quinta-feira, 11 de setembro de 2014

“Até quando a branquitude brasileira vai falar por nós?”

Para a feminista Aline Djokic, reação contra série da Globo “O Sexo e as Nêga” indica que as mulheres negras “estão cansadas de ver somente estereótipos de si mesmas, em todo e qualquer veículo midiático”
Sexo-e-as-Nega
Por Jarid Arraes
publicado: Revista fórum

Prestes a estrear na Rede Globo, a nova série “O Sexo e as Nêga”, de Miguel Falabella, tem recebido críticas de movimentos de mulheres negras, que consideram o seriado racista e machista. O protesto coletivo reúne textos e discussões nas redes sociais, além de páginas manifestando repúdio. Uma delas, criada com o intuito de mobilizar pessoas e boicotar a programação, conta com quase 14 mil curtidas até o momento.

Segundo a feminista negra Aline Djokic, muitas mulheres negras estão se juntando contra o programa para reivindicar uma representatividade livre de estereótipos. “Fico muito contente em ver essas iniciativas partindo das mulheres negras, de todas as idades, que estão cansadas de ver somente estereótipos de si mesmas, em todo e qualquer veículo midiático. Elas estão cansadas de serem tratadas como seres sem agência, sem capacidade de escreverem suas próprias histórias, que evidenciariam sua maneira de ver e vivenciar o mundo. Até quando a branquitude brasileira vai falar por nós? Até quando a nossa sociedade racial ‘igualitária’ vai se contentar com a visão que a branquitude tem de nós e dos espaços que a exclusão social previu para nós?”, questiona.

Miguel Falabella publicou na última terça (9) uma mensagem em sua conta pessoal no Facebook, reagindo às críticas, que considera “bobagens” e “caretice”. Falabella causou mais revolta ao declarar que as críticas partem de “negros que voltam as costas aos negros”, afirmando que são como os antigos capitães do mato que perseguiam seus irmãos fugidos. “A boa parte da branquitude insiste em lutar pelo direito de ‘usufruir’ da herança racista e escravagista do passado, do direito de permanecer na Casa Grande e só adentrar a Senzala toda vez em que o desejo de fetichização do corpo negro tornar-se latente. Para isso nos levantamos e gritamos: Chega! Não passarão!”, afirma Aline Djokic.

Djokic é graduanda em Literatura Portuguesa e Espanhola e em Pedagogia pela Universidade de Hamburgo na Alemanha e afirma que não é a primeira vez que Falabella produz conteúdo racista. “A linha de humor que ele preza é a que eu chamaria de ‘abaixo da cintura’. Na minha graduação acabei escolhendo a área de análise de filmes, de programas televisivos, na parte referente ao conteúdo e ao discurso racial. Não é a primeira vez que analiso personagens negros de obras desse autor, assim como o discurso que os envolve nessas obras. O olhar do autor sempre se mostrou racista (des)velado, deixo o prefixo entre parênteses, pois considero esse tipo de racismo naturalizado extremamente violento e nada ‘velado’ como alguns insistem em afirmar.”

As manifestantes ainda planejam protestos nas ruas, que estão sendo organizados também pelas redes sociais, e devem acontecer esse mês em cidades como Porto Alegre e São Paulo. No YouTube, foi criada a websérie #AsNegaReal, uma iniciativa de Djokic com facilitadoras do portal Blogueiras Negras, que se dedicará em comentar e criticar os episódios da série global.

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