publicado: gazeta do povo
Pesquisa mostra que 51% aprovam a acolhida de estrangeiros. Mas 13% são contra e 36% fazem ressalvas
Os recentes casos de xenofobia, racismo e intolerância denotam que Curitiba não pode se esquivar do debate sobre a imigração. O fantasma assusta. Ontem, a Gazeta do Povo mostrou que, nos últimos três meses, 13 haitianos foram espancados dentro de empresas na capital. Pesquisa feita pela Brain Bureau Inteligência Corporativa demonstra que, apesar de a maioria dos curitibanos ver com bons olhos a vinda de estrangeiros, o índice de rejeição a imigrantes ainda é grande.
O levantamento aponta que 51% dos entrevistados se manifestaram favoráveis a Curitiba acolher pessoas de outros países. Por outro lado, 36% só aprovam o fenômeno dependendo do imigrante e 13% são contrários a qualquer tipo de imigração. E 15% acreditam que o trabalho dos estrangeiros radicados em Curitiba prejudica a economia. Para 48%, depende: os imigrantes podem ajudar ou atrapalhar. Só 37% consideram que os forasteiros contribuem com a cidade por meio do trabalho.
Parte da Europa, que vive às voltas com casos de xenofobia, tem números semelhantes aos de Curitiba. Em um referendo realizado em fevereiro na Suíça, 50,3% da população local consideraram que o país deveria instituir cotas de imigração. Na ocasião, nações como França e Alemanha manifestaram preocupação com as reações que a iniciativa (ainda não implantada) poderia causar.
No Brasil, segundo o Ministério da Justiça, três principais fluxos migratórios convergem atualmente para a capital paranaense com maior força: africanos, sulamericanos e, principalmente, haitianos. Curitiba é a quarta cidade brasileira que mais recebe imigrantes do Haiti. Estima-se que mais de 2,5 mil deles estejam vivendo na capital. De acordo com a pesquisa, 71% dos curitibanos aprovam a vinda de haitianos. Outros 17% rejeitam a presença dos imigrantes do Haiti e 12% disseram não ter opinião formada. A reprovação é sentida de forma velada por quem teve de deixar sua terra e buscar uma vida melhor.
“Às vezes, a gente senta em um banco de praça e as pessoas fazem cara feia, se levantam e vão para outro lado”, disse o haitiano Morales Moralos, de 38 anos. “Eu vim aqui para trabalhar, para ajudar. Mas parece que não temos direitos [trabalhistas]. E os piores trabalhos ficam para haitianos. Se tiver um haitiano e um brasileiro, a empresa vai escolher o brasileiro”, acrescentou Feguner Toussaint, de 30 anos. Ambos estão desempregados.
Preconceito
O debate ocorre 140 anos depois de Curitiba receber as primeiras levas de estrangeiros. No fim do século 19, vieram os alemães, italianos, poloneses e ucranianos. Hoje, o fluxo migratório envolve estrangeiros de pele negra. Para o sociólogo Lindomar Bonetti, professor da PUCPR, a rejeição pode estrar atrelada aos laços europeus de Curitiba e ao pensamento “branco”.
“Parece que, quanto mais desenvolvida a região, maior é um grau de conservadorismo. É a dificuldade de compreender o diferente e o medo de perder espaço para este. O branco se vê ameaçado do ponto de vista cultural e da conquista dos espaços sociais.”
As vítimas à espera de Justiça
O haitiano Jean* é uma das vítimas recentes da xenofobia. Auxiliar em uma rede de restaurantes, ele foi espancado pelo chefe de cozinha no ambiente de trabalho e no ALOJAMENTO da empresa. O rapaz acredita que tenha sido agredido por ser negro e imigrante. “Eu acho que quem faz isso é quem não tem um nível intelectual. Quem estudou não vai fazer uma coisa dessas, porque sabe que julgar pela cor é errado”, diz. Enquanto isso, aguarda Justiça.
Para a presidente da Comissão de Direitos dos Migrantes da Ordem dos Advogados do Brasil, Nádia Floriani, é preciso superar o preconceito. “Os migrantes não vêm para um cruzeiro. É uma migração forçada. Vêm porque precisam”, diz. “As pessoas deveriam ver o lado positivo. Como nossos antepassados, os imigrantes são pessoas que vieram para contribuir com o desenvolvimento econômico e cultural da sociedade.”
Outro braço forte na defesa dos estrangeiros tem sido o Ministério Público do Trabalho (MPT). Neste ano, o órgão inspecionou quatro obras para checar se os direitos trabalhistas estavam sendo assegurados. Em duas delas, houve irregularidades. “Havia haitianos trabalhando sem contrato ou sem anotação na carteira”, diz o procurador Alberto Emiliano de Oliveira Neto. “Toda essa violação de direitos sociais nos preocupa muito. Temos de não só combater as irregularidades, mas atuar de forma pedagógica, de forma a derrubar certos mitos e dogmas.”
Os 13 haitianos agredidos desde julho no trabalho em Curitiba estão sendo acompanhados pelo MPT, OAB e Casa Latino-Americana (Casla), que precisa de ADVOGADOS voluntários. Cada ocorrência gerou uma ação trabalhista e uma criminal. Ontem, uma das vítimas – um rapaz espancado depois de ser chamado de “macaco” e “escravo” – distribuía currículos no Centro da capital.
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