Declaração do PSTU a respeito da denúncia de racismo no Setor de Educação da UFPR
O lamentável episódio ocorrido no Setor de Educação da UFPR, já amplamente conhecido pela comunidade universitária, suscitou distintas reações e posicionamentos, dentro da universidade e fora dela.
Até o momento, nós, militantes do PSTU, não havíamos nos posicionado a respeito. Surgiram boatos de que o PSTU teria divulgado “comunicados oficiais” e de que teríamos organizado, juntamente com a ANEL, um protesto contrário à Prof. Lígia Klein. Nada disso aconteceu. Para desfazer desde já todo e qualquer mal entendido, afirmamos categoricamente: esta é a primeira declaração do PSTU a respeito do caso.
A versão dos fatos divulgada pela Prof. Lígia Klein, bem como seu pedido de desculpas e suas cartas abertas (por sinal endossadas pela maioria dos professores do Setor de Educação), são bem conhecidas do público. Em contrapartida, o testemunho das alunas foi pouco difundido. Essa desigualdade na divulgação das versões e das impressões dos envolvidos é, em si, um forte indício de que a situação é mais complicada do que parece.
Com as autoridades brancas ou com as estudantes negras? Com os opressores ou com os oprimidos?
Em primeiro lugar, queremos dizer que estamos ao lado das alunas. Somos solidários às estudantes, defendemos seu direito de protestar e de reagir contra uma situação que elas consideraram discriminatória ou ofensiva. Defendemos, inclusive, o seu direito de recorrer à justiça.
Declaramos nosso apoio a essas duas estudantes, que agora estão sendo alvo de uma reação conservadora por parte do corpo docente da universidade e inclusive por parte de organizações de esquerda que reivindicam o socialismo!
Vemo-nos com a obrigação de declarar que, infelizmente, os comentários da Prof. Lígia Klein possuíam sim forma e conteúdo racistas, discriminatórios. E a prova dessa caracterização não será encontrada em declarações ou em teorias, mas nos fatos, isto é, na reação das vítimas. São as vítimas que devem dizer se os comentários foram ou não racistas. São os seres humanos que sofrem cotidianamente a opressão na sociedade capitalista que devem dizer se foram ou não foram oprimidos. Não cabe aos brancos que reproduzem o racismo, mesmo que involuntariamente, decidir se sua conduta é ou não racista. O mesmo ocorre com todo tipo de opressão. Um exemplo é a opressão machista que sofrem as mulheres: quem tem condições de dizer o que sente sobre esse tipo de opressão são as mulheres, não os homens.
Continuam sendo racistas os comentários, brincadeiras ou insinuações que reproduzem a forma ou o conteúdo da ideologia racista, mesmo que não seja esta a intenção do autor da declaração, brincadeira ou insinuação. Essa compreensão está na base da legislação que pune a discriminação racial e também na base da lei de criminalização da homofobia, que defendemos.
Vejamos dois exemplos, para reflexão.
Na Europa, jogadores de futebol brasileiros negros são chamados de macacos pelas torcidas dos times adversários. Bananas são atiradas no campo. Trata-se de racismo, e aqui não há qualquer questionamento sobre a intenção dos autores dessa prática. Por outro lado, no ano passado, o cartunista Solda, com longa trajetória de colaboração em jornais de esquerda, desenhou um macaco humanizado supostamente fazendo o típico gesto de banana (com os braços) para o presidente Barack Obama, que visitava o Brasil. Houve reação imediata do movimento negro. A charge foi considerada racista. Em entrevistas, Solda apresentou inúmeras justificativas e pedidos de desculpas, mas não foram suficientes. A imagem até poderia ser interpretada de acordo com o que supostamente seria sua intenção original (só revelada pelo autor posteriormente), mas também poderia ser interpretada, por sinal mais facilmente, como racista: Obama teria sido retratado como um macaco.
Não há a menor dúvida, portanto, de que afirmação “Só fazendo um lanchinho, hein? Duas macaquinhas comendo banana”, que estaria registrada no boletim de ocorrência, segundo a reportagem da Folha de São Paulo do dia 04 de maio, ou afirmar que as alunas “esqueciam o texto, mas não as bananas”, como se divulgou em outras fontes, foram comentários racistas, mesmo que não tenha sido esta a intenção da Prof. Lígia Klein.
Desculpar-se ou justificar-se?
A atitude da Prof. Lígia Klein, de se desculpar imediatamente ao saber da denúncia das alunas, foi correta. A propósito, era a única atitude correta. Se o caso tivesse terminado assim, com um sincero pedido de desculpas pelo lapso, pela infelicidade da comparação, talvez não escapasse dos limites do Setor de Educação. Mas o problema se agravou a partir do momento em que a professora procurou justificar suas declarações e livrá-las da acusação de racismo.
Apoiando-se nessa reação defensiva e alimentando-a, a maioria dos docentes do Setor iniciou, a partir de então, um movimento corporativo, conservador, desenvolvendo uma operação de blindagem da professora, cujo resultado foi o desenvolvimento de uma ideologia, através de suas declarações em e-mails, que, na prática, significa a naturalização do racismo. O retrocesso ideológico foi tão grande que agora a Prof. Lígia Klein está sendo considerada uma vítima da situação, ao passo que as estudantes, que são as vítimas reais, as culpadas!
Perguntamos: se a Prof. Lígia Klein não fosse uma reconhecida militante dos movimentos sociais, as declarações teriam sido tratadas com a mesma condescendência solidária por parte de seus colegas professores? E se a “brincadeira” tivesse partido de alguém que fosse reconhecidamente um militante da direita? Ou mesmo de alguém sem qualquer militância política ou partidária?
Para nós, é justamente por se tratar de uma militante de esquerda que devemos dar mais atenção e tratar com maior rigor a questão, porque queremos que a esquerda seja a referência na defesa do programa contra qualquer tipo de opressão. Esse critério programático decorre da necessidade de unificar toda a nossa classe na luta estratégica pelo socialismo, atraindo os setores oprimidos que são submetidos à superexploração e à opressão.
Não achamos que as organizações socialistas revolucionárias vivam numa “redoma de vidro” e estejam imunes às pressões ideológicas e à moral decadente da sociedade capitalista. Ocorre justamente o contrário. Também as organizações de esquerda (e seus militantes) estão sujeitas a reproduzir as ideologias e a moral que predominam no capitalismo. Por isso, a importância da elaboração política e teórica nesse terreno, bem como o combate cotidiano às opressões na luta política e ideológica. A questão principal é como as organizações de esquerda encaram esse tipo de problema.
A intervenção da Direção do Setor de Educação agravou a opressão
As iniciativas institucionais tomadas frente ao caso, pelo Setor de Educação e pelo NEAB, em que pese a intenção de promover uma “solução mediada”, foram, a nosso ver, medidas que agravaram a opressão a que as estudantes estão submetidas.
Citamos como exemplo a reunião ocorrida no Setor de Educação, no dia 20 de abril, com a presença das duas alunas e de cinco docentes, entre eles um representante do NEAB, a vice-diretora do Setor, a professora acusada e a Coordenadora do Curso de Pedagogia. Do ponto de vista das estudantes, não poderia haver situação mais opressiva do que essa. Por que não convidar também uma representação do DCE e do Centro Acadêmico? Por que tanta desigualdade?
É óbvio que nessas circunstâncias, no interior desse julgamento sumário com aparência de comissão de conciliação, as estudantes aceitariam o pedido de desculpas e se comprometeriam a dar o caso por encerrado. Direta ou indiretamente, foram “aconselhadas” a fazê-lo.
No entanto, a opressão foi tamanha que, saindo dessa reunião, as alunas se decidiram a registrar o boletim de ocorrência, com razão, em nossa opinião.Novamente, chamamos todos e todas a se colocar no lugar de quem sofre a opressão. As alunas se sentiram coagidas ao ver toda uma movimentação de apoio à professora, perceberam que não teriam qualquer ajuda naquele espaço.
A opressão institucional se tornou ainda maior quando a Direção do Setor de Educação abriu uma sindicância para identificar os autores de cartazes apócrifos que apareceram no Setor. Nesses cartazes, manifestantes anônimos protestam contra a situação, dizendo “Prof. Lígia Klein, dê uma banana para o racismo”. Podemos discordar do teor, da forma e do método dessa campanha política, não entraremos aqui no mérito. Mas a abertura de sindicância ou de processos administrativos contra quem se manifesta politicamente, mesmo no anonimato, não nos parece uma atitude correta para uma instituição de ensino. Trata-se, uma vez mais, de uma reação burocrática, autoritária, conservadora.
Como dissemos, a atitude inicial da Prof. Lígia Klein, de se desculpar e se dispor a fazer todo o possível para reparar o dano, foi a única correta. Empenhada, porém, em justificar-se e afastar de si a acusação de injúria racista, e incentivada pelos seus próprios colegas de profissão a fazê-lo, chegou a escrever na carta aberta às duas estudantes que ela, Lígia Klein, errou, mas que as alunas também teriam errado, ao desconsiderar sua história de luta. Ora, por que um estudante que acaba de ingressar na universidade teria a obrigação de conhecer a trajetória acadêmica ou política de seus professores? E de que forma essa história poderia eximi-la da responsabilidade pelas declarações? De que forma essa história atenuaria ou anularia a opressão que as meninas sofreram e continuam sofrendo? Uma história de luta pelo socialismo aumenta a responsabilidade do militante, e não constitui em hipótese alguma um salvo-conduto permanente para declarações públicas ou privadas.
Nem um passo atrás na luta contra a discriminação racial!
Posteriormente, ainda como parte dessa reação conservadora, alguns professores do setor passaram a divulgar mensagens incitando a Prof. Lígia a processar as estudantes e a requer indenização por danos morais. Houve uma ampla articulação política de distintas organizações com o fim de prestar solidariedade à Prof. Lígia Klein, através de manifestos, abaixo-assinados e até de moções aprovadas em assembleias da categoria.
Muitas pessoas se preocuparam com a situação emocional e de saúde da Prof. Lígia, mas poucos se preocuparam com o estado emocional das estudantes, que estão sendo oprimidas, agora, por uma parcela ainda maior da comunidade acadêmica.
Nós, militantes do PSTU, queremos reafirmar nossa solidariedade e nosso apoio às estudantes.
A postura adotada pelo Setor de Educação e pelas correntes de esquerda que prestam solidariedade à Prof. Lígia Klein, e que buscam forçar as estudantes a retirar a acusação, são uma grave capitulação, um passo atrás na luta contra a discriminação racial.
Essa campanha está reforçando as posições da direita, que encontrará nesse episódio o precedente político, jurídico e institucional para ações racistas, discriminatórias. Crescerá o sentimento de impunidade. A direita se sentirá de mãos livres, principalmente na conjuntura atual, em que estamos frente à necessidade de lutar pela consolidação das políticas afirmativas de combate à discriminação, como as cotas raciais.
Para nós, a luta contra toda forma de opressão e discriminação é parte indissolúvel da luta contra a exploração capitalista. Defender em primeiro lugar os oprimidos, os explorados, as vítimas do capitalismo, essa é a missão das organizações que lutam pelo socialismo. A opressão favorece a exploração capitalista e divide a nossa classe. Nossa tarefa é manter firme a luta contra qualquer tipo de opressão, com o objetivo de unificar a classe trabalhadora na luta pelo socialismo.
Nem um passo atrás na luta contra o racismo, o machismo e a homofobia!
Defendamos o direito de reagir contra situações discriminatórias!
Pelo arquivamento dos processos administrativos ou sindicâncias envolvendo manifestantes!
Que o movimento negro aponte as medidas necessárias de reparação e as políticas para que a universidade reflita sobre o caso, com o objetivo de avançar na luta contra a discriminação racial!
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