Conselho Estadual de Promoção da Igualdade Racial é finalmente empossado, com a expectativa de dar força às denúncias. Mas canal telefônico completará uma década sem implementação
Criado legalmente há um ano para especializar o encaminhamento e a apuração de denúncias de discriminação étnico-racial, o Conselho Estadual de Promoção da Igualdade Racial só teve seus integrantes empossados no início deste mês. E eles ainda precisam se reunir para definir o regimento interno e a periodicidade dos encontros do órgão, de caráter deliberativo, consultivo e fiscalizador. Já o Programa SOS Racismo, que inclui um canal telefônico para receber as demandas raciais no Paraná, ficou para 2015 – uma década depois de sua criação por lei estadual.
Para a secretária de Justiça, Cidadania e Direitos Humanos (Seju) do Paraná, Maria Tereza Uille Gomes, o grande ganho do conselho é “especializar a matéria”, uma vez que até hoje as denúncias são encaminhadas genericamente via Ministério Público. “Não há tratamento especial para esses casos, nem canal direto. As denúncias são feitas pelo Disque 100 ou por protocolo junto ao Departamento de Direitos Humanos da Seju.”
O órgão, explica Maria Teresa, é paritário, formado por 14 representantes de órgãos públicos e outros 14 da sociedade civil organizada. “O objetivo é deliberar sobre políticas públicas que promovam igualdade, para combater a discriminação étnico-racial e reduzir desigualdades sociais, econômicas, políticas e culturais. E também fiscalizar as políticas públicas, de acordo com o Estatuto da Igualdade Racial, de 2010.”
O intervalo de um ano entre a criação e a posse do Conselho Estadual de Promoção da Igualdade Racial, segundo a secretária, deveu-se às dificuldades no trabalho de articulação. “Cada entidade tem seu tempo. Até cada um indicar um titular e um suplente... Não temos domínio sobre isso”, justifica. Embora com atraso, a consolidação do conselho coincide com uma série de decisões da Justiça favoráveis a pessoas discriminadas no trabalho.
Pena por omissão
Há quatro anos, o então entregador de bebidas Rodrigo Menezes Reis, 33 anos, foi vítima de discriminação racial no trabalho e acabou demitido por querer relatar a situação a um dos donos da empresa, que viria para uma confraternização na filial de Curitiba. “Esse rapaz, o Vanderlei, trabalha lá até hoje. Um dia, ele me disse ‘você é muito folgado, seu macaco. Você mora em um buraco’. E esse buraco é o Parolin, onde fica a Schincariol, de onde ele tira o pão”, lembra.
Ignorado pelos superiores imediatos, Reis procurou uma delegacia no bairro Água Verde e ouviu do atendente que o “caso não era de muita urgência”, por isso deveria procurar outro local para fazer a denúncia. No dia seguinte, foi dispensado da empresa. No fim do mês, o Tribunal Regional do Trabalho (TRT-PR) condenou a empresa a pagar R$ 20 mil a Reis por omissão diante da agressão. No entendimento dos desembargadores, é papel da empresa garantir a harmonia e o respeito no ambiente de trabalho.
“Comentários alusivos à cor ou etnia da pessoa classificam-se como de cunho discriminatório e não podem ser tolerados”, diz o acórdão. Uma semana antes, a 5.ª Vara do Trabalho de São José dos Pinhais condenou UM HOTEL a indenizar em R$ 100 mil uma auxiliar de cozinha que desenvolveu depressão e síndrome do pânico após sucessivas agressões por parte de uma supervisora. Segundo a sentença, ela era chamada de “preta, gorda e de cabelo ruim”, e ouvia frases como “você tem que fazer serviço de branco para ficar bem feito e não de preto”. Cabe recurso nas duas situações.
Para agredido, punição serve para educar
Vítima de discriminação racial no trabalho, sem ter a quem recorrer, o trabalhador do ramo da construção Rodrigo Menezes Reis acabou procurando um ADVOGADO. “Procurei porque eu não poderia ter sido demitido com dois filhos para dar pensão, mas também porque eles [empregadores] precisavam ter tomado alguma atitude. Não queria que demitissem [o agressor], mas que dessem um ‘gancho’, senão o pessoal vê que nada acontece e vira fervo.” Ele reclama da ausência de canais ao cidadão para viabilizar denúncias desse tipo. “Falta bastante.”
Criado por lei estadual em 2005, o Programa SOS Racismo está em fase de implementação, de acordo com a Seju. A expectativa era de que o canal telefônico passasse a funcionar no início deste ano, mas acabou não saindo do papel por “atrasos em algumas liberações e consecução dos editais”, segundo a assessora técnica do Departamento de Direitos Humanos e Cidadania da Seju, Fátima Ikiko Yokohama.
Segundo ela, o canal telefônico é apenas uma parte do SOS Racismo – papel que neste momento é exercido pelo Disque 100, do governo federal. “Criamos um setor específico de igualdade racial dentro do departamento, temos um grupo técnico com três pessoas, que atendem ao SOS Racismo, com esse caráter de ouvidor das demandas da sociedade.”
Apuração dos casos
Fátima afirma que, mais do que registrar ligações, o programa tem como objetivo apurar as denúncias. “Esperamos implantar esse atendimento a partir de 2015.”
Ela destaca que, mesmo sem um conselho, o movimento étnico-racial sempre se organizou e encaminhou as denúncias. “Mas eles nos colocam essas dificuldades de encaminhamento, ações mais diretas de acompanhamento, cobrança e apuração das denúncias. Agora, eles ganham esse ‘locus’ específico para trazer as discussões.” Fátima não sabe precisar o volume de denúncias recebidas pela Seju, mas afirma que “elas existem”.
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