segunda-feira, 2 de julho de 2012

Tenho muito medo do discurso do medo

por: Leonardo Sakamoto
http://blogdosakamoto.blogosfera.uol.com.br

O medo é construído diariamente por uma sociedade que torna os objetos uma estrada para alcançar a felicidade. Se perdemos o objeto, perdemos quem somos, perdemos nossa inserção e o reconhecimento à nossa existência. Se não temos, deixamos de existir. Argamassa fundamental para o fortalecimento do medo, portanto, são os discursos de pânico, que amplificam aquilo que seria apenas local, tornado universal por conta do poder de reverberação de determinado grupo atingido. O medo dos mais ricos torna-se o medo dos mais pobres – por mais que os mais pobres tenham um milhão de razões a mais para sentir medo e não apenas aquela. Medo dos mais ricos, inclusive.
Criamos desejos coletivos e, consequentemente, frustrações coletivas de ter e não ter. Vale lembrar das propagandas aspiracionais. Anúncios de carros de meio milhão em canais abertos de TV quando o mais lógico, a um observador desavisado, seria colocá-los em revistas AAA ou divulgar o produto pessoa a pessoa. Mas essas propagandas não são para o consumidor do produto e sim para aqueles que não podem tê-lo a fim de fomentar o desejo coletivo e, dessa forma, aumentar o valor do bem, posicionando-o socialmente.
(Quem acha que o preço tem a ver apenas com o custo do produto deveria acompanhar uma operação de libertação de trabalhadores escravizados em uma oficina de costura que fornece para marcas caras.)
Assim vamos hierarquizando objetos e criamos símbolos sociais.
Ao invés de preparar as futuras gerações para o “ser” sendo mais importante que o “ter” (as mudanças necessárias no modelo de desenvolvimento passam por aí, até porque o planeta não aguenta essa corrida de ter cada vez mais), estamos fazendo com que elas entrem nesse jogo de que ser é mostrar que se tem. Um amigo jornalista me perguntou se eu acreditava que isso era possível. Bem, não sei se conseguiríamos, pois esse discurso não é aleatório, mas serve a um propósito. Faz parte da estrutura de defesa e reprodução do capitalismo. Ou seja, seriam necessárias mudanças estruturais, pois o discurso é consequência, não causa.
Contudo alguma alteracão é condição para continuarmos vivendo nesta sociedade. O discurso do medo retroalimenta a violência. É forjado em série por uma classe social mais rica e seus comunicadores (nós) que mantemos a estrutura do jeito que ela sempre foi, reverberando-o – muitas vezes – de forma acrítica a outras classes, que adotam o discurso.
Boa parte dos trabalhadores que entraram na linha do consumo, há poucos anos, adota com facilidade o discurso conservador. Conquistaram algo com muito suor e têm medo de perder o pouco que têm, o que é justo e compreensível. Mas isso tem consequências. Em pesquisas de opinião sobre a reforma agrária, por exemplo, quem tem pouco adota por vezes um discurso violento, que seria esperado dos proprietários de terra e não de trabalhadores. Afirmam que, se eles trabalharam duro e chegaram onde chegaram sozinhos, é injusto sem-teto, sem-terra ou indígenas conseguirem algo de “mão-beijada” por parte do Estado. Ignoram que o que é defendido por esses excluídos é apenas a efetivação de seus direitos fundamentais: ou a terra que historicamente lhes pertenceu ou a garantia de que a qualidade de vida seja mais importante do que a especulação imobiliária rural ou urbana.
E que dignidade não é algo que tem que ser conquistado a duras penas através do esforço individual, mas faz parte do pacote de direitos sociais, econômicos, culturais e ambientais que você deveria ter acesso simplesmente por ter nascido. Ignoram porque aprenderam que as coisas são assim.
O contato com o “outro”, e com suas diferenças, contribui para fomentar a consciência – coisa que não se aprende nos bancos de escola, mas no trato com a sociedade. Não através do filtro dos jornais e das lentes de TVs, mas pelo diálogo direto. Só dessa forma poderemos entender o que leva a termos determinados comportamentos e aceitar certas visões de mundo sem questionar. Informação não basta, caso contrário os mais escolarizados teriam um comportamento mais aberto aos direitos sociais e humanos, o que não é – necessariamente – verdade. Deve-se saber como trabalhar com essa informação que recebemos, refletir sobre ela e sobre nós mesmos.



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