Raphael Marchiori e Carolina Pompeo, especial para a Gazeta do Povo
A discussão sobre reabilitação de adolescentes em conflito com a lei passa pela questão da saúde mental. Em pesquisa realizada para sua tese de doutoramento pela UFPR, o psiquiatra Gustavo Schier Dória verificou que 81% dos adolescentes entrevistados possuia diagnóstico de um ou mais transtornos psiquiátricos. Em uma população de jovens que não estão em conflito com a lei esse índice fica entre 10% e 15%.
Os resultados obtidos indicam a necessidade de se pensar em mecanismos no interior do atendimento socioeducacional que permitam o diagnóstico e o tratamento apropriado desses adolescentes.
“Não se pode resumir o problema a isso, pois a criminalidade envolve questões ambientais, sociais e familiares. Porém, a incidência de transtornos psiquiátricos não pode ser ignorada”, diz.
Para ele, a reabilitação passa por acompanhamento e reestruturação afetiva, comportamental e cognitiva.A família do menor também precisa de acompanhamento psiquiátrico e psicoterapêutico. Dória verificou que 49,2% dos jovens infratores vêm de famílias que apresentam mais de um caso de problemas com a lei. Além disso, 40,5% dos pais e 14,5% das mães desses adolescentes possuem algum transtorno psiquiátrico, sendo mais comum o alcoolismo e o uso de drogas entre os pais e a depressão entre as mães.
Recuperação é possível
A psicóloga Giovana Munhoz da Rocha atuou no Programa Fênix, uma reabilitação específica para esses adolescentes que ocorreu no governo estadual entre 2005 e 2007. Na época, ela atendeu 11 adolescentes infratores de alto risco diagnosticados com transtornos psiquiátricos. Durante dois anos após a desinternação ela acompanhou os jovens e mantém contato com alguns até hoje.
A abordagem adotada por ela previa a redução de comportamentos indesejáveis – hostilidade, mentira e culpabilização dos outros pelos próprios atos – e aumento dos comportamentos desejáveis - autorrevelação, expressão de sentimento positivo e expressão de arrependimento.
“O senso comum diz que esses meninos nasceram maus. Eles mesmos se estereotipam, a gente tem que mostrar que são produto de um meio, pois as histórias de vida deles são histórias de horror. Eles podem se reabilitar”, esclarece.
Sua passagem pelo Fênix lhe rendeu uma das experiências mais marcantes vividas até hoje. Eduardo* foi um dos internos do programa atendido por Giovana. Os delitos: homicídio e estupro. O diagnóstico: transtorno de personalidade antissocial. “Foi o tratamento mais longo e mais difícil. Ele saiu do sistema só com 21 anos. A juíza liberou com a condição de que eu fosse sua tutora legal. É muito comprometimento, mas confiei no tratamento e banquei. Fui tutora dele por quase três anos”, lembra. Eduardo vive hoje em uma chácara afastada, de quando em quando entra em contato com a doutora e confirma: não reincidiu.
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