por: Leonardo Sakamoto
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O medo é construído diariamente por uma sociedade que torna os
objetos uma estrada para alcançar a felicidade. Se perdemos o objeto,
perdemos quem somos, perdemos nossa inserção e o reconhecimento à nossa
existência. Se não temos, deixamos de existir. Argamassa fundamental
para o fortalecimento do medo, portanto, são os discursos de pânico, que
amplificam aquilo que seria apenas local, tornado universal por conta
do poder de reverberação de determinado grupo atingido. O medo dos mais
ricos torna-se o medo dos mais pobres – por mais que os mais pobres
tenham um milhão de razões a mais para sentir medo e não apenas aquela.
Medo dos mais ricos, inclusive.
Criamos desejos coletivos e, consequentemente, frustrações coletivas
de ter e não ter. Vale lembrar das propagandas aspiracionais. Anúncios
de carros de meio milhão em canais abertos de TV quando o mais lógico, a
um observador desavisado, seria colocá-los em revistas AAA ou divulgar o
produto pessoa a pessoa. Mas essas propagandas não são para o
consumidor do produto e sim para aqueles que não podem tê-lo a fim de
fomentar o desejo coletivo e, dessa forma, aumentar o valor do bem,
posicionando-o socialmente.
(Quem acha que o preço tem a ver apenas com o custo do produto
deveria acompanhar uma operação de libertação de trabalhadores
escravizados em uma oficina de costura que fornece para marcas caras.)
Assim vamos hierarquizando objetos e criamos símbolos sociais.
Ao invés de preparar as futuras gerações para o “ser” sendo mais
importante que o “ter” (as mudanças necessárias no modelo de
desenvolvimento passam por aí, até porque o planeta não aguenta essa
corrida de ter cada vez mais), estamos fazendo com que elas entrem nesse
jogo de que ser é mostrar que se tem. Um amigo jornalista me perguntou
se eu acreditava que isso era possível. Bem, não sei se conseguiríamos,
pois esse discurso não é aleatório, mas serve a um propósito. Faz parte
da estrutura de defesa e reprodução do capitalismo. Ou seja, seriam
necessárias mudanças estruturais, pois o discurso é consequência, não
causa.
Contudo alguma alteracão é condição para continuarmos vivendo nesta
sociedade. O discurso do medo retroalimenta a violência. É forjado em
série por uma classe social mais rica e seus comunicadores (nós) que
mantemos a estrutura do jeito que ela sempre foi, reverberando-o –
muitas vezes – de forma acrítica a outras classes, que adotam o
discurso.
Boa parte dos trabalhadores que entraram na linha do consumo, há
poucos anos, adota com facilidade o discurso conservador. Conquistaram
algo com muito suor e têm medo de perder o pouco que têm, o que é justo e
compreensível. Mas isso tem consequências. Em pesquisas de opinião
sobre a reforma agrária, por exemplo, quem tem pouco adota por vezes um
discurso violento, que seria esperado dos proprietários de terra e não
de trabalhadores. Afirmam que, se eles trabalharam duro e chegaram onde
chegaram sozinhos, é injusto sem-teto, sem-terra ou indígenas
conseguirem algo de “mão-beijada” por parte do Estado. Ignoram que o que
é defendido por esses excluídos é apenas a efetivação de seus direitos
fundamentais: ou a terra que historicamente lhes pertenceu ou a garantia
de que a qualidade de vida seja mais importante do que a especulação
imobiliária rural ou urbana.
E que dignidade não é algo que tem que ser conquistado a duras penas
através do esforço individual, mas faz parte do pacote de direitos
sociais, econômicos, culturais e ambientais que você deveria ter acesso
simplesmente por ter nascido. Ignoram porque aprenderam que as coisas
são assim.
O contato com o “outro”, e com suas diferenças, contribui para
fomentar a consciência – coisa que não se aprende nos bancos de escola,
mas no trato com a sociedade. Não através do filtro dos jornais e das
lentes de TVs, mas pelo diálogo direto. Só dessa forma poderemos
entender o que leva a termos determinados comportamentos e aceitar
certas visões de mundo sem questionar. Informação não basta, caso
contrário os mais escolarizados teriam um comportamento mais aberto aos
direitos sociais e humanos, o que não é – necessariamente – verdade.
Deve-se saber como trabalhar com essa informação que recebemos, refletir
sobre ela e sobre nós mesmos.
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