Por 32 anos, o pernambucano Severino Gomes viveu numa gruta na Praia Vermelha, no Rio
Sigo seus passos, que pisam firme estalando folhas secas. Com sotaque pernambucano arretado, aos 61 anos, ele fala sobre cada pedaço da floresta, que conhece tão bem. “Vou te mostrar o que já foi uma fonte de água”, diz, caminhando por uma trilha que abriu ao longo de mais de três décadas, “É igual às formigas: conforme repetem o percurso, o caminho se forma”, conta. Há 34 anos, Severino Gomes da Silva escolheu a floresta da Urca pra chamar de lar e, com a permissão do Exército – “o único cidadão com permissão pra morar aqui” –, construiu sua casa em torno de uma gruta e uma figueira. Tornou-se “o guardião da fauna e da flora”, conhecido por todos os militares e frequentadores da Praia Vermelha. Por isso, não é difícil encontrá-lo, apesar de o seu relógio ser diferente e os compromissos serem marcados pela posição do sol e das estrelas.
Em frente à figueira da floresta da Urca
Desde menino, em Camocim de São Felix, interior de Pernambuco, Gomes, como é conhecido, saía pra roça de manhã e só voltava quando o sol se punha. “Me dê sua bênção, pai, que eu vou pro Rio de Janeiro”, disse, aos 25 anos. Foi. Com o curso de aprendiz de marinheiro em Recife, deu duro na chegada ao Rio: trabalhou como peão de obra, vendedor, na instalação de cabos telefônicos, na construção da usina nuclear de Angra, como guardião de piscina de hotel, porteiro e salva-vidas. Mas não pensou duas vezes quando surgiu a oportunidade de se mudar pro meio do mato, para onde foi em 21 de abril de 1979. Passava as noites pescando, “era robalo, anchova, garoupa, dourado”, vendia os peixes pros militares, comprava cigarro e birita e vivia em ritmo próprio.
Expulso de casa
“Eita, mas mudou muita coisa por aqui! Olha a abacateira como tá sem vida”, ele solta, enquanto seguimos até a gruta onde morava. É que há dois anos Gomes foi expulso de lá pela guarda municipal. “Me disseram que houve denúncia de que havia muito lixo. Eu tinha madeira pro fogo, pão velho pra espantar mosquito e isopor pra combustão”, lembra. “Pra eles podia parecer lixo, mas, pra mim, era útil”. Nem com o apoio do Exército o deixaram voltar. Ele não nega a mágoa de quem, após 32 anos cuidando do local, se vê posto para fora: “Já salvei muita vida nesses buracos, ajudei nego com fratura exposta, e me chutam assim”. Hoje, Gomes continua na região, numa barraca próxima ao mar. Desempregado, o pescador reclama que as águas da Praia Vermelha já não estão pra peixe. “Dou sorte de comer e usar o banheiro do quartel, mas preciso de dinheiro, afinal, moro na zona sul do Rio de Janeiro!”
Mas engana-se quem acha que esse homem das cavernas contemporâneo era solitário. Apesar de se sentir bem só com a companhia dos animais, ele se diz “muito popular”. Sua gruta estava sempre pronta pra receber visita, já que ele era muito procurado pra dar conselhos, falar sobre plantas medicinais e bater papo. Ele sabe que seu antigo lar é especial e gosta de compartilhá-lo. “Quando você volta?”, me pergunta.
Nenhum comentário:
Postar um comentário