por Rodrigo Martins — publicado Carta Capital
A diarista Kelly Cristina Caetano, de 44 anos, vive em um apertado barraco em Cidade Estrutural, comunidade erguida no entorno de um lixão do Distrito Federal. Basta um carro passar pela rua de terra batida para uma espessa nuvem de poeira vermelha recobrir o casebre. As paredes de madeira compensada mostram-se incapazes de aplacar o calor que castiga o Centro Oeste nesta época do ano. Tampouco protegem a família dos ataques de ratazanas. “Meu filho chegou a ficar internado após receber uma mordida. Fiquei desesperada, a mão dele inchou e não parava de sangrar”, conta. Apesar das agruras, Kelly demonstra uma inabalável confiança num futuro melhor. “Agora estamos bem melhor. Ao menos não falta comida em casa”.
Franzina e com a pele precocemente envelhecida, Kelly conhece bem a anatomia da fome. Deu a luz a 12 filhos, e buscou alimentá-los como pôde. “Muitas vezes, não tinha nem arroz ou feijão. Passávamos dias comendo polenta de fubá. Quando faltava o leite das crianças, batia chá com biscoito de maisena no liquidificador”, diz, sem esconder o desconforto. Um de seus filhos morreu bebê, por não resistir a uma infecção hospitalar. O mais novo, Augusto, de seis anos, nasceu com encefalopatia, espécie de paralisia cerebral. Para cuidar do menino, ela teve de recusar ofertas de emprego. A família depende do trabalho do marido, que faz bicos de pedreiro. Renda fixa? Só os repasses de programas socais, como Bolsa Família e DF Sem Miséria. “Sem isso, ainda estaríamos à base de fubá.”
A diarista e sua família integram um contingente de 15,6 milhões de brasileiros que superaram a subalimentação desde o início dos anos 2000. O feito permitiu ao Brasil abandonar o vergonhoso mapa mundial da fome, revela o último relatório sobre segurança alimentar da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO, na sigla em inglês), divulgado na terça-feira 16. Hoje, apenas 1,7% da população não sabe se terá garantida a próxima refeição. Ainda que isso represente 3,4 milhões de bocas famintas, o País é apontado como uma referência mundial no combate à fome pela forte redução verificada nas últimas décadas. Em 1990, 25 milhões de cidadãos estavam subalimentados, 15% dos habitantes do País.
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