negra agora está garantida em lei? Qual o interesse que eles teriam em dizer que agora o Poder Público é legalmente obrigado a adotar ações afirmativas na área da educação? Por que eles divulgariam que agora o Estado, além de reconhecer e titular as terras, tem que promover políticas públicas de garantia da melhoria da qualidade de vida das comunidades quilombolas? E o que dizer das Religiões de Matriz Africana e da capoeira tão perseguidas no passado, agora com direitos reconhecidos?

O diploma legal que deverá ser sancionado pelo presidente Lula é resultado da luta histórica do movimento negro brasileiro, da competência, compromisso e habilidade política do Senador da República, Paulo Paim, da posição decidida do governo federal, com destaque para o papel desempenhado pela SEPPIR, e da solidariedade e participação efetiva de muitos parceiros e aliados.

Agora é a hora de recuperar energias e construir novos passos, tarefa que exige o fortalecimento político e institucional da SEPPIR, ampliação de quadros e aliados no parlamento e em variados setores da sociedade, bem como a reconstrução da unidade estratégica e avançada do movimento negro.

O Brasil já produziu leis para inglês ver, aboliu a escravidão e proclamou a República sem mexer com os poderosos interesses, e agora se depara com o desafio de promover a igualdade e alterar as estruturas sociais, políticas e econômicas. O Estatuto dialoga com esta realidade, não está preso em nenhuma grade ideológica, e nem se presta ao imobilismo dos conformados.

O Estatuto é a carta possível tirada da quadra legislativa, mas é principalmente o instrumento político que deve ser intensamente utilizado para promover as mudanças sociais e econômicas para que o Brasil se orgulhe verdadeiramente de ser uma democracia racial.
*Alexandro Reis
Secretario de Políticas para Comunidades Tradicionais - Subcom
da Seppir

sexta-feira, 18 de junho de 2010

A UNEGRO E O ESTATUTO POSSÍVEL.




Certamente que o Estatuto da Igualdade Racial, que acaba de ser aprovado no Senado não é aquele desejado por todos nós que fazemos a luta contra o racismo e por reparação da dívida histórica que o Estado tem para com a população negra. Há meses a UNEGRO lançou um documento defendendo o PL que saiu da Câmara dos Deputados e que bastava ser referendado pelo senado. Entretanto, o reacionário Senador Demóstenes Torres, do DEM, relator do projeto, encaminhou emendas supressivas e modificativas que comprometeram pontos relevantes do Estatuto, a exemplo da supressão de parte dos artigos relacionados à Saúde da população negra, às cotas na Universidade e o incentivo para empresas que contratarem negros para seus quadros de funcionários.
Em reunião no dia 8 de junho em Brasília quando houve a discussão sobre a possibilidade real de aprovação do Estatuto pela CCJ, a UNEGRO foi a primeira entidade a se posicionar contrária à incorporação das emendas de Demóstenes. Chegamos a levantar a hipótese de deixar para a próxima legislatura, acreditando que uma nova correlação de forças políticas poderia emergir das urnas e garantir avanços maiores.  Prevaleceu, entretanto, a decisão da SEPPIR, do Senador e autor do projeto, o combativo Paulo Paim, e a posição de algumas entidades do movimento negro de não se perder a oportunidade de garantir a aprovação, já que há dez anos o Estatuto tramita na Câmara dos Deputados e depois no Senado sem encontrar as condições ideais de garantia da sua aprovação.
Há que se reconhecer que o movimento negro brasileiro vem realizando lutas históricas e provocando mudanças efetivas na sociedade, ainda que sejam lentas. Nos últimos trinta anos foi derrubado o mito da democracia racial e revelada a face do racismo que desiguala o povo brasileiro. Conquistamos no campo jurídico a criminalização constitucional do racismo, o reconhecimento dos direito dos remanescentes de comunidades quilombolas a posse da terra, a criação de estruturas de gestão de políticas de promoção da Igualdade racial, a exemplo do surgimento da Fundação Cultural Palmares, do Ministério de Promoção da Igualdade Racial- SEPPIR e de diversas secretarias e coordenações estaduais e municipais, além da instituição de frentes de parlamentares em defesa da igualdade racial em muitas casas legislativas dos estados e das cidades, credenciando o movimento negro como um dos mais férteis em crescimento e conquistas. 
Por mais que reconheça as limitações existentes, a UNEGRO não cairá na armadilha que alguns não resistiram, de negar o Estatuto na sua inteireza. É fato que ele assegura conquistas importantes para as religiões de matriz africana, para as manifestações culturais, a exemplo da capoeira, reconhece em seu artigo 17 que o poder público deve adotar políticas de ação afirmativa no ensino superior e na educação profissionalizante, embora não tenha estabelecido percentuais de cotas, entre outros avanços que não estão presentes em nenhuma outra legislação. Além do mais o Estatuto representa a edificação de um novo ramo do Direito, o Direito Étnico, já existente em legislações comparadas, como na Índia, nos EUA, na África do Sul e outros países que vivenciaram experiências segregacionistas e que precisam criar mecanismos de superação das iniqüidades que atingem grupos historicamente discriminados.
Neste sentido, o Estatuto consolida uma nova ordem legal, após 122 anos desde a abolição formal da escravatura, cujos propósitos atualizadores encontram amparo na Constituição, na Declaração e no Plano de Ação de Durban.
A luta continuará agora ainda mais fortalecida no sentido de conquistarmos mais legislações que reconheçam e promovam os direitos da população negra, a exemplo do PL 73/99, que institui as cotas para negros e pobres na universidade e que tramita no congresso nacional e a grande batalha em defesa do Decreto 4887/03, que assegura o direito às terras da comunidade quilombolas. É preciso lutar por programas de diversidade no mercado de trabalho e por um projeto de Desenvolvimento e distribuição de renda que alcance efetivamente os afrobrasileiros.

REBELE-SE CONTRA O RACISMO!

COORDENAÇÃO NACIONAL DA UNEGRO

terça-feira, 15 de junho de 2010

Adeus à hora da largada


*por Agostinho Neto

Minha Mãe
 (todas as mães negras
 cujos filhos partiram)
tu me ensinaste a esperar
como esperaste nas horas difíceis

Mas a vida
matou em mim essa mística esperança

Eu já não espero
sou aquele por quem se espera

Sou eu minha Mãe
a esperança somos nós
os teus filhos
partidos para uma fé que alimenta a vida

Hoje
somos as crianças nuas das sanzalas do mato
os garotos sem escola a jogar a bola de trapos
nos areais ao meio-dia
somos nós mesmos
os contratados a queimar vidas nos cafezais
os homens negros ignorantes
que devem respeitar o homem branco
e temer o rico
somos os teus filhos
dos bairros de pretos
além aonde não chega a luz elétrica
os homens bêbedos a cair
abandonados ao ritmo dum batuque de morte
teus filhos
com fome
com sede
com vergonha de te chamarmos Mãe
com medo de atravessar as ruas
com medo dos homens
nós mesmos

Amanhã
entoaremos hinos à liberdade
quando comemorarmos
a data da abolição desta escravatura

Nós vamos em busca de luz
os teus filhos Mãe
 (todas as mães negras
 cujos filhos partiram)
Vão em busca de vida.

  (Sagrada esperança)
*António Agostinho Neto  foi um medico angolano, formado na Universidade de Coimbra, que em 1975 se tornou o primeiro presidente de Angola até 1979.
Fez parte da geração de estudantes africanos que viria a desempenhar um papel decisivo na independência dos seus países naquela que ficou designada como a Guerra Colonial Portuguesa ou Guerra do Ultramar como também é conhecida.

sexta-feira, 11 de junho de 2010

UNEGRO PELO FIM DO BLOQUEIO GENOCIDA DE ISRAEL A GAZA

       Hoje faz 11 dias que Israel atacou e matou 9 ativistas internacionais que levavam ajuda humanitária a Gaza, além de ferir dezenas, alguns gravemente. Repudiamos este ato covarde e assassino do Estado de Israel e exigimos o levantamento incondicional do bloqueio a Gaza, na Palestina, que já dura três anos e que ameaça provocar uma verdadeira tragédia humanitária. 
      Gaza, estreita faixa de terra ao sul da Palestina, fronteiriça ao Egito, está totalmente bloqueada por Israel desde 2007. Com isso, os mais de 1,5 milhão de habitanbtes de Gaza – maior concentração populacional do mundo – não têm alimentos, água potável, medicamentos, outros insumos essenciais e não podem sair ou entrar do território, mesmo que para tratamento de saúde. A ONU e dezenas de entidades globais de assistência humanitária já alertaram que, a persistir o bloqueio ilegal e criminoso de Gaza, uma tragédia humana de grandes dimensões está anunciada. 
      A situação se agravou dramaticamente a partir do final de 2008 e janeiro de 2009, quando Israel atacou indiscriminadamente o território, matando perto de 1500 pessoas, quase todas civis, dentre elas centenas de crianças, feriu ou mutilou outras dezenas de milhares, muitas gravemente, e destruiu praticamente toda a infra-estrutura de Gaza. Todos os hospitais e escolas foram total ou parcialmente destruídos, além de ter sido destruído ou seriamente danificado todo o sistema de água e esgoto que abastecia a população. Tão grave quanto foram os danos causados às residências. Segundo dados da ONU, perto de metade das residências foram destruídas ou seriamente danificadas, a ponto de impedir que seus residentes as habitem. 
      Como Israel não permite, também, a entrada de cimento e outros insumos destinados à construção civil, mais da metade da população de Gaza mora nos escombros ou em tendas improvisadas, aumentando o drama da popualação civil. 
      Os palestinos e a comunidade internacional, que exigem o levantamento incondicional do bloqueio, já falam em uma tragédia humana sem precedentes em Gaza, a primeira na história humana anunciada e provocada pelo bloqueio ilegal de um estado (Israel) a um povo inteiro. Como exemplo, citam-se a destruição quase que total da economia palestina, com perto de 70% da força de trabalho desempregada ou subempregada e ao redor de 15%, podendo chegar a 20%, o contingente de crianças cronicamente desnutridas devido à falta de comida e água potável. Destas, de acordo com recente informe da ONU, a maioria chegará à idade adulta com sequelas irreversíveis. 
      Israel, que até hoje não cumpriu nenhuma das quase duas centenas de resoluções da ONU relativas à questão palestiva, já foi condenada tanto pelo Conselho de Segurança quanto pela Assembléia Geral do mesmo organismo devido ao bloqueio. Na última semana, após o ataque ao combio humanitário e o assassinato de 9 de seus ativistas, Israel sofreu nova derrota na ONU, que além de condenar o ataque, determinou que o Estado Judeu levante incondicionalmente o bloqueio, o que até agora não fez. 
      O Comitê Árabe-Brasileiro de Solidariedade acredita que somente com a pressão da comunidade internacional, tanto de parte dos governos quantos dos povos, será capaz de fazer Israel retroceder de sua atual política de destruição do processo de paz na Palestina e, assim, de concretizar-se a criação de um Estado Palestino viável economica e territorialmente. Somente a pressão internacional pode parar a sanha assassina de Israel, que vem promovendo, seja pela morte lenta, seja pela violenta, uma verdadeira LIMPEZA ÉTNICA EM TODA A PALESTINA. 
COMITÊ  ÁRABE-BRASILEIRO DE SOLIDARIEDADE (Instituto Brasileiro de Estudos Islâmicos-IBEI, Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos e Luta pela Paz - CEBRAPAZ-PR, Federação Árabe Palestina do Brasil-FEPAL, União de Negros e Negras pela Igualdade-UNEGRO, Coordenação dos Movimentos Sociais-CMS, Comissão Pastoral da Terra-CPT, Sociedade Árabe Brasileira Beneficente-SABB, Centro de Pesquisa e Apoio aos Trabalhadores-CEPAT, Mesquita Imam Ali ibn Abi Tálib, União Brasileira de Mulheres-UBM, Instituto Reage Brasil, Associação Cultural Sírio Brasileira do Paraná, Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil-CTB, Federação dos Trabalhadores nas Indústrias do Paraná-FETIEP, Associação de Moradores de São José dos Pinhais, Jornal Água Verde, PcdoB, PSOL, Articulação de Esquerda-PT, PCB, Central Única dos Trabalhadores – CUT, Instituto de Pesquisa Afro-Brasileira – IBAF, Movimento PelaTerceira República Espanhola – MTRE, Partido BASS, Sindicato dos Trabalhadores dos Correios e Telecomunicações, APP – Sindicato, APP – Sindicato Núcleo Curitiba Sul). 
Venha para esta luta. Contate pelo e-mail urgentepalestina@googlegroups.com.

quarta-feira, 9 de junho de 2010

Projeto que cria Estatuto da Igualdade Racial tramita há sete anos

O Projeto de Lei do Senado que cria o Estatuto da Igualdade Racial Senado (PLS 213/03), de autoria do senador Paulo Paim (PT-RS), tramita no Congresso há sete anos. Foi aprovado primeiramente no Senado e depois na Câmara, sob a forma de substitutivo, com várias alterações ao projeto original.
O substitutivo da Câmara ao PLS 213/03 define como desigualdade racial todas as situações injustificadas de diferenciação de acesso e fruição de bens, serviços e oportunidades, nas esferas pública e privada, em virtude de raça, cor, descendência, origem nacional ou étnica. Define como população negra o conjunto de pessoas que se autodeclaram negras e pardas, conforme o quesito cor ou raça usado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Entre outras medidas, o substitutivo trata de políticas públicas e programas especiais adotados pela iniciativa privada e o Estado para a correção das desigualdades raciais e a promoção da igualdade de oportunidades. Prevê ainda acesso universal e igualitário ao sistema Único de Saúde (SUS) para promoção, proteção e recuperação da saúde da população negra, que deverá ficar a cargo de instituições públicas federais, estaduais, distrital e municipais da administração direta e indireta. O objetivo é garantir tratamento e especialização em doenças mais comuns na raça negra, como a anemia falciforme.
Foi mantida no texto a exigência de cotas em partidos políticos para representantes de comunidades negras. De acordo com o substitutivo, coligações e partidos políticos devem ter, no mínimo, 10% de representantes negros em suas campanhas para eleições de deputados federais, estaduais e vereadores. Hoje, só há reserva para mulheres.
A proposição determina também que seja obrigatória a disciplina que trate da história geral da África e da população negra no Brasil nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio públicos e privados.
Veja os principais ponto do projeto:

Desigualdade racial: o projeto define como desigualdade racial todas as situações injustificadas de diferenciação de acesso e fruição de bens, serviços e oportunidades, nas esferas pública e privada, em virtude de raça, cor, descendência, origem nacional ou étnica.
Discriminação: A proposta acrescenta à Lei 7.716/89, sobre discriminação racial, o crime de expor, na internet ou em qualquer rede pública de computadores, informações ou mensagens que induzam ou incitem a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. A pena prevista é reclusão de um a três anos e multa.
Saúde: o substitutivo da Câmara prevê acesso universal e igualitário ao sistema Único de Saúde (SUS) para promoção, proteção e recuperação da saúde da população negra, que deverá ficar a cargo de instituições públicas federais, estaduais, municipais e do Distrito Federal. O objetivo é garantir tratamento adequado em doenças mais comuns na raça negra, como a anemia falciforme;
Partidos políticos: A Câmara manteve no texto a exigência de cotas para negros em partidos políticos. De acordo com o substitutivo, coligações e partidos políticos devem ter, no mínimo, 10% de representantes negros em suas campanhas para eleições de deputados federais, estaduais e vereadores. Hoje, só há reserva para mulheres.
Educação: a proposição determina também que seja obrigatória a disciplina que trate da história geral da África e da população negra no Brasil nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio públicos e privados.
Empregos: o Poder Público poderá oferecer incentivos a empresas com mais de 20 empregados que contratarem pelo menos 20% de negros.
Liberdade religiosa: A proposta assegura o livre exercício dos cultos religiosos de origem africana, prevendo inclusive assistência religiosa aos seus seguidores em hospitais e também denúncia ao Ministério Público para abertura de ação penal em face de atitudes e práticas de intolerância religiosa.
Moradia: Os programas de moradia do governo federal deverão assegurar tratamento equitativo à população negra, assim como os bancos públicos e privados que atuam em financiamento habitacional.
Helena Daltro Pontual / Agência Senado

domingo, 6 de junho de 2010

O Homem Medíocre (1913)



José Ingenieros (1877-1925)
Capítulo VII – A MEDIOCRACIA
I. O clima da mediocracia. — II. a pátria. — III. a política das piaras. — IV. os arquetipos da mediocracia.— V. a aristocracia do mérito.

I — O clima da mediocridade

Em raros momentos, a paixão caldeia a história, e se exaltam os idealismos; quando as nações se constituem, e quando elas se renovam. Antes, é secreta ânsia de liberdade, luta pela independência; mais tarde, crise de consolidação institucional a seguir e, depois, veemência de expansão, ou pujança de energias. Os gênios pronunciam palavras definitivas; os estadistas plasmam os seus planos visionários; os heróis põem o seu coração na balança do destino.
É, porém, fatal que os povos tenham longas inter-cadências de cevadura. A história não conhece um único caso em que altos ideais trabalhem com ritmo contínuo, para a evolução de uma raça. Há horas de palingenesia, e as há tembém de apatia, como há vigílias e sonhos, dias e noites, primaveras e outonas, em cujo altenar-se infinito está dividida a continuidade do tempo.
Em certos períodos, a nação adormece dentro do pais. O organismo vegeta; o espírito se amodorra. Os apetites acossam os ideais, tornando-os dominadores e agressivos. Não há astros no horizonte, nem auriflamas nos campanários. Não se percebe clamor algum do povo; não ressoa o éco de grandes vozes animadoras. Todos os apinham em torno dos mantos oficiais, para conseguir, alguma migalha da merenda. É o clima da mediocridade.
Os Estados tornam-se mediocracias que os filósofos inexpressivos prefeririam denominar "mesocracias".
O culto da verdade entra na penumbra, bem como o afã de admiração, a fé em crenças firmes, a exaltação de ideais, o desinteresse, a abnegação — tudo o que está no caminho da virtude e da dignidade.
Todos os espíritos se temperam pelo mesmo diapasão utilitário. Fala-se por meio de rifões, como Panzo discorria; crê-se como Gil Blas ensinou. Tudo o que è vulgar, encontra fervorosos adeptos, entre os que representam os interesses militares; os seus mais altos porta-vozes são escravos do seu clima. São atores aos quais foi proibido improvisar: de outra forma, romperiam o molde a que se ajustam as outras peças do mosaico.
Platão, sem querer, dizendo da democracia: "é o pior dos bons governos, mas é o melhor entre os maus", definiu a mediocracia. Transcorram séculos; a sentença conserva a sua verdade.
Na primeira década do século XX, acentuou-se a decadência moral das classes governantes. Em cada comarca, uma facção de parasitas detém as engrenagens do mecanismo oficial, excluindo do seu seio todos quantos recusam altivamente a própria cumplicidade em seus empreendimentos. Aqui são castas adventícias, ali sindicatos industriais, acolá facções de palavreiros. São gave-las, e se intitulam partidos. Intentam disfarçar com os ideais o seu monopólio do Estado. São bandoleiros que procuram a encruzilhada mais impune, para espoliar a sociedade. 
Em todos os tempos e sob todos os regimes, houve políticos sem vergonha; mas estes nunca encontram melhor clima, do que nas burguezias ideais. Onde todos podem falar, os ilustrados se calam; os enriquecidos preferem ouvir os mais vis imbuidores.
Quando o ignorante se julga igualado ao estudioso, o velhaco ao apóstolo, o falador ao eloqüente e o mau ao digno, a escala do mérito desaparece numa vergonhosa nivelação de vilania. A mediocridade é isso: os que nada sabem, julgam dizer o que pensam, embora cada um só consiga repetir dogmas, ou auspiciar voracidades.
Essa chatice moral é mais grave do que a aclimação a uma tirania; ninguém pode voar onde todos rastejam. Convenciona-se denominar urbanidade à hipocrisia, distinção à efeminação, cultura à timidez, tolerância à cumplicidade; a mentira proporciona estas denominações equívocas. E os que assim mentem, são inimigos de si próprios e da pátria, deshonrando, nela, seus pais e seus filhos, e carcomendo a dignidade comum.
Nesses parênteses de cevadura, as mediocracias se aventuram por sendas ignóbeis. A obsessão de acumular tesouros materiais, ou o torpe afã de desfrutá-los com folgança, apaga do espírito coletivo todo vestígio do sonho. Os países deixam de ser pátria. Qualquer ideal parece suspeito. Os filósofos, os sabios e os artistas são demais; o peso da atmosiera estorva as suas azas e deixam de voar. A sua presença mortifica os traficantes, todos os que trabalham por lucro, os escravos da economia ou da avareza. As coisas do espírito são desprezadas; não sendo propício o clima, seus cultores sao poucos, nao dentro do país, que mata, a fogo lento, os seus ideais, sem precisar desterrá-los. Cada homem fica preso entre mil sombras que o rodeiam, e o paralisam.
Sempre há medíocres; estes são perenes. O que varia, é o seu prestígio e a sua influência. Nas épocas de exaltação renovadora, eles se mostram humildes, são tolerados; ninguém os nota, não ousam meter-se em coisa alguma. Quando se enfraquecem os ideais, e se substitue o quantitativo peio quantitativo, começa-se a contar com eles. Apercebem então, o seu numero, reúnem-se em grupos, arrebanham-se em partidos. A sua infiuéncia cresce, à medida que o clima se tempera; e o sábio é igualado ao analfabeto, o rebelde ao lacaio, o poeta ao presu-mista. A mediocridade se condensa, converte-se em sistema, torna-se incontrastável.
Enaltecem-se os ganhões, pois que não florescem os gênios; as criações e as proiecias sao impossíveis, se náo estão na alma da época.
A aspiração ao melhor náo é privilégio de todas as gerações. Depois de uma que realizou um grande estorço, arrastaua e comovida por um gênio, a seguinte descansa, e se dedica a viver de glorias passadas, comemo rando-as sem fé; as facções disputam as rédeas administrativas, competindo no manuseio de todos os sonhos. À mingua ciestes é disfarçada com um excesso de pompas e ae palavras; cala-se qualquer protesto, oferecendo participação nos festins; prociamam-se as melhores intenções, e se praticam baixezas abomináveis; mente a arte; mente a justiça; mente o caráter. Tudo mente, com a aquiescência de todos; cada homem põe preço à sua cumplicidade — um preço razoável, que oscila entre um emprego e uma condenação.
Os que governam, não criam tal estado de coisas e de espírito; representam-no. Quando as nações dão em baixios, alguma facção se apodera da engrenagem constituída ou reformada por homens geniais. Florescem legisladores, pululam arquivistas, os funcionários são contados por legiões; as leis se multiplicam, sem, entretanto, ser reforçada a sua eficácia. t
As ciências convertem-se em mecanismos oficiais, em institutos e academias, de onde jamais brota o gênio, e onde até se impede que o talento brilhe; sua presença humilharia, com a força do contraste. As artes tornam-se indústrias patrocinadas pelo Estado, reacionário em seus gostos e adverso a toda previsão de novos ritmos ou de novas formas; a imaginação de artistas e poetas parece que se aguça, para descobrir as gretas do orçamento, e se infiltrar por elas.
Em tais épocas, os astros não surgem. Fazem greve; a sociedade nao necessita deles; basta-lhes a sua coorte de funcionários.
O nível dos governantes desce, até marcar zero; a mediocracia é uma confabulação de zeros contra unidades.
Cem políticos torpes, juntos, não valem um estadista genial.
Somai dez zeros, cem, mil, todos os zeros da matemática, e não tereis quantidade alguma, nem siquer negativa.
Os políticos sem ideal marcam o zero absoluto, nos termômetros da historia, conservando-se limpos da in fâmia e da virtude, equivalentes de Néro e de Marco Aurelio.
Uma apatia conservadora caracteriza esses períodos; enfraquece-se a ansiedade das coisas elevadas, prosperando, ao contrario, o ara de suntuosos jormalismos. Us governantes que não pensam, parecem prudentes; os que nada fazem, intitulam-se repousados; os que não roubam são exemplares. O conceito do mento se torna negativo; as sombras são preferíveis aos homens. Procura-se o originalmente medíocre, ou o mediocrizado peia senilidade. Em vez de heróis, gênios ou santos, reclama-se discre tos administradores. Mas o estadista, o filósofo, o poeta, os que realizam, pregam e cantam alguma parte de um ideal, estão ausentes, Nada tem a lazer.
A tirania do clima é absoluta: nivelar-se ou sucumbir. A regra conhece poucas exceções na história. As mediocracias negaram sempre as virtudes, as belezas, as grandezas; deram veneno a Sócrates; o madeiro a Cristo; o punhal a Cesar; o destêrro a Dante; o cárcere a Galileo; o fogo a Bruno; e, enquanto escarneciam desses homens exemplares, esmagando-os com a sua sanha ou armando contra eles algum braço enlouquecido, ofereciam o seu servilismo a governantes imbecis ou davam o seu ombro para sustentar as mais torpes tiranias. A um preço: que estas garantissem, às classes fartas, a tranqüilidade necessária para usufruir seus privilégios.
Nessas épocas de lenocínio, a autoridade é fácil de ser exercida: as cortes se poviam de servis, de retóricos que palavreiampane lucrando, de aspirantes a algum "pa chalato", de polichinelos em cujas consciências está sempre arvorado o lábaro ignominioso.
As mediocracias são escoradas pelos apetites dos que esperam nelas viver, e no medo dos que temem perder a pitança.
A indignidade civil é lei, nesses climas. Todo homem declina de sua personalidade, ao converter-se em funcionário: a cadeia não é visível no seu pé, como nos dos escravos, mas êle a arasta, ocultamente, amarrada ao seu intestino. Cidadãos de uma pátria, são os incapazes de viver pelo seu esforço, sem a cevadura oficial. Quando tudo é sacrificado a esta, sobrepondo-se os apetites às aspirações, o sentido moral se degrada, e a decadência se aproxima. Inutilmente se buscam remédios na glorificação do passado. Dessa fadiga, os povos não despertam louvando o que foi, sinão, semeado o porvir.
Fonte: consciencia.org



quinta-feira, 3 de junho de 2010

Por um novo Projeto de Desenvolvimento Nacional: O Negro Compartilhando o Poder

Por Unegro/PE

A União de Negros Pela Igualdade – UNEGRO entidade política do movimento negro, fundada no Centenário da Abolição, em 14 de julho de 1988, na capital da Bahia, Salvador. Desde seu nascimento lançou sua Carta de Princípios, que delineia os objetivos de sua existência, dentre eles está o de “Combater o racismo em todas as suas formas de manifestação, particularmente as ações sistêmicas que impedem o usufruto pleno dos direitos de cidadania.”. A UNEGRO cresceu, em 2010, após vinte e dois anos de sua fundação, está organizada em vinte e quatro estados. Consolidou-se como uma das principais alternativas de luta da população negra contra as opressões de raça, gênero e classe, sempre em harmonia aos princípios de sua fundação.


A UNEGRO considera positiva a trajetória política do movimento negro brasileiro nos últimos vinte anos – tempo em que se deu a efetiva contribuição da entidade. De 1988 a 2010 conquistamos no campo jurídico (criminalização constitucional do racismo, direito dos remanescentes de comunidades quilombolas a posse da terra, Lei Caó, etc.); institucional (criação de secretarias, conselhos, coordenadoria, acessorias de promoção da igualdade racial em todos os âmbitos de governos, instituição de frentes de parlamentares em defesa da igualdade racial nos principais parlamentos municipais e estaduais, além do federal) e político (desmascaramento do mito da democracia racial, consolidação de fortes entidades nacionais e locais, presença nos sindicatos, partidos e governos), credenciando o movimento negro como um dos segmentos dos movimentos sociais brasileiro mais fértil em crescimento e conquistas.

As conquistas do movimento negro foram potencializadas na era Lula – presidente que recebeu o apoio formal da UNEGRO, divulgado no “Manifesto de Olinda”, em 19 de abril de 2006, após a III Plenária Nacional da UNEGRO. Na ocasião o posicionamento político da UNEGRO foi bem ajustado ante a necessidade da população negra, a luta contra o racismo e a todas as formas de intolerância e opressão. No governo Lula, obtivemos significativos avanços com a Lei 10.639/03, que institui obrigatoriedade do ensino da história da África e dos afrobrasileiros nas escolas públicas e privadas; o Decreto Presidencial 4887/03 que regulariza a titularização das terras quilombolas; instituição da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial – SEPPIR, Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial – CNPIR e Fórum Intergovernamental de Igualdade Racial – FIPIR; instituição do PRÓ-UNI e cotas nas universidades públicas, que permitiram a entrada de mais de quinhentos mil negros no ensino superior.

Cabe destacar que as políticas sociais e as de combate a pobreza capitaneada pelo Programa Bolsa Família cumpre determinação e compromisso assumido pelo Estado brasileiro, expresso na Declaração e Plano de Ação de Durban. Incidiram positivamente na base da pirâmide social brasileira, logo beneficiaram milhares de famílias negras. Defendemos a continuidade e aprofundamento desse caminho, que inevitavelmente será interceptado com o retorno ao poder de forças neoliberais, representantes do atraso e comprometidas com interesses dos mais ricos. Empenhada com o avanço social, com mais democracia, mais direitos ao povo e com a superação do racismo, a UNEGRO se manterá ao lado das forças sociais que elevaram Lula ao poder.

Ciente que os avanços da política de promoção da igualdade racial supracitados, paradoxalmente, pouco incidiram na qualidade de vida da população negra; que parte importante das proposições e estruturas de igualdade racial tem jogado um papel simbólico, ou seja, de demonstração do reconhecimento do Estado e da sociedade civil que o racismo é um componente político, histórico, cultural e sociológico que produz desvantagens no campo material e simbólico à população não branca, especialmente a negra e indígena. Devemos avaliar com urgência e maior profundidade os mecanismos de resistência a igualdade racial que instrumentaliza o conservadorismo político e o racismo no Brasil - responsáveis pelo fato de sermos campeões em propostas e em conquistas jurídicas, institucionais e políticas no campo da igualdade racial, ao mesmo tempo campeões em ineficácia na efetiva implantação das medidas. Avançamos bastante, mas temos que avançar muito mais.

A UNEGRO compreende que o racismo é um importante instrumento de exercício concreto do poder, gera retorno material e político aos propugnadores. Por isso, trata-se de um grande equívoco combatê-lo distante da luta política cotidiana do povo brasileiro, pois o fortalecimento das causas populares reverte em enfraquecimento dos mais interessados em acirrar o racismo.
A despeito da trajetória positiva, parte significativa do movimento negro tem se relacionado muito pouco com os diversos segmentos dos movimentos sociais. Assim se isola, não compõe e nem constitui amplas articulações a fim de fortalecer suas reivindicações e incorporar temas que diz respeito a ampla coletividade oprimida. Comporta-se como ator solitário e responsável exclusivo pela luta política de superação do racismo. Vive compenetrado exclusivamente em sua especificidade e, em certo momento, acirra a abordagem monotemática – a exemplo da dimensão dada ao debate das cotas e do Estatuto da Igualdade Racial, desde a Conferência Mundial Contra o Racismo realizada em Durban, África do Sul, tornaram-se as principais reivindicações do movimento negro brasileiro, retirando-o dos temas políticos de grande relevância a todo povo brasileiro, como: as reformas populares (urbana, fiscal, agrária, política, educacional, comunicação), Pré-sal, política econômica, direitos sociais, etc. Defendemos que o movimento negro trabalhe organicamente unificado para se constituir em um ator político global, que interaja com temas estruturantes para o desenvolvimento do Brasil, além de discutir políticas públicas. Compreendendo que devemos defender sua efetiva universalização e as necessárias ações afirmativas, com vistas a superar as desigualdades socioeconômicas que pesa negativamente sobre a população negra.

A UNEGRO considera que parte importante das reivindicações dos movimentos sociais e do movimento negro passa pela discussão do desenvolvimento e pela defesa do fortalecimento e soberania da nação. Somente uma nação que desenvolve as forças produtivas, próspera, forte, soberana e que distribui riqueza, tem condições de garantir dignidade ao seu povo. Para garantir o “combate ao racismo em todas as suas formas de manifestação, particularmente as ações sistêmicas que impedem o usufruto pleno dos direitos de cidadania”, temos que lutar por um novo projeto de desenvolvimento nacional e incidir sobre ele. Contribuir na definição do modelo de desenvolvimento, eleger as prioridades, atuar contra a desigualdade, garantir a inclusão da população negra.
Somente no campo da política é possível obter resultados satisfatórios no modelo de desenvolvimento que contemple a população negra e pobre. O desenvolvimento em si não garante inclusão, melhor qualidade de vida ao povo e justiça social. O Brasil viveu momentos de grande desenvolvimento e prosperidade mantendo a desigualdade e a pobreza concentrada na população negra. A ausência de negros e negras nos espaços de poder político, tem contribuído para ineficácia da implantação das políticas de promoção da igualdade racial, para manutenção da população negra nas margens da sociedade e para a divisão e conflitos no seio do povo. Os negros e negras estão exageradamente subrepresentados nos espaços de poder dos governos municipais, estaduais e federal, dos parlamentos de todo país e em todas as instâncias judiciárias. Há algo errado na democracia brasileira que mantém a população negra distante do poder. Precisamos garantir espaços políticos equitativo para mulheres e homens negros em todas as esferas de poder, precisamos compartilhar os espaços de decisão da sociedade brasileira, sem a qual não há justiça e uma verdadeira unidade nacional.

Para isso propomos as seguintes ações e medidas:

1. Realizar seminários e estudo coletivos para aprofundar a compreensão sobre desenvolvimento e economia, a fim de elaborar a defesa de um modelo de desenvolvimento que inclua a população negra;
2. Participar das articulações e agendas unitárias dos movimentos sociais, priorizando o fortalecimento da Coordenação de Movimentos Sociais – CMS;
3. Articular ações unitárias com organizações nacionais e regionais do movimento negro, com objetivo de sedimentar uma instância de representação ampla do movimento negro brasileiro, capaz de pautar os mais legítimos interesses da população negra e pobre na sociedade brasileira;
4. Participar das conferências de políticas públicas, dando especial atenção às seguintes conferências: saúde, educação, cidades, cultura, esporte, mulher, igualdade racial, segurança pública, direitos humanos, criança e adolescentes, segurança alimentar, LGBT;
5. Envidar esforços para compor Conselhos de Políticas Públicas, com vista a contribuir com uma abordagem antirracista nas políticas públicas governamentais e consolidar os espaços de democracia participativa;
6. Participação da UNEGRO e do movimento negro no processo eleitoral, somando as forças progressistas comprometidas com o desenvolvimento nacional com mais democracia, direitos sociais e distribuição de renda;
7. Participar das campanhas eleitorais nos estados e municípios onde estamos organizados e garantir as propostas do movimento negro nos planos de governos majoritários;
8. Apoiar e fortalecer candidaturas negras, progressistas e comprometidas com o combate ao racismo e com a promoção da igualdade racial
Retirado de http://unegro-pe.blogspot.com/

quarta-feira, 2 de junho de 2010

Reunião abre possibilidades de parceria entre Acre e Paraná

Da Assessoria


A educação nas comunidades quilombolas em pauta novamente

Reunião, não oficial, realizada na manhã de ontem (01) entre o presidente do Centro de Estudos e Referência da Cultura Afro-Brasileira do Acre, José de Arimatéia e o Chefe do Departamento da Diversidade da Secretaria Estadual de Educação Paraná, Wagner Roberto do Amaral, marcou o inicio de uma possível aliança entre os Movimentos pela Igualdade Racial dos dois estados.


Mediada pelo representante da Unegro/PR, Luiz Henrique Fontes, a reunião teve como pauta a Educação nas Comunidades Quilombolas, um projeto que já está sendo aprimorado no Paraná, mas que no Acre ainda precisa ser estudado e implantado. A idéia, segundo Arimatéia, é que representantes da Secretaria de Educação e dos movimentos envolvidos levem a experiência paranaense para o seu estado mediante curso e/ou oficinas. O Chefe do Departamento ponderou a possibilidade e se colocou no aguardo da oficialização do convite pelo estado do Acre.

Luiz Henrique Fontes, Wagner Roberto do Amaral e José de Arimatéia (Esq. p/Dir.)

terça-feira, 1 de junho de 2010

“Escola não é apenas professor”

Da Assessoria

A implantação e execução de políticas Publicas de Educação efetivas nas Comunidades remanescentes de Quilombos foram o foco de atenção do II Seminário de Lideranças Quilombolas do Paraná.

“A gente não quer só comida, a gente quer comida, diversão, arte e EDUCAÇÃO...”. As diretrizes para a Educação nas Comunidades Quilombolas do Estado foram rediscutidas no Seminário que ocorreu entre os dias 28 e 31 de maio, em Curitiba. O evento foi organizado pela parceria da Unegro/PR, da Secretaria Estadual de Educação (SEED) e outras en
tidades do Movimento de Lutas pela Igualdade Racial.


De um lado, o encontro teve como finalidade a apre sentação de cada realidade (contada pelos próprios quilombolas). De outro, a obtenção, em conjunto, de possíveis diagnósticos educacionais para estas comunidades, bem como da discussão de políticas públicas de Estado que deverão ser construídas nas áreas da Educação e Assistên-
cia Técnica Rural. Uma das principais deman-
das trazidas pelos Líderes para a Educação foi
a valorização da cultura, hisria e princípios étnicos e humanos das Comunidades Quilombolas. “Principalmente a juventude, não tem muito valor pelo nosso espaço e tradições, acho que a educação é uma ferramenta importante para que se entenda a importância histórica e social que a comunidade tem”, declara uma das líderes presentes no evento.

A participação das várias comunidades, entidades e representantes de núcleos de edu-
cação de todo o território e da própria Secretaria foi determinante para a pluralidade do debate. Vários grupos para apresentação e analise de como é e/ou deveria ser a escolarização da comunidade foram montados. O Professor Denilto Laurindo, presidente da Unegro/PR, declara que há avanços, mas ainda é necessário que se mobilize mais. “Os primeiros passos são sempre o começo de uma grande caminhada”.

Para o Coordenador de Organização e Finanças
da entidade, Luiz Henrique Fontes, a avaliação do encontro também é positiva. Mas, antes, existe a necessidade das Comunidades estabelecerem uma relação de independência com relação ao poder público estadual. “Ainda seremos escravos enquanto não conquistarmos a alforria do Estado. O que exigimos aqui nada mais é que obrigação do poder; temos que mostrar que não estamos pedindo esmola”, com-
plementa.

Eduardo Oliveira, Duda, concorda com Fontes e alega que é preciso articular pelo menos três níveis. “Um, inicial, e que já está sendo feito é o diálogo consistente com os próprios quilombolas e seus movimentos organizados e, num segundo momento, com a produção acadêmica para, em seguida, comprometer, pragmaticamente, o poder público”.


Em breve, serão disponibilizadas as fotos do evento.