quarta-feira, 27 de novembro de 2013

Conselheiro do Ceap defende fundo financiador para implementar ações do Estatuto da Igualdade Racial

Akemi Nitahara
Repórter da Agência Brasil

Rio de Janeiro – A falta de um fundo financiador para implementar as ações previstas no Estatuto da Igualdade Racial, Lei 12.288, de 20 de julho de 2010, é alvo de críticas de especialistas ligados à questão racial no Brasil. O conselheiro estratégico do Centro de Articulação de Populações Marginalizadas (Ceap), Ivanir dos Santos, defende a existência de um fundo para que essas ações não dependam de repasses de recursos de órgãos governamentais.
“Em qualquer política social tem que constar o recurso que terá como destino essa política. Então, se não está no orçamento, não aparece no Plano Plurianual (PPA), consequentemente no Orçamento da União, nem tampouco dos estados e município, esse é um problema sério. Por isso que estava previsto no estatuto o Fundo da Igualdade Racial. Esse fundo então teria recursos para a execução dessas políticas”, disse.
Ele destacou a Lei 10.639/03, que inclui no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática história e cultura afro-brasileira, mas não direciona recursos para que isso seja implementado. “Você não tem no orçamento do Ministério da Educação nem das secretarias estaduais de Educação nenhum recurso previsto para capacitação de professores, no Brasil todo, elaboração de material didático, também para capacitação no exterior de professores em história da África. Então, qualquer política prevista no estatuto você tem tido essa dificuldade, você não tem verba destinada para execução dessas políticas”, disse.
Como avanço, nesses três anos, do Estatuto da Igualdade Racial, Santos cita a criação das coordenadorias municipais e estaduais, mas as políticas efetivas esbarram na falta de orçamento. “Nos orçamentos estaduais, municipais, nem no federal, você não em recursos suficientes para a implementação dessas políticas. Esses recursos estão em outros ministérios, mas se não está destinado, marcado que é para essa política, o chamado recurso carimbado, você não tem coisa nenhuma, fica ao bel prazer do administrador colocar uma ou outra sobra que convier, para uma ou outra política menor, não uma política de nível nacional”, declarou.
Santos informou que as entidades ligadas à luta pela igualdade racial estão se mobilizando para apresentar um projeto de lei de iniciativa popular para que o Fundo da Igualdade Racial seja restabelecido. A coleta nacional de assinaturas deve começar no início do ano que vem.
Para o economista Mário Lisboa Theodoro, professor da Universidade de Brasília (UnB), o Estatuto da Igualdade Racial é apenas “um conjunto de boas intenções, mas sem possibilidade de ser implementado por falta de recurso”. De acordo com ele, somos um país diverso, mas há uma disputa de poder ao qual o negro ainda não ascendeu, já que isso depende de poder econômico. “Enquanto o Poder Público não destinar recurso significativo para a questão racial, os negros vão continuar no gueto”, disse o professor, que já trabalhou na Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir) e foi diretor da Área Internacional do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
Segundo Theodoro, o Fundo Nacional da Promoção da Igualdade Racial foi o único artigo vetado do projeto do estatuto. O economista participou ontem (27) do seminário Experiências afro-brasileiras na gestão pública, que contou com a participação de pesquisadores, professores, ativistas e políticos envolvidos com a questão racial no país, organizado pelo Ceap.

segunda-feira, 25 de novembro de 2013

Negros escravizados no período colonial resistiram como puderam, diz especialista



por: agencia Brasil
Thaís Antonio
Enviada especial da EBC

Cachoeira (BA) - Desde que os colonizadores portugueses chegaram ao Brasil, há mais de 500 anos, eles exploraram, inicialmente, a mão de obra indígena. Mas o contato com os homens brancos foi péssimo para a saúde dos indíos. Além disso, os nativos conheciam muito bem o território e fugiam com facilidade.

Por razões econômicas e também em busca de mão de obra qualificada, os portugueses começaram a trazer africanos escravizados para o Brasil. Os negros eram obrigados a vir para um país estranho, numa travessia de barco que levava meses, em condições precárias, para trabalhar forçado.

Mas as regras duras da chibata não foram aceitas sem luta. Os negros escravizados resistiram da forma que puderam. “Falar das lutas negras é falar disso, dos enfrentamentos, dos embates do outro lado do Atlântico, na travessia, do lado de cá do Atlântico. Eu costumo pensar na resistência de uma forma muito ampla”, destaca o professor Nelson Inocêncio, do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros da Universidade de Brasília.

Para ele, o termo que define a retirada dos negros do Continente Africano é sequestro. “Esse sequestro realmente foi algo absurdo, inominável. O Brasil foi o país que mais importou população africana. Dentro daquele universo de extrema violência existiam articulações coletivas para, de alguma forma, tentar minar o sistema”, ressaltou

A resistência sempre foi a palavra de ordem de quem era forçado ao trabalho escravo. Mas não foi fácil. Os negros foram caçados e perseguidos. Por isso, procuravam não ficar sozinhos. Em comunidade, era mais fácil sobreviver.

Os locais de refúgio começaram a se formar logo após a chegada dos primeiros navios negreiros ao Brasil. Nasciam, assim, os chamados quilombos. O mais famoso deles, o Quilombo dos Palmares, em Alagoas, data do fim do século 16. Isso quer dizer que pouco depois do início da escravidão, os primeiros negros já começaram a fugir.

A herança de quem fugiu da escravidão ainda é viva entre os quilombolas. Sirilo Rosa, presidente da Associação Quilombo Kalunga, comunidade no interior de Goiás, conta um pouco da história que já escutou. “Eu ouvia nossos antepassados falarem que tinha um lugar chamado quilombo mas que eles não sabiam onde era. [Diziam] que esse lugar chamado de quilombo era onde o pessoal que foi escravo fugia e ia pra lá”, lembra. “Era um lugar isolado e que não tinha nem estrada pra chegar. Eles saíam das casinhas deles, mas não deixavam trilha. Saíam de um lado e chegavam por outro".

A jovem quilombola Edmeia Batista Costa, da Comunidade Kaonge, em Cachoeira, na Bahia, também conhece a história de quem veio antes. “A gente sabe que os antepassados lutaram muito. Muitos apanharam no chicote. Agora a gente não tem mais isso. Graças a Deus, a escravidão já acabou e eles passaram para gente o trabalho e a luta deles para a gente continuar”, conta.

O Brasil tem mais de 2,4 mil comunidades quilombolas certificadas pela Fundação Cultural Palmares. Elas estão espalhadas em 24 estados e se organizam de forma diferente. A maioria vive da agricultura de subsistência. Ou seja, eles produzem na roça praticamente tudo o que precisam. É o caso de dona Leotéria, lavradora kalunga. Ela planta mandioca, arroz, milho, cana, feijão de corda, além de frutas, hortaliças e ervas medicinais.

Dona Leotéria diz que nem sempre é fácil, mas que já viveu dias mais difíceis no passado. “Já foi sofrida a nossa vida. Uma parte foi boa e outra sofrida mas, graças a Deus, nós sobrevivemos. Não tinha rodagem [estrada] por aqui, não tinha médico. A pessoa adoecia, levava para Cavalcante [um dos municípios que compõem o território kalunga, distante 30 quilômetros da comunidade] na rede”, recorda.

“Hoje está melhor porque já tem médico, já tem muitas coisas. Hoje já tem até o posto [de saúde] aqui, também. Uma hora tem médico, outra hora não tem. Mas a hora que tem já serve”, resigna-se.

De acordo com a Fundação Cultural Palmares, apenas os estados do Acre e de Roraima e o Distrito Federal não contam com esses remanescentes. Mais de 200 processos de certificação ainda estão sendo analisados e mais de 500 comunidades foram identificadas pela fundação como quilombolas, mas não solicitaram a Certidão de Autodefinição, já que o primeiro passo para ser quilombola, é se reconhecer como tal.

É o famoso sentimento de identidade, como explica Juvani Jovelino, líder espiritual da Comunidade Kaonge, na Bahia. “Ser quilombola é você saber [a origem] os 50% do seu sangue. Não é só negro que é quilombola, porque existe branco também que é quilombola porque tem 50% do sangue que ele não procurou saber de onde vem.”


terça-feira, 19 de novembro de 2013

ESPECIAL 20: Agricultura ainda é a maior fonte de renda dos quilombolas


Thaís Antonio
Enviada Especial da EBC
Cachoeira (BA) - As comunidades quilombolas, uma herança dos refúgios dos negros escravizados que começaram a se formar no século 16, vivem, praticamente, da agricultura familiar. Quase cinco séculos depois, esse tipo de organização existe de forma muito expressiva no país. São mais de 2.400 comunidades reconhecidas pela Fundação Cultural Palmares.

A Agência Brasil publica, na Semana da Consciência Negra, uma série de matérias sobre como vivem os quilombolas descendentes dos negros escravizados trazidos para o Brasil no século 16. Amanhã (20), será comemorado o Dia da Consciência Negra, data em que morreu Zumbi dos Palmares. A cidade alagoana de União dos Palmares, onde morreu o líder do maior quilombo do país, terá uma série de eventos para comemorar a data.

Extrativismo, artesanato, produção cultural, turismo de base comunitária e a venda de produtos feitos a partir de matérias primas produzidas pela comunidade também contribuem para complementar a renda. “A agricultura é a atividade mais forte”, explica o diretor do Patrimônio Afro-Brasileiro da Fundação Cultural Palmares, Alexandro Reis. “O extrativismo também é uma atividade muito forte na área de quilombo. E hoje o governo federal tem apoiado o empreendedorismo, no artesanato, na produção cultural, na geração de renda, na capacitação técnica e na extensão rural.”

Para a lavradora Aurea Paulino, da Comunidade Kalunga, em Goiás, a roça é garantia de tranquilidade. “Você quer uma banana você tem, quer uma mandioca, você tem. O arroz e o feijão, que é o principal, a gente planta. Então eu acho bom, porque não é todo lugar que a pessoa tem esse privilégio”, diz. “Aqui a gente sabe viver sem dinheiro. Aqui não tem violência. Pode sair e deixar a porta aberta. É um lugar tranquilo. Acho bom criar meus filhos do jeito que eu fui criada, estudando e trabalhando na roça”, acrescentou.

No quilombo onde Áurea vive há um forte sentimento de comunidade. Os kalungas se ajudam muito e não deixam um vizinho passar necessidade. Se falta alguma coisa para algum integrante, a comunidade se organiza para ajudar.

Esse sentimento de unidade é muito presente nos remanescentes quilombolas em geral, como explica Ananias Viana, líder da comunidade baiana Kaonge. “Ninguém faz nada no individualismo porque é mais dificil de conquistar. É tudo no coletivo. Até a produção é no nível coletivo. Quem quiser plantar, colher em suas roças no fundo da casa, tudo bem”, destaca. “Mas, para projeto de sustentabilidade, aqui tem que ser coletivo porque é a maneira que os nossos ancestrais fizeram e é a maneira que a gente considera melhor para a produção.”

Os quilombolas kaonges uniram esforços com outros remanescentes que vivem na região do Vale do Iguape (BA) e buscaram no próprio dia a dia a solução para que ninguém precisasse deixar as comunidades em busca de vida melhor. Mais de 300 pessoas de 13 remanescentes da região se organizam em núcleos de produção e fazem a engrenagem funcionar.

Eles plantam frutas, legumes e verduras, colhem mel, cultivam ostras, produzem artesanato e mostram suas atividades diárias para turistas e visitantes. Os jovens participam de todas as atividades e isso integra as diferentes gerações.

Há poucos anos, a cidade de Santiago do Iguape, no interior da Bahia, começou a se descobrir quilombola. O nome quilombola pode até ser novo para os mais de 2.500 habitantes do local, mas os costumes são antigos. “A gente ainda quer continuar no final de tarde tomando um banho de mar, caindo do cais [pulando no rio], a gente ainda quer acompanhar as marisqueiras, ainda quer ver com os nossos idosos, mestres do saber cantando, conversando”, conta Pan Batista, uma das líderes da comunidade nesse processo de reconhecimento.

Para a Comunidade do Muquém, em Alagoas, que fica bem próxima ao famoso Quilombo dos Palmares, foram as mãos no barro que deram um horizonte produtivo para quem vivia ali. Dona Irinéia é uma das famosas artesãs da comunidade e tira da cerâmica o sustento da família. “Eu comecei a fazer bonequinhos para brincar com as coleguinhas, panelinhas para brincar de cozinhar”, lembra.

Anos mais tarde, ela começou a fazer cabeças inspiradas em negros escravizados. “Eu modelava um bolinha, botava um nariz, fazia a boca. As primeiras ficaram muito feinhas. Mas, depois, eu fui melhorando”, conta.

As peças de dona Irinéia já foram vendidas no Brasil e no exterior. “Já vendi para gente de São Paulo, do Rio de Janeiro, Recife, de Brasília, da Paraíba, do Espirito Santo, de Minas Gerais. Vários lugares. Tem uns que eu nem sei para onde fica”, diz. “Outro dia eu estava na casa da minha filha e uma senhora me ligou dizendo que tinha visto o meu trabalho na internet e achado muito bonito. Aí ela disse: você sabe com quem está falando? Você está falando com uma mulher dos Estados Unidos”. Dona Irinéia enviou uma peça para lá, mas disse que não sabe se a “mulher dos Estados Unidos” recebeu.


terça-feira, 12 de novembro de 2013

É hoje! Às 13h Manifestação de repúdio ao cancelamento do feriado de 20 de novembro

O Comitê Zumbi dos Palmares em Defesa do Feriado Municipal de 20 de Novembro, em Curitiba convoca todos e todas a participarem de manifestação pública, em frente ao Tribunal de Justiça e da ACP, de repúdio à suspensão do feriado municipal de 20 de novembro.
O Comitê é formado por dezenas de entidades do movimento social negro e dos movimentos sociais e sindicais da cidade.
Na última quinta-feira, em reunião que contou com mais de cem lideranças ficou definida a realização deste protesto. Divulguem ao maior número de pessoas possíveis. Vamos mostrar nossa indignação à mais um exemplo da presença do racismo institucional em nossa cidade.

sexta-feira, 8 de novembro de 2013

19 EXEMPLOS DEPLORÁVEIS DE PRIVILÉGIO BRANCO


1. Por conta do privilégio branco, você nunca terá que se preocupar em tornar-se vítima de policiais. Lembre-se de Amarildo, do menino Juan, e tantos outros. Não é uma coincidência que centenas de incidentes como estes vêm acontecendo há anos.

2. Felizmente, você nunca terá que saber o que se sente ao ver a morte de seu filho adolescente ser comemorada ou ridicularizada. Sim, como no caso de alguém vestido como Trayvon Martin*

3. Por causa do privilégio branco, você nunca terá que informar seus filhos das duras realidades do racismo estrutural.

4. Privilégio branco significa que você pode ser articulado e falar bem, sem as pessoas fiquem "surpreendidas".

5. Com o privilégio branco, você nunca saberá o que é ter a seguinte estatística que paira sobre sua cabeça: De acordo com um relatório dos Estados Unidos, um terço dos homens negros daquele país irão para a prisão, pelo menos uma vez na vida.

6. Você pode vestir e agir como desejar, sem ser rotulado como um bandido, malandro, vagabundo, etc. Todo mundo quer "agir como um negro", mas ninguém realmente quer ser negro e sofrer as consequências neste país.

7.O Privilégio branco permite você falar sobre qualquer assunto em particular, sem ser o único representante de sua raça inteira.O Privilégio branco permite acreditar que todas as pessoas não brancas pensam da mesma forma e partilham pontos de vista semelhantes.

8. Privilégio branco significa que ninguém questiona por que você tem um ótimo emprego, e se presume que estava altamente qualificado para exercê-lo. Além disso, presume-se que você entrou naquela prestigiosa universidade com base no "mérito" e não porque uma "determinada quota tinha que ser preenchida."

9. Privilégio branco significa não ter que se preocupar com o seu cabelo, cor da pele ou acessórios culturais, como a razão de você não conseguir um emprego.

10. Privilégio branco significa que você não tem que se preocupar em ser vigiado em uma loja, só porque a tonalidade de sua pele é um pouco mais escura do que a das outras pessoas no ambiente. As pessoas não brancas são vistas como pouco confiáveis. 

11. Ter o privilégio branco significa que as pessoas nunca vão rotular você como um terrorista.

12. Privilégio branco significa não ser afetado por estereótipos negativos,que foram tão perpetuados e enraizados pelas pessoas brancas na sociedade brasileira, que as pessoas acreditam que eles sejam verdade.Algo como: " Homens negros não gostam de trabalhar ". Ou " mulheres negras tem apetite sexual insaciável."

13. Privilégio branco significa que você nunca tem que explicar o porquê apropriação cultural é uma coisa ruim.

14. Privilégio branco significa não ter que se preocupar em ser parado e revistado.

15. Se você se beneficia de privilégio branco, nunca vai ser dito para "acabar com a escravidão.” Irônico, não?

16. Privilégio branco significa que você nunca está só a sua própria pessoa. Por exemplo, Nicki Minaj é muitas vezes referida como a " Lady Gaga negra". Eu acho que as pessoas negras não podem ser peculiares ou excêntricas

17. Se beneficiar do privilégio branco significa que você pode andar na Terra sem saber de sua cor. As pessoas não brancas não tem esse luxo.

18 - Sua religião é respeitada, e não tem que fazer passeata contra intolerância religiosa, quando se tem o Privilégio branco.

19 - Quando se tem o Privilégio branco, a ajuda Emergencial de renda é dada pelo BNDES, recebe o nome de "empréstimo", "Ciência Sem Fronteira", etc. E não Bolsa-Família.

FONTE: Traduzido e adaptado a partir do texto de Michael Blackmon," 17 Harrowing examples of White Privillege".
*Trayvon Martin: adolescente americano, assassinado por um vigia branco, que afirmou ter atirado ao confundir o capuz que Trayvon vestia com um turbante.

quinta-feira, 7 de novembro de 2013

O Mordomo da Casa Branca e o feriado cancelado em Curitiba.

por: Daniel Hortencio de Medeiros
Vivi as duas experiências no mesmo dia. Fui assistir ao filme de Lee Daniels, “O mordomo da Casa Branca”, uma vigorosa e bem produzida história do racismo nos EUA, a mostrar a incrível violência com a qual os negros americanos foram tratados, muito tempo depois de o presidente Lincoln ter acabado com a escravidão. Violência que não poupou nem mesmo os trabalhadores que serviam os presidentes , como o mordomo Eugene Allen, interpretado pelo ator  Forest Whitaker, em brilhante atuação. Um filme para refletir sobre a força da democracia americana, capaz de viver esses horrores e , ao mesmo tempo, eleger e reeleger um negro para a presidência. Aliás, o filme mostra que o processo foi longo e contou com os cidadãos nas ruas e os políticos em seus gabinetes, trabalhando para diminuir a chama da estupidez e da ignorância racial, processo marcado por marchas e contramarchas angustiantes para os que sofriam a dor da discriminação. Assistindo ao filme aprendemos da decisão do presidente Eisenhower de enfrentar o governador do Arkansas e fazer valer a lei que permitia a brancos e negros frequentarem as mesmas escolas. Vimos o presidente Kennedy esbravejar na televisão contra a violência no Alabama e o presidente Johnson defender o direito de voto dos negros. Ou seja, poder público ( com altos e baixos) e entidades civis ( com acertos e extremismos) lutaram juntos , em um processo que não deve terminar nunca, para oferecer aos negros os mesmos direitos e benefícios que todos podem almejar em um país como os EUA.
Lembrar dele traz prejuízo, dizem os comerciantes.
Lembrar dele traz prejuízo, dizem os comerciantes.
E, não tem como ser diferente, saí do cinema pensando em nossa sociedade discriminatória, na qual pretos ( como o IBGE os define) ganham menos, tem menor formação, apanham mais da polícia, tem menor expectativa de vida, habitam as regiões mais insalubres, frequentam mais as filas do SUS e os morgues oficiais e extraoficiais. No entanto, pouco a pouco, com grande empenho da sociedade civil organizada e do poder público, ser negro no Brasil começa a deixar de ser uma “vergonha” e começa a ser uma atitude. Lógico que nada tem a ver com “raça”, no sentido científico do termo; tem a ver com uma história na qual construiu-se um conceito de raça para discriminar  e justificar diferenças que eram produzidas social e economicamente. Agora, esse mesmo critério – histórico – é usado para buscar compensar e minimizar o estrago de uma parte da elite branca que sempre viu os negros como o Outro menor e desvalorizado. Mais ou menos como as empregadas domésticas, quase todas negras ou pardas, agora portadoras de direitos que há muito eram direitos de todos mas que nossa herança escravista não admitia para elas.
Essa recuperação do lugar devido dos negros na sociedade brasileira passa também pela delimitação de momentos simbólicos de homenagens e lembranças da luta travada por muitos, ao longo dos séculos, na defesa de uma sociedade mais justa. Nos EUA, criou-se o dia para lembrar do pastor Martim Luther King, grande catalisador dessa luta pelos direitos civis dos negros americanos que é um orgulho para o mundo todo e faz dos EUA a grande democracia que é. Um dia de feriado na maior nação capitalista do mundo, para os brancos e negros americanos lembrarem que o poder público dos EUA assumiu um lado, o lado da luta contra a segregação, discriminação e preconceito. Um feriado que deve custar caro aos cofres da nação que mais dinheiro produz no mundo. Mas que tem um valor muito maior que os milhões ( bilhões, certamente) de dólares que deixam de ser arrecadados pelo comércio ávido de vendas e bons negócios: o valor da lembrança que esse  país, os EUA, só poderão olhar para seus próprios olhos, com confiança e respeito, se admitirem o erro brutal e mesquinho que cometeram e prometerem, nesses momentos solenes e sagrados, que nunca mais cometerão atos assim e se o fizerem, serão punidos exemplarmente.
Enquanto isso, em Curitiba, a associação comercial, conseguiu na justiça, a anulação do feriado municipal em lembrança e em homenagem ( e para a reflexão)  do dia da consciência negra. O motivo? O prejuízo que terá o comércio curitibano com a medida. Assim como acontece nos demais feriados – os religiosos, por exemplo – nunca questionados por nossos devotos vendilhões de templos.
Atos como esses não devem perder-se no vento. O dia 20 de novembro, dia da consciência negra, dia da lembrança de que somos ainda, e muito, um país racista e discriminatório, deve ser lembrado como um dia de não consumo. Se os comerciantes, com ajuda prestimosa e providencial do poder judiciário, negam o direito  para homenagens e reflexão, que fiquem de braços cruzados nas portas de suas lojas , esperando Godot.
Publicado: gazeta do povo

Este ano Zumbi será Ressuscitado em Curitiba

por: Mariana Raquel Costa


“Por motivos econômicos, a Associação Comercial do Paraná e o SINDUSCON-PR pediram o cancelamento do feriado municipal do dia da Consciência Negra em Curitiba, que foi concedido pelo Tribunal de Justiça do Estado.
Por motivos econômicos, por mais de trezentos anos os negros foram sequestrados de suas terras, comercializados e coisificados. 
Também por motivos econômicos, há exatamente 125 anos, quando a mão-de-obra escrava já não interessava ao sistema capitalista em desenvolvimento, os negros foram libertados e deixados a sua própria sorte. 
Ainda por motivos econômicos, os negros engrossam até hoje as favelas brasileiras, compõem a parcela mais pobre da população, possuem os empregos mais precarizados, recebem os menores salários, compõem mais de noventa por cento da população carcerária do Paraná, ocupam menos cadeiras nas universidades e menos espaços de poder. 

Não sei por que, mas para mim os tais motivos econômicos citados pela ACP, se confundem com o racismo tão profundamente enraizado no Brasil. 
O racismo que também é institucional, o racismo que nos persegue e faz parte da nossa história.
Aqueles que são contra o feriado, afirmam que a decisão pautou-se numa certa igualdade, afinal, se houver feriado para os negros será preciso garantir um feriado para os alemães, para os poloneses e assim por diante. 

Mas já não basta todo dia ser dia de branco? Todos os parques construídos em memória da sua história? Não basta que as crianças negras sejam perseguidas pela história eurocêntrica, que é incapaz de incluir a África em outro contexto que não seja o da escravidão? Não basta que a cidade esteja repleta de estátuas dedicadas aos seus heróis? Que desses heróis muitos deles foram bandeirantes, ou governantes responsáveis por manter nossa condição? Que as personalidades negras que fizeram história sejam renegadas ao esquecimento? Não basta que o herói do meu dia, tenha sido morto pelos heróis da sua história? 

Não, não basta! É preciso ridicularizar o dia da Consciência Negra, ridicularizar a nossa luta diária pela sobrevivência. É preciso menosprezar nossa cultura, demonizar as religiões de matrizes africanas, rir dos nossos fenótipos em programas de humor, propagar que nosso único talento é sambar e jogar futebol, negar a nossa beleza, adjetivar nosso cabelo como sendo ruim, defender um estereótipo de suspeito padrão cuja principal característica do bandido seja a pele escura. É preciso matar jovens negros todos os dias, em nome da justiça e do combate ao tráfico, é preciso, é necessário diminuir para governar. 

Mas não somos inocentes, não é de hoje que conhecemos a verdade. Nós sabemos que não somos representantes do imaginário curitibano de capital europeia do Brasil, que somos a história que Curitiba quer esquecer. Nós sabemos que somos o único povo que não ilustra o mural da câmara municipal que retrata as etnias que construíram Curitiba. Que nossa história em Curitiba é negada todos os dias, como se mãos negras não tivessem construído a igreja do Rosário, como se os irmãos Rebouças não tivessem construído a estrada de ferro. 

Nesse sentido, cancelar o feriado municipal da consciência negra, significa negar mais uma vez a nossa importância na construção de Curitiba. Renegar mais uma vez a nossa história à invisibilidade. Chega de negação! Não tirem das crianças negras o direito de conhecer sua história, de encontrar suas origens, sua ancestralidade. De não ter que chegar a idade adulta para construir a sua identidade racial, mas aprender cedo que não há vergonha na sua ancestralidade, mas pelo contrário, que a sua descendência é a resistência, de tantos homens mulheres que lutaram pela liberdade e pela igualdade. 

Em 20 de novembro de 1965, Zumbi dos Palmares foi morto e decapitado pelos bandeirantes. Fato comemorado pela coroa, que determinou que sua cabeça fosse exposta em praça pública.
Em novembro de 2013, em Curitiba, julgam os senhores do comércio que irão comemorar, mais uma vez, a cabeça de Zumbi exposta em praça pública. Eu digo que este ano não.

Este ano Zumbi será ressuscitado em Curitiba.”

Tudo é mais relativo quando nos tornamos classe média....


Tudo é mais relativo quando nos tornamos classe média. A dor, o passado, o sofrimento dos antepassados são suavizados, clareados, amordaçados, relativizados pelo "também" tenho sangue negro.O olhar fica enviesado e não consegue focar o olhar que tem cor, que tem dor, que tem....Neste curso, justificamos sermos um pouco diferentes: não tão negros, um pouco meio índios, talvez afro, com certeza mas pra português é, é isso! Não nos reconhecemos, não nos queremos, não nos abraçamos...quando nos tornamos classe média tudo tem mais sentido, a casa,o carro, o cargo...até mesmo essa angústia, esse princípio de depressão tem sua razão quando se é classe média.

Denis Denilto



terça-feira, 5 de novembro de 2013

Suspensão do feriado de 20 de novembro gera polêmica em Curitiba

Projeto sobre feriado da Consciência Negra foi suspenso pelo TJ-PR.
Medida que determina a suspensão ainda cabe recurso, segundo o TJ.
fonte:g1.globo.com.br
A suspensão da lei que cria o feriado do Dia da Consciência Negra, em Curitiba, determinada pelo Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR), causou polêmica entre os vereadores da Câmara Municipal de Curitiba e militantes do movimento negro da capital na manhã desta terça-feira (5). O projeto já tinha sido aprovado pela câmara em novembro de 2012 e previa a paralisação das atividades na cidade no dia 20 de novembro, quando a data é comemorada nacionalmente.
A suspensão foi anunciada na segunda-feira (4) pelo Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR), que aceitou um pedido feito pela Associação Comercial do Paraná (ACP) e pelo Sindicato da Construção Civil do Paraná (Sinduscon-PR). Ambos os órgãos relataram prejuízo calculado em R$ 160 milhões com a possibilidade do fechamento do comércio, indústria e serviços em geral. O TJ informou que a decisão não é definitiva e ainda cabe recurso.

"Nós não somos contra as comemorações do Dia da Consciência Negra. O que nós somos contra é sobre mais um feriado de tantos que já temos em Curitiba", declara o vice-presidente da Associação Comercial, Gláucio Geara.

Para o presidente do Conselho Municipal de Política Éticos Raciais, Saul Dorval da Silva, a medida deve ser reavaliada com urgência. "Do ponto de vista jurídico nós vamos tomar todas as medidas, entre elas buscar a intervenção imediata do TJ, Ministério Público (MP-PR), Câmara Municipal e também vamos procurar o prefeito Gustavo Fruet", afirma. "Está na hora da procuradoria do município se pronunciar a favor da população de Curitiba", acrescenta.

O vereador Mestre Pop (PSC) reiterou que mais de mil cidades brasileiras já aderiram ao feriado. Ele criticou a justificativa da ACP e do Sinduscon-PR e afirmou que o feriado pode trazer, também, benefícios para a capital. "Em São Paulo, por exemplo, o dia da Consciência Negra é um dia em que percebe-se um aumento no número de turistas e da rede hoteleira em geral, além do aumento de visitações nos shoppings. Enfim, é totalmente o contrário do que eles [ ACP e Sinduscon] pensam", ressalta.

De acordo com o TJ, um julgamento sobre o caso ainda deverá ser marcado. Entretanto, até que haja uma definição, a determinação é de que as empresas devem funcionar normalmente no próximo dia 20 de novembro.

sexta-feira, 1 de novembro de 2013

Curitiba propõe cotas nos concursos municipais

Projeto de lei apresentado nesta sexta-feira (1º), na Câmara de Curitiba, trata da implantação de cotas em concursos públicos municipais da administração direta e indireta. O líder do PDT, vereador Jorge Bernardi, propõe a reserva de 20% das vagas aos candidatos afrodescendentes, pardos e indígenas.

A matéria prevê que o candidato declare sua etnia e manifeste o interesse por uma das vagas especiais no momento da inscrição. Caso não sejam preenchidos pelas cotas, os cargos seriam redistribuídos pelos demais aprovados, por ordem de classificação. A regulamentação é atribuída ao Executivo municipal, em até 60 dias após as eventuais, sanção, aprovação e publicação da lei.

"O processo democrático está em evolução constante, assim como toda a nação brasileira, que lentamente constrói uma realidade que atenda ao bem comum, a partir de um modelo colonial fundamentado na exploração do trabalho escravo e na opressão dos demais trabalhadores que, mesmo libertos, tinham seus interesses subjugados por uma elite agrária", justificou Bernardi.

"Cada vez mais a visão de democracia vai se aperfeiçoando, permitindo que setores antes marginalizados tenham igualdade de direito", completou. O parlamentar cita políticas afirmativas do poder público federal e estadual, implantadas ao longo dos últimos oito anos, como as cotas raciais no ensino superior. A proposição, de acordo com ele, é uma sugestão do Instituto Afro-Brasileiro do Paraná, presidido pelo jornalista Saul Dorval da Silva.