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Mônica Francisco, em artigo publicado no Jornal do Brasil, fala sobre a impunidade brasileira e o tratamento severo aos pequenos delitos praticados por negros e pobres, enquanto grandes atos de corrupção, conhecidos como crimes do colarinho branco, são tratados com menor rigor e recebem maior tolerância social: “Gritamos por redução da maioridade penal mas votamos naqueles que matam por roubar dinheiro da educação, saúde, dinheiro nosso e do nosso trabalho, nosso sangue”
O tratamento diferenciado aos diversos autores de crimes, oferecendo rigorosidade e penas severas a infrações leves, entretanto, praticada por uma população, em geral, negra e vinda de territórios populares, enquanto outros, empresários, articulados ou ligados a atores de posse de respeito e zelo social de outros indivíduos pertencentes a diversos níveis de poder, são absolvidos ou tratados com respeito e privilégio pela justiça brasileira, é tema de artigo publicado no Jornal do Brasil escrito por Mônica Francisco, representante da Rede de Instituições do Borel, Coordenadora do Grupo Arteiras e aluna da Licenciatura em Ciências Sociais pela UERJ: “Somos implacáveis quando vemos um jovem negro cometer delitos. (...) Mas quando assistimos à sanha criminosa de empreiteiras e políticos, expostos pela própria polícia, mídia e justiça, nos limitamos a dizer que não vai dar em nada, que tudo acaba em pizza, e o tudo acaba em pizza vira mantra para não nos darmos conta de que somos cada vez mais aborrecidos, mas condescendentes com os poderosos e extremamente severos com os mais fracos”.
Monica traz ainda, enquanto exemplo da disparidade jurídica no Brasil, o cenário atual nas carceragens brasileiras e a passividade social com que esse tema é tratado, assim como os crimes de colarinho branco: “Os números da população carcerária nos deveriam causar constrangimento, sim porque eles não são o resultado de eficácia na aplicação da justiça e sim nosso atestado de falência no que diz respeito a ela” e completa: “Os crimes, sim crimes praticados por doleiros, empreiteiros, empresários, os famosos crimes do colarinho branco, nos afrontam cotidianamente e convivemos com eles com a mesma passividade com a qual convivemos com os números alarmantes de negros ou não brancos jovens que são mortos de forma extremamente violenta anualmente neste país”.
Leia a seguir o artigo completo.
Por *Mônica Francisco para o Jornal do Brasil
As empreiteiras, a Justiça e a impunidade
Ao ouvir o senso comum nas ruas e nas vielas das favelas, bares, "tendinhas", esquinas ou outra roda de conversa qualquer onde o assunto seja a tão propalada e desejada justiça, vem logo a célebre frase: "Cadeia é para pobre, preto e favelado."
Em seguida um sem número de exemplos vêm como enxurrada: corruptos que recebem tratamento privilegiado desde a suspeita até o momento que culmina com o breve ato da prisão. Algemas, exposição vexatória, algum "carimbo" especial deixado por alguma utilização de força "desproporcional" não cabem nesta "agenda".
Sabe-se exatamente qual será o futuro do pretenso ato de fazer justiça e dar uma satisfação à sociedade. Tudo isso acaba com um arquivamento aqui, uma pessoa que era ligada a tal político ou empreiteiro, empresário ou afins e que fazia tudo sem conhecimento da vítima injustiçada e caluniada. Tudo ficará esclarecido e nada terão contra o dito cidadão de bem que confiou, pobre coitado, em algum assessor, conselheiro ou vice-presidente que não devia. Filme trash, repetido com direito a infindáveis releituras.
À classe dominante, dita culta, letrada e de fina cepa, ainda que conquistada de maneira duvidosa, não cabem muitos destes exemplos. Donos de empreiteiras enchem os jornais e noticiários diariamente.
Os números da população carcerária nos deveriam causar constrangimento, sim porque eles não são o resultado de eficácia na aplicação da justiça e sim nosso atestado de falência no que diz respeito a ela. Já escrevi aqui e torno a repetir que a prisão brasileira é monocromática majoritariamente, ou quando não, com algumas nuances sempre para cima, sempre em um tom a "mais".
Somos a quarta maior população carcerária do mundo, perdendo somente para Estados Unidos, China e Rússia. Segundo o Conselho Nacional de Justiça, temos mais de quinhentas mil pessoas presas no Brasil.
Os crimes, sim crimes praticados por doleiros, empreiteiros, empresários, os famosos crimes do colarinho branco, nos afrontam cotidianamente e convivemos com eles com a mesma passividade com a qual convivemos com os números alarmantes de negros ou não brancos jovens que são mortos de forma extremamente violenta anualmente neste país.
Somos implacáveis quando vemos um jovem negro cometer delitos, não me refiro aqui a crimes mais graves, falo de pequenos delitos.A sanha por justiça se manifesta de forma primitiva e vamos às raias da loucura para vingarmos o crime pela sensação de impunidade, mas quando assistimos à sanha criminosa de empreiteiras e políticos, expostos pela própria polícia, mídia e justiça, nos limitamos a dizer que não vai dar em nada, que tudo acaba em pizza, e o tudo acaba em pizza vira mantra para não nos darmos conta de que somos cada vez mais aborrecidos, mas condescendentes com os poderosos e extremamente severos com os mais fracos.
Gritamos por redução da maioridade penal mas votamos naqueles que matam por roubar dinheiro da educação, saúde, dinheiro nosso e do nosso trabalho, nosso sangue. Parafraseando o naturalista francês Auguste de Saint-Hilaire (1779-1853) que cunhou a frase "ou o Brasil acaba com as saúvas ou as saúvas acabam com o Brasil", por conta de uma praga das danadinhas que ameaçava as grandes plantações, ou acabamos com a corrupção endêmica ou ela acabará conosco como nação.
As favelas e áreas periféricas do Rio de Janeiro conhece bem todos os impactos causados pelas grandes empreiteiras e muitas delas envolvidas em escândalos públicos. Escrevo esse artigo com a notícia de que a soltura dos envolvidos na Operação Lava-Jato não acontecerá como anunciado nesta segunda-feira, 19 de maio.
Que nossos magistrados com mão tão pesada para punir os menos afortunados, tenham serenidade e bom senso, e mais do que isso, humanidade para entender onde de fato está o mal do Brasil, quem de fato é a personificação do mal neste país e onde ele se manifesta de forma tão ou mais cruel do que nos becos e vielas da favela ou das grandes periferias deste país.
Me parece que o mal veste terno e tem classe, ah, e tem dinheiro para comprar o que eles entendem ser sua própria justiça. Que nossos magistrados possam mostrar-lhes que justiça e honra não se vendem. De verdade, torço pra isso.
Não podemos mais continuar compactuando de forma passiva e quase que hipnótica com estas práticas que nos afrontam diariamente. Rios de dinheiro para empreiteiras e hospitais completamente sucateados, escolas em situação vergonhosa e sem falar no déficit de moradias para as camadas mais baixas da população. Queremos ver a cadeia menos monocromática e tão diversa como o país, precisamos da cura, ou a corrupção nos consumirá como uma peste.
"A nossa luta é todo dia e toda hora. Favela é cidade. Não à GENTRIFICAÇÃO ao RACISMO, ao RACISMO INSTITUCIONAL, ao VOTO OBRIGATÓRIO e à REMOÇÃO!"
*Representante da Rede de Instituições do Borel, Coordenadora do Grupo Arteiras e Consultora na ONG ASPLANDE.
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