terça-feira, 5 de agosto de 2014

Um ano depois, a CPI da violência contra a mulher tem poucos avanços

Só 3 dos 13 projetos de lei apresentados pela comissão foram aprovados. No Paraná, o MP criou o cadastro unificado para mapear maus- tratos domésticos
publicado: gazeta do povo - Gesli Franco
A Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) que investigou a violência contra a mulher no Brasil completa neste mês um ano da publicação do relatório final. Durante um ano e meio, a comissão percorreu todos os estados para traçar um panorama da rede de assistência às vítimas. Das 1.045 páginas do documento, 26 são dedicadas ao Paraná. A CPMI fez 32 recomendações ao estado, entre elas a criação e o fortalecimento de bancos de dados que permitam organizar ações de prevenção e combate à violência nas regiões mais críticas.

Os avanços nesse período foram tímidos em todo o país. Apenas três dos 13 projetos de lei apresentados pelo documento foram votados no Congresso Nacional. Ainda há muito para avançar, segundo a presidente da CPMI e coordenadora da bancada feminina na Câmara dos Deputados, Jô Moraes (PCdoB-MG), que ajudou a elaborar as recomendações de mudanças na rede de assistência às vítimas.

Prevenção
Londrina aguarda botão do pânico, estratégia para manter o agressor longe
Gesli Franco, com informações de Antoniele Luciano

O chamado “botão do pânico” continua sendo aguardado em Londrina, Norte do Paraná, o primeiro município do estado que receberá o sistema depois de Vitória (ES), pioneira na implantação. Segundo a prefeitura, a previsão é de que o aparelho seja distribuído até o início do ano que vem.

O objeto será entregue às mulheres que já contam com medidas protetivas, diz a juíza responsável pela 6ª Vara Criminal, Zilda Romeiro. “Acredito que teremos grandes mudanças logo no início, pois o agressor que sabe que a mulher tem o dispositivo vai pensar duas vezes antes de qualquer atitude.”

O sistema transmite dados a uma central de monitoramento cada vez que é acionado pela vítima numa situação de perigo. As informações, enviadas através de um sensor de GPS, permitem a localização geográfica da mulher e do agressor. O objetivo é facilitar o envio de uma equipe policial ao local. Ao mesmo tempo, um microfone também é acionado, gravando sons externos num raio de 5 metros. O material pode ser usado posteriormente como prova da desobediência do agressor em processos de instrução judicial.

Guarapuava se torna modelo de apoio às vítimas

Morgani Guzzo, especial para a Gazeta do Povo

Criada há pouco mais de um ano, a Secretaria de Políticas para Mulheres tem mudado a forma como a violência contra elas é tratada em Guarapuava. A cidade ocupa o 96.º lugar no ranking de homicídios de mulheres no país, segundo o Mapa da Violência de 2012. No Paraná, é a 10.º mais violenta, com 8,2 mulheres mortas a cada 100 mil – superior ao índice estadual (6,3) e ao nacional (4,4). A equipe da secretaria é formada por uma advogada, uma assistente social e uma psicóloga.

A secretaria promove cursos visando a emancipação financeira delas, além de treinamentos para fortalecer a Rede de Enfrentamento à Violência contra a Mulher de Guarapuava, direcionados aos profissionais da saúde, educação, assistência social e segurança. “Fazemos um trabalho conjunto, pois se não houver atendimento adequado a mulher não mantém a denúncia e, assim, fica ainda mais difícil realizar a investigação e punir o agressor”, diz a secretária da pasta, a vice-prefeita Eva Schran.

Assistente social da secretaria, Cláudia Chimiloski explica que o mais difícil ainda é convencer as mulheres a denunciar o agressor. “Devido à dependência emocional e muitas vezes financeira, muitas mulheres agredidas não levam adiante a denúncia”. Toda semana é realizada uma busca nos boletins registrados pelo 16.º Batalhão da Polícia Militar para recolher dados da vítima e fazer visitas e acompanhamento.

“Com os dados, vamos às residências, oferecemos apoio, convidamos para os cursos do Projeto Orquídea (de capacitação para o trabalho), auxiliamos a buscar emprego. Assim, criamos um laço e elas ficam mais à vontade para falar e mudar a situação em que vivem.” Dados da secretaria mostram que, entre abril de 2013 e março de 2014, foram registrados 578 atendimentos, 313 relacionados à violência. Já os dados do 16.º BPM registram 628 atendimentos no período.

Pelo trabalho, Guarapua­va foi escolhida como cidade polo da Região Centro-Sul do estado no enfrentamento à violência contra mulheres. A função é articular os mais de 50 municípios da região, mapear as estruturas existentes em cada um deles e apresentar as necessidades à câmara técnica estadual, integrante do Pacto Nacional pelo Enfrentamento da Violência contra a Mulher. “Ainda falta realizar um trabalho com o homem autor da violência. Encaminhamos para entidades, mas o trabalho com o agressor ainda é insuficiente”, pondera Eva Schran.

Entre os principais projetos que ainda aguardam entrada na pauta da Câmara está o Fundo Nacional de Enfrentamento à Violência contra Mulher, que destina recursos para melhorar os serviços de assistência, prevenção e combate aos maus-tratos. Ela pontua que o assunto deveria ser tratado com mais agilidade, diante dos constantes casos de agressão. “O Senado já avançou muito e nós vamos fazer uma pressão muito forte para que a Câmara dê entrada nos projetos faltantes até o final do ano.”

Políticas públicas

Para a deputada, todos os estados receberam o relatório de maneira positiva. Porém, como os apontamentos foram específicos para cada localidade, os avanços não seguem um mesmo padrão. A aplicabilidade ou não, segundo ela, depende do entendimento da necessidade das sugestões e da boa vontade de cada órgão e governo. “Foi um alerta do que é preciso fazer a cada dia. E em paralelo é necessário que se trabalhe a cultura da prevenção e não somente da repressão. Sabemos que isso leva tempo, por isso não podemos estacionar.”

A assistência à vítima de violência também deve permanecer no âmbito das políticas públicas, enfatiza a presidente da comissão. A Casa da Mulher Brasileira é um exemplo. O projeto do governo federal lançado no ano passado prevê a instalação de centros de atendimento multidisciplinar às vítimas de violência nas 27 capitais.

Até o momento, conforme a Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM), as obras estão em andamento em Brasília, Campo Grande (MT) e Vitória (ES). As outras capitais estão em processo de licitação. Em Curitiba, as obras estão previstas para iniciarem na segunda quinzena deste mês, na Avenida Paraná, no Cabral.

Em Curitiba, a Casa da Mulher Brasileira abrigará a Delegacia da Mulher, uma unidade do Juizado Especial de Violência Doméstica e Familiar, o atendimento de psicólogos e assistentes sociais da prefeitura, além de serviços do Ministério Público e da Defensoria Pública. Também contará com alojamento de passagem, brinquedoteca, central de transporte e serviços voltados a promover a autonomia econômica das mulheres em situação de violência, nas áreas de trabalho, renda e empreendedorismo feminino.

Após ‘puxão de orelha’, MP cria cadastro para mapear violência

A Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) dedicou ao Paraná 26 das 1.045 páginas do relatório final, propondo 32 recomendações para enfrentar a violência contra a mulher. Pelo relatório, os dados oficiais do estado sobre a assistência às vítimas eram inconclusivos. O motivo seria a dificuldade em completar todas as informações pela falta de mecanismos e até pela inexistência de estatísticas completas sobre os casos.

Da mesma forma que no restante do país, recomendações foram feitas ao governo estadual, Ministério Público (MP-PR) e Tribunal de Justiça (TJ-PR). No mapa da violência, o estado está na 3.° posição do ranking dos mais violentos, com taxa de 6,3 homicídios femininos por ano para cada 100 mil mulheres, superando a média nacional, de 4,4.

De acordo com a coordenadora do Núcleo de Promoção da Igualdade de Gênero (Nupige) do MP, Mariana Bazzo, o “puxão de orelha” da comissão serviu para refletir sobre as lacunas do órgão. Como resposta à recomendação, o MP criou um cadastro unificado entre as promotorias para mapear a violência doméstica no estado.

Mariana explica que o sistema antigo servia apenas para controlar as atividades internas, sem atender os registros de investigações da Lei Maria da Penha. O novo sistema, diz ela, permite detalhes de cada caso. Por exemplo, os tipos de violência sofridas, em quais regiões, em quais municípios e até os bairros onde as agressões ocorrem com mais frequência.

Informações como data da agressão e não somente do registro da ocorrência também passaram a ser computados, além de dados detalhando se o crime aconteceu dentro ou fora de casa, se houve aplicação de medida preventiva à vítima e a relação afetiva ou parentesco do agressor com a mulher.

“Eu passei anos no interior do estado e sei que a violência contra a mulher não é exclusividade das cidades grandes. Esse mal assola até a menor das comarcas. Por isso é preciso um trabalho em conjunto para identificar e organizar os dados. Só assim poderemos trabalhar para mudar a realidade.”

A reportagem procurou o TJ e a Secretaria da Justiça durante cinco dias para saber se houve implantação de alguma recomendação feita pelo relatório da CPMI, mas não obteve nenhuma resposta.

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