domingo, 22 de junho de 2014

Para ouvir o Haiti

publicado: gazeta do povo - 21/06
Músicos haitianos fundaram em Curitiba o grupo Recif, que pretende mostrar a cultura do país por meio do compas, seu ritmo mais tradicional
Entre os muitos percalços que os haitianos vêm encontrando ao se instalarem no Brasil nos últimos anos, o não reconhecimento de suas habilidades e talentos pode ser o pior – pelo menos para os jovens músicos do Haiti que fundaram em Curitiba o grupo Recif, em janeiro deste ano.
A banda foi criada com um propósito defendido de forma apaixonada por seus 18 integrantes: mostrar, por meio de um gênero tradicional do Haiti, o compas, uma faceta cultural do país caribenho que a maioria dos brasileiros não conhece.
A ideia também é um desafio ao preconceito. “Há pessoas no Brasil que acham que os haitianos e o povo negro não conhecem nada, não têm nada de bom para oferecer. Por isso, nos tratam mal. Mas temos talentos escondidos”, explica Evens Mondesir, um dos cantores do grupo, que se apresenta neste domingo, às 19 horas, na Pulse.
O nome da banda vem da palavra recife, em francês, e é uma espécie de resposta a esse menosprezo percebido pelos haitianos. Na metáfora do grupo, o recife é o obstáculo que surpreende o navio de cruzeiro e o afunda. Em outros termos, é um fator que pega de surpresa alguém que se considera em uma posição de superioridade.
“Todo o povo haitiano é um recife. Se você conhecer a história da independência do Haiti da França, verá que somos o primeiro povo negro livre, que venceu o exército francês, o maior do mundo na época”, explica o guitarrista, compositor e arranjador Amos Saint-Juste, líder do grupo.
Compas
As armas do Recif, no entanto, são canções solares, dançantes, tocadas com alegria pelos seus integrantes, que já se conheciam no Haiti – a maioria é da região de Gonaives, cidade do norte do país. As letras falam de temas como amizade, como em “Mwen La Toujou”, uma das músicas tocadas pelo grupo, que também está criando suas próprias composições.
O compas é um gênero popular cheio de síncopas, derivado do méringue, um ritmo haitiano de raiz. Ficou conhecido nos anos 1950 por meio do músico Nemours Jean-Baptiste (1918-1985), e divide as atenções dos haitianos com a invasão do zouk, outro estilo caribenho de sucesso massivo, originário de Guadalupe.
No Recif, é tocado com guitarras (Saint-Juste e Elysée Succes), contrabaixo (Bertrode Darius), teclados (Gédéon Sajous e Abdias Marcelin), bateria (Harry Mervil e Mdjy Oscar) e percussões (Becken Noel, Claudin Presendieu e Dieucene Archelus). Completam o grupo os cantores Sonel Mondesir, Evens Mondesir, Daniel Felice e Berthony Pierre, além de Ezechiel Charles, Huguenson Jean, Pierre-Michel Jean e Reginald Elysee, em funções administrativas.
Os integrantes do grupo entraram no Brasil com visto, favorecidos pelo acordo diplomático firmado com o país caribenho. Têm ensino superior e trabalham em áreas variadas. O principal objetivo é viver de música. “Tem gente que vem para trabalhar na construção civil. A maioria do povo brasileiro pensa que todos vêm para isso. Mas também temos uma cultura para mostrar”, diz Saint-Juste, que estuda violão no Conservatório de MPB. “É isso que vamos explorar”, completa Evens.


Nenhum comentário:

Postar um comentário