publicado: Gazeta do Povo -26/08/2013
Um total de 74 municípios do Paraná não tem médicos residentes. Profissionais que os atendem enfrentam estradas de chão e rotina estressante, mas resistem em morar nas cidades muito pequenas.
Marquinho tem 19 anos e nunca conseguiu atrair um doutor – ou doutora. O caso pode parecer irrelevante, mas é exemplo de um cenário preocupante. Assim como Marquinho, no Centro-Oeste do Paraná, outras 73 cidades do estado, algo como uma a cada cinco do total de 399 municípios, não têm médicos residentes. Os dados são do Conselho Regional de Medicina (CRM-PR).
Essas informações se referem apenas aos endereços dos profissionais inscritos no CRM-PR. Outra fonte, o Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde do Brasil (CNES), aponta que, até julho, 34 cidades do Paraná não tinham vínculo com profissionais do SUS. Mesmo com possíveis falhas cadastrais, os dois bancos de dados comprovam a existência de um “apagão” de profissionais em pequenas cidades do interior.
A situação não é nova. Pesquisa feita em 2008 pela Gazeta do Povo, a partir das informações do CRM-PR, revelou que 89 municípios paranaenses não tinham médicos residentes. O CNES mostrava que 33 cidades não tinham profissionais do SUS.
Da lista atual de 74 municípios sem profissionais residentes, 49 (66%) se inscreveram na primeira chamada do Mais Médicos, iniciativa do governo federal para preencher mais de 15 mil vagas em unidades de saúde. Apenas quatro foram classificadas como prioritárias, devido à vulnerabilidade social. São elas Doutor Ulysses, Mercedes, Nova Laranjeiras e Tunas do Paraná.
Na semana passada, ao anunciar o acordo para trazer 4 mil médicos cubanos pelo programa, o Ministério da Saúde informou que a primeira leva desses estrangeiros vai ser destinada aos 701 municípios que não estiveram entre nenhuma das seis opções de cada um dos 1.618 profissionais inscritos na primeira chamada. Dessas cidades que passaram a ter preferência, cinco ficam no Paraná. Novamente Tunas aparece na lista.
“Só mesmo atraindo estrangeiros para a situação mudar”, avalia Maria Accordi, secretária de Saúde de Marquinho. Na falta de profissionais que queiram morar na cidade de 4.983 habitantes, ela precisou importar dois clínicos gerais que residem em Laranjeiras do Sul, a 46 quilômetros. Uma delas é boliviana, com CRM brasileiro.
Medicina passa pela estrada de chão
Maria Gizele da Silva, da sucursal
Uma saída para que cidades afastadas tenham médicos é a viagem diária, o chamado “bate e volta”, praticado por profissionais que trabalham em vários lugares. Não é raro terem de pousar em quartos improvisados de postos de saúde e hospitais.
Tunas do Paraná fica a 90 quilômetros de Curitiba. Quatro médicos que moram na capital fazem o trajeto diário até ali. O salário médio é de R$ 15 mil, mas não incentiva os profissionais a morarem na cidade. A remuneração é similar à paga em Doutor Ulysses, também na região metropolitana. Três médicos pernoitam, de segunda a sexta-feira, mas o motivo da permanência é de ordem estrutural: melhor dormir em Doutor Ulysses do que enfrentar 50 quilômetros de estrada de chão antes de chegar ao asfalto que leva a Curitiba.
Rotinas de pernoites e longas estradas são comuns em todo o Paraná. Cinco médicos que moram em Laranjeiras do Sul, no Sudoeste, vão e voltam todos os dias de Porto Barreiro, a 18 quilômetros. O salário médio é de R$ 10 mil. O tamanho da cidade, contudo, não atrai. “Porto Barreiro não tem um colégio particular onde o médico possa colocar seu filho”, observa o secretário de Saúde, Anderson Alberto Marangoni.
O vaivém é tão cansativo quanto perigoso. Telêmaco Borba, nos Campos Gerais, não está na lista dos municípios sem médicos fixos, mas também depende de profissionais que residem fora. No início de agosto, o médico Orlando Mayer, 67 anos, viajava de São Mateus do Sul para Telêmaco Borba para cumprir plantão quando sofreu um acidente na estrada e morreu.
Em Conselheiro Mayrinck, Norte Pioneiro, a situação é melhor, em termos. Os dois médicos que trabalham ali recebem entre R$ 25 mil e R$ 30 mil para atuar no hospital, no posto de saúde e no centro da mulher. A cidade se cadastrou no programa Mais Médicos e foi contemplada. O secretário de Saúde, Sidnei Silva de Lima, diz que a vinda dos profissionais será um alívio. Dos dois médicos que atendem no município, um mora em Ibaiti, e outro vai se aposentar em outubro.
Política do “quem dá mais” inflaciona salários
O presidente da Associação dos Municípios do Paraná (AMP), Luiz Sorvos, afirma que a escassez de médicos em pequenas cidades inflacionou os salários pagos pelas prefeituras. A média de gasto por profissional nesses locais está entre R$ 20 e R$ 22 mil – mais que o dobro da bolsa oferecida pelo governo federal.
“Não há alternativa. Tem de pagar. Do contrário, outro prefeito vai lá e paga”, diz Sorvos, para quem o principal benefício da chegada dos estrangeiros será o início de um processo de adequação salarial.
Enquanto isso, os prefeitos fazem ginástica para garantir as contratações. Em Lindoeste, a 45 quilômetros de Cascavel, 10% da arrecadação de R$ 900 mil mensais é usado para o pagamento de médicos. O último profissional residente deixou o posto há 14 anos. A cidade tem 5.363 habitantes.
Dois médicos concursados atuam nas unidades de saúde do município, mas a prefeitura mantém contrato com uma clínica de Cascavel, que fornece profissionais para o hospital local. Lindoeste participou da primeira chamada do programa Mais Médicos, sem sucesso. O prefeito Silvio Santana (PMN) pretende se reinscrever no programa.
O ginecologista Celso Cardoso mora em Cascavel, mas duas vezes por semana atende em Lindoeste. Ele vê dificuldades em morar num pequeno município. “Se o sujeito for o único médico da cidade, vai ter de trabalhar 24 horas por dia, 30 dias por mês.”
Também no Oeste, Pato Bragado, com 4.823 habitantes, foi a cidade paranaense com poucos moradores a atrair um profissional do Mais Médicos. Mas não houve tempo para comemorações. “O candidato pensava que ficávamos perto de Londrina. Quando soube da distância de 400 quilômetros, desistiu”, conta a secretária de Saúde, Marciane Specht.
Há seis anos, Pato Bragado chegou a fazer um concurso para contratar um profissional por R$ 6 mil mensais. Ninguém se inscreveu. O único profissional fixo que fazia atendimento na cidade, pelo SUS, abriu um consultório particular. Os outros médicos da prefeitura recebem R$ 20 mil mensais.
(André Gonçalves, com informações de Luiz Carlos da Cruz, de Cascavel)
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