publicado: gazeta do povo
Pela “despolaquização” de Curitiba, grupo de músicos lança canção em homenagem aos imigrantes do Haiti que vivem na cidade
Os cerca de 2 mil haitianos que vivem e trabalham em Curitiba ainda não têm um clube próprio. Tampouco emprestam seus nomes afrancesados a alguma rua. Mas os creoles, de certa forma, podem comemorar porque não são mais (tão) invisíveis: sua recente história por aqui é motivo de inspiração para um grupo de sete jovens músicos da Faculdade de Artes do Paraná (Fap), integrantes da banda Alimentadores da Região.
A música traça um rápido panorama do cotidiano dos haitianos por essa cidade que um dia já foi refúgio de poloneses, italianos e alemães. O Haiti não é aqui, mas o Água Verde, durante a construção da nova Arena da Baixada, se tornou um pedaço dele. A canção lembra-se disso. Também dos pensionatos onde vivem alguns haitianos. E, por fim, do Butiatuvinha, maior reduto dos caribenhos por essas bandas frias.A letra da canção “CWBTI”, disponível para audição na internet (veja serviço abaixo), é de Giovana Luersen, outra usuária dos alimentadores, ligeirões e convencionais amarelinhos. “Moro no Centro. Percebi que havia haitianos em todas as partes, em todos os horários. Fiquei interessada no assunto e vi que ninguém havia se ligado nesse momento histórico importante,” diz Giovana, voz e violão do grupo Alimentadores da Região, formado em 2012 no pátio da faculdade.
Talvez o grupo tenha até aplicado conceitos dos estudos culturais ou de sociologia da música, disciplinas que ainda estudam na Fap, para talhar a canção. Mas o fato de a composição ser dividida em duas partes quase antagônicas entre si – começo reggae, desfecho punk – vem da observação em campo. “Apesar de tudo, da nossa aceitação, sempre vejo pessoas falando mal de haitianos. São os ‘curitibocas’ em ação”, cutuca Giovana, curitibana-leite quente assim como quatro dos outros músicos.
“Despolaquização”
O mais recente fenômeno de imigração ainda vai dar o que falar, mas para o grupo ele já suscita pistas sobre como os fatores culturais da cidade podem se reorganizar. Seria, como afirma o grupo numa troça étnica, a “despolaquização” de Curitiba. “Apesar da loucura deste mundo, percebemos de fato que os haitianos estão entre nós, produzindo e trabalhando. Através da música, queremos que as pessoas percebam isso também”, diz Asaph Eleutério, voz e violão da banda.
Se em outros cantos a imigração atual é motivo de complexas e até violentas reações sociais – turcos na Alemanha, africanos na França, por exemplo – em Curitiba o problema parecia ser a indiferença. “As novas diásporas continuam”, diz a flautista Fernanda Fausto. “Se pensarmos de forma ampla, é a construção de uma nova identidade, seja aqui ou na França.” Allez.
Cenário da canção é o maior reduto dos imigrantes
Eles estão mesmo nas ruas, embora sempre a trabalho, nunca pela esmola. Sobreviventes do terremoto que devastou o Haiti em 2010, rapidamente enxergaram o Brasil como nova Canaã. Mesmo que tivessem curso superior, foram, como mostram alguns trechos do documentário Operários da Bola, mão-de-obra fundamental para a construção dos estádios brasileiros para a Copa de 2014. Em Curitiba, a história foi mais ou menos a mesma.
De acordo com informações atualizadas da Pastoral do Migrante, são cerca de 5 mil os haitianos no Paraná. Dois mil deles estão em Curitiba e trabalham, em sua maioria, na construção civil.
Durante o auge das obras na Arena da Baixada, 1,5 mil homens batiam ponto no Água Verde – quatrocentos deles eram haitianos, cerca de 30% do total. Os caribenhos também venderam seus muques durante a construção do Shopping Pátio Batel, inaugurado em setembro de 2013.
Em Curitiba, a maior concentração de imigrantes está na vila Três Pinheiros, no Butiatuvinha, região de Santa Felicidade. É justamente esse um dos cenários da música “CWBTI”.
Ainda segundo a Pastoral, o movimento imigratório agora é interno, com haitianos saindo de São Paulo e do Rio de Janeiro em direção a Curitiba, sempre em busca de trabalho. Ao menos do frio eles já vêm avisados.
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