Grafiteiro trabalha no painel comemorativo do Dia Mundial da Juventude no muro da Casa da ONU, cujo tema este ano é “Juventude Negra contra o Racismo e pela Paz”. Foto: PNUD
A Casa das Nações Unidas no Brasil – Complexo Sergio Vieira de Mello – teve nesta terça-feira (12) um dia de portas abertas aos jovens do Distrito Federal para comemorar o Dia Internacional da Juventude. Grafiteiros do entorno do DF fizeram, em um dos muros internos do complexo, um painel sobre o tema Juventude Negra contra o Racismo e pela Paz. Em paralelo, lideranças da juventude negra do DF e gestores públicos participaram de um debate para discutir o que é, hoje, a principal preocupação dos jovens brasileiros: a violência.
Os números justificam essa preocupação. Segundo estimativas de População Residente do Datasus/Ministério da Saúde de 2012, o Brasil tem 52,2 milhões de jovens e 30 mil foram vítimas de homicídio naquele ano, o que corresponde a mais da metade dos homicídios no país inteiro (53,38%). Dentre as vítimas, 77,02% são negras. O número de homicídios de jovens negros é três vezes maior que de jovens brancos.
“O tema escolhido para a mobilização realizada no dia de hoje é uma resposta à principal preocupação identificada pelos jovens brasileiros: a violência. No Brasil, existem mais de 50 milhões de pessoas com idades entre 15 e 29 anos. Os avanços na economia do país repercutiram em melhor qualidade de vida para esses jovens, que têm maior acesso ao ensino superior e profissionalizante bem como ao mercado de trabalho”, disse o coordenador residente do Sistema ONU no Brasil, Jorge Chediek, durante a inauguração do painel Juventude Negra contra o Racismo e pela Paz. “No entanto, os dados mostram que a violência pode constituir uma barreira relevante para a realização dos sonhos desses jovens”, concluiu.
O ensino superior entrou no universo dos jovens; cada vez mais jovens estão inseridos no mercado formal de trabalho. Segundo a Agenda Juventude Brasil, pesquisa realizada pela Secretaria Nacional da Juventude (SNJ), “esta geração é bem mais escolarizada que as precedentes, mais de 50% chegou ao Ensino Médio, enquanto este nível de escolaridade foi alcançado por apenas 25% de seus pais”.
Mas o maior acesso à educação e ao trabalho, mesmo com todos os problemas ainda enfrentados, não tem necessariamente funcionado como fator de redução de danos. O número de mortes entre esses jovens negros continua aumentando.
O aumento no acesso à educação e ao trabalho deixa o jovem menos exposto à violência? Esta foi uma das perguntas debatidas no encontro. Para os participantes, a promoção do acesso à educação e ao trabalho seria insuficiente e os dados apontam uma forte presença do racismo.
“O aprendizado não se dá somente no ambiente escolar, mas ingressar nesse espaço (a universidade) não foi fácil. Permanecer também não foi fácil, com professores falando para mim que ali não era meu lugar”, disse Davidson Pereira de Souza, recém-formado em jornalismo. “É preciso mostrar para a sociedade que você dá conta.”
O representante da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR), Felipe Freitas, diz que “é preciso tirar essas pessoas do alvo da violência. É preciso discutir novos modelos de segurança pública”.
Para os participantes, os meios de comunicação tendem a reforçar o estigma sobre a juventude negra, atuando na manutenção do imaginário coletivo que retira a identidade inerente do povo negro, reforça os signos da exclusão e autoriza a violência aos corpos negros. “E é essa desidentificação do negro que abre portas para uma série de exclusões e alijamento social”, disse Big Richard, apresentador, sociólogo e membro da Nação Hip Hop Brasil, abrindo a discussão.
Juventude Negra e a ONU
Uma das conclusões do grupo de debates é a de que a forma como a sociedade trata os homicídios e a violência contra a juventude negra – o fenômeno de naturalização dos fatos – evidencia um grave problema enfrentado por estes jovens: a existência do racismo em nossa sociedade até os dias atuais.
De acordo com dados do IBGE obtidos a partir do Censo 2010, o Brasil é o país do mundo com o maior número de afrodescendentes, equivalente a 100 milhões de pessoas, mas ainda enfrenta o racismo e a intolerância herdada de seu passado colonial. “Não dá para fazer esssa discussão sem pautar a questão do racismo institucional”, disse Élida Miranda, integrante do Conselho Nacional da Juventude (CONJUVE) e da ONG Geledés.
Ao serem questionados se o racismo é que cria as desigualdade, os participantes afirmaram que o racismo cria como seu principal produto a desigualdade, mas a desumanização. “No hip-hop a gente diz que redução de danos é não matar os manos”, diz Larissa Borges, coordenadora articulação da Secretaria Naiconal da Juventude (SNJ). “O Estatuto da Juventude reafirma o direito de ser jovem, especialmente o direito da experimentação e da autonomia, para que a juventud epossa construir novas perspectivas de existência”.
“Na atual agenda da ONU, a juventude é uma prioridade”, disse Ana Inés Mulleady, representante adjunta do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), agência líder das Nações Unidas no Grupo Assessor da ONU sobre Juventude, composto por nove organismos do Sistema ONU no Brasil – o PNUD, o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), o Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA), a Entidade das Nações Unidas para a Igualdade de Gênero e o Empoderamento das Mulheres (ONU Mulheres), o Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC), a Organização Internacional de Trabalho (OIT), o Programa das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos (ONU-Habitat) e o Programa de Voluntários das Nações Unidas (UNV), pela Secretaria Nacional da Juventude (SNJ) e por organizações da sociedade civil representadas pelo CONJUVE.
“As jovens negras são atingidas de forma específica pelo racismo e pelo sexismo. Essas desigualdades limitam as condições e as oportunidades para que elas possam viver, participar e decidir plenamente sobre as suas próprias vidas”, disse a representante da ONU Mulheres Brasil, Nadie Gasman. “Contudo, elas são a nova geração de mulheres negras – aquelas cujo legado é repleto de histórias de resistências e de lutas que mudaram o Brasil positivamente. As jovens estão fazendo a diferença. Estão organizadas e construindo uma nova realidade país afora por meio da valorização das mulheres negras.”
O representante do UNFPA, Harold Robinson, destacou que “jovens negros e negras têm direito à uma vida digna sem discriminação, livre do racismo e da violência, com oportunidades iguais de acesso à educação, saúde de qualidade e emprego decente”. Segundo ele, “é preciso investir na juventude, por meio de politicas, programas e ações multisetoriais que previnam mortes prematuras por causas evitáveis, criem espaços de participação para jovens e assegurem seu pleno desenvolvimento, sobretudo no atual contexto de final do bônus demográfico”.
O representante do UNODC no Brasil, Rafael Franzini, também participou dos eventos desta terça-feira. “O fato de que os homicídios são a principal causa de morte de jovens no Brasil torna ainda mais urgente o trabalho das agências da ONU junto ao governo brasileiro, para promover o desenvolvimento de políticas públicas que protejam os jovens e reduzam suas situações de vulnerabilidade, oferecendo oportunidades de acesso à educação, capacitação e informação que proporcionem as condições necessárias para que eles possam realizar todo o seu potencial”, disse.
Juventude Negra pela Paz
A agenda contra a violência, o racismo e o genocídio contra a juventude negra tem movido governo, sociedade civil e demais organizações de diversas formas. A realização desse debate na Casa da ONU e a inauguração do painel em grafite representa um fato positivo e histórico.
Promovida pelo Grupo Assessor da ONU sobre Juventude e com apoio de diversos organismos do Sistema ONU no Brasil, a iniciativa teve como objetivo trazer à luz os problemas decorrentes do ciclo de violência no qual a juventude negra é inserida, bem como seus reflexos na vida familiar, nos estudos, no trabalho, na saúde, na vida afetiva e todas as demais dimensões da vida desses jovens e suas famílias, inclusive em suas escolhas.
O painel inaugurado hoje no Complexo Sergio Vieira de Mello, em Brasília, foi elaborado por por jovens artistas do entorno do DF e que participaram do coletivo Jovens de Expressão, apoiado pela ONU. Assim com o debate e a ampla repercussão nas mídias sociais do Sistema ONU, o painel fica como um marco do início desse esforço de mobilização rumo à paz e ao combate à discriminação e ao racismo contra a juventude negra.
“A gente trouxe para a figura do jovem o colorido; a gente quis trazer destaque para o personagem principal, o próprio jovem negro. Quisemos trazer para esse painel esse jovem se apropriando ou indicando os caminhos que podem ser tomados para que eles tenham melhor qualidade de vida, disse Vinícius Rodrigues, representando os jovens grafiteiros. Lapixa, como é conhecido pelos colegas, foi um dos jovens que colheram os frutos do projeto Jovem de Expressão.
A atividade é também preparativo para o lançamento, em novembro deste ano, de uma campanha do Sistema ONU no Brasil como parte da programação das Nações Unidas para a Década dos Afrodescendentes.
Década de Povos Afrodescendentes
A Década Internacional de Povos Afrodescendentes foi criada pela Assembleia Geral das Nações Unidas, em 2013, sob o lema “Pessoas afrodescendentes: reconhecimento, justiça e desenvolvimento”. Abrange o período de 1º de janeiro de 2015 a 31 de dezembro de 2024. Dá seguimento aos esforços dos Estados-Membros das Nações Unidas de enfrentar o racismo, a discriminação e o preconceito racial e tem como objetivo dar efetividade a compromissos internacionais contra o racismo, entre eles a Declaração e o Plano de Ação de Durban.
Considera que, apesar de ações para proibir a discriminação e a segregação racial, milhões de seres humanos continuam sendo vítimas de racismo, discriminação racial, xenofobia e intolerâncias correlatas, inclusive suas manifestações contemporâneas, algumas das quais tomam formas violentas. De acordo com a resolução de criação da Década Internacional de Povos Afrodescendentes, “os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos e têm o potencial de contribuir construtivamente para o desenvolvimento e o bem-estar de suas sociedades, e que qualquer doutrina de superioridade racial é cientificamente falsa, moralmente condenável, socialmente injusta e perigosa e deve ser rejeitada, juntamente com teorias que tentam determinar a existência de raças humanas distintas”.
Saiba tudo sobre as ações deste ano em www.onu.org.br/especial/juventudenegra
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