terça-feira, 3 de março de 2015

O Paraná é terceiro estado com mais denúncias de violência contra a mulher


por: Raíssa Melo*
publicado: localizaagora.com.br

Maria disse basta. Denunciou seu marido depois de 11 anos de agressão. Maria Ferreira, 37 anos, trabalhadora doméstica, chamou a polícia quando soube que seu marido abusava de suas filhas. “Eu me enfureci, doeu, foi muito díficil aceitar que um homem que eu coloquei dentro de casa me batia e abusava das minhas filhas. Eu fugi do meu pai e encontrei um marido pior que ele”. Maria saiu do Rio de Janeiro, sua cidade natal para fugir de seu pai que a abusava desde os 11 anos de idade. “Quando eu soube que tava grávida de uma menina eu decidi fugir, eu sabia que meu pai iria fazer com ela o que fazia comigo.” Maria nunca denunciou o próprio pai, ela não queria ter alguém da familia na cadeia e sua mãe e suas irmãs depediam dele para sobreviver.Só admitiu que sofria agressões quase diárias do marido no dia em que denunciou ele para polícia.

Hoje, dois anos e meio depois que seu marido está na cadeia e seu pai já falecido, Maria toca no assunto. “ Lá em casa minhas irmãs sabiam porque eram abusadas também,e aqui eu gritava na janela , pedia socorro mas nunca nenhum vizinho me ajudou”. Mesmo longe de seu pai e com o marido preso Maria vive as consequências de seu passado.Sua filha mais velha se casou aos quinze anos para fugir do padrasto violento , saiu de casa e levou a irmã mais nova de 9 anos , prometeu a mãe que voltaria para buscar a ultima irmã que ficou com Maria porque ainda amamentava.Mesmo com o padrasto na cadeia as filhas de Maria não voltaram.

A CADA 5 MINUTOS, 1 MULHER É VÍTIMA DE ALGUM TIPO VIOLÊNCIA NO BRASIL

A história de Maria, infelizmente, não é raridade em nosso país. Segundo relatório divulgado pela Central de Atendimento a Mulher ( Ligue 180), de janeiro a dezembro do ano passado , a instuição contabalizou 732.468 denuncias de mulheres em situação de violências. Dados que revelam que a cada hora, dez mulheres são vítimas de agressão física no Brasil. Segundo a pesquisa “O Mapa da violência 2012 — homicídios de mulheres no Brasil”, publicada pelo Instituto Sangari em parceria com a Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso), 8 mulheres morrem a cada dia em razão da violência.

Maria Letícia Fagundes, médica ginecologistas e médica legista IML (Instituto Médico Legal), presidente da Associação dos Médicos Legistas do Paraná e fundadora da campanha Mais Marias Contra a Violência, comenta a posição do Paraná no ranking da violência contra a mulher “O nosso Estado tem um indíce tão alto porque denunciamos, alguns Estados atendem casos de violência, mas não notificam o que torna impossível de contabilizar.”

No Paraná existe o programa Atendimento a Mulher em Situação de Violência Humanizada, implantado desde 2002, o programa possibilita que mulher possa fazer a denúncia em qualquer hospital no próprio atendimento, poupando a mulher do constrangimento de ter que contar sua história em vários lugares. “Com o atendimento humanizado, se mulher for ao hospital em até 72 horas, a denúncia é feito dentro do hospital e uma equipe do IML é deslocada imediatamente ao local.”

A situação de violência contra a mulher é horizontal em todas as classes e atinge todas as idades. A médica explica que em cada idade a mulher está mais suscetível a um tipo de agressão. “Crianças até 17 anos são as princípais vitimas de abuso sexual, porque não possuem independência de ir até a polícia ou ligar para pedir ajuda. Já as mulheres adultas sofrem mais lesão corporal e psicológica”. Afirma Maria Letícia.

As vitímas de violência costumam possuir o mesmo perfil, mulheres com baixa autoestima, que são inseguras sobre si e o próprio futuro, muitas vezes possuem uma carência que é suprida pelo agressor. O homem violento é de alguma forma, sedutor, capaz de criar na vítima uma situação de dependência seja econômica ou afetiva.

ATÉ OS 22 ANOS, TODA MULHER QUE VIVE NO PARANÁ TERÁ SOFRIDO UMA OU MAIS VIOLÊNCIAS.

Após o cruzamento das notificações de violência femina obtidos pela Polícia Militar e os atendimentos a mulheres em situação de violência realizados pelo SUS (Sistema único de Saúde) o departamento de Saúde da Mulher da Sesa concluiu que em 22 anos de vida toda a mulher que vive no Paraná já sofreu ou será vítima de algum tipo de violência, uma ou mais vezes. A lei Maria da Penha tipifica cinco tipos de violências: doméstica, sexual, psicológica ou moral, física, intrafamiliar, institucional, patrimonial.

No Paraná, somente no ano passado foram registrados mais que 37 mil boletins de ocorrência de violências contra a mulher , sendo 30% de violência doméstica e 41% violência sexual, dados que classificaram o Paraná como 3 estado em um estudo realizado Comissão Parlamentar de Inquérito Mista (CPMI) que mapeou violência contra mulher no Brasil.

De acordo Maria Celli, coordenadora do departamento de Saúde da Mulher na Secretaria de Saúde, as mulheres já banalizaram as situações de violências “acustumamos a ouvir que não podemos usar roupas curtas em lugares com muitos homens, fingimos que não ouvimos e não vemos intimidações sexuais, ainda temos poucas mulheres em cargos de comando, tudo isso são violências. A banalização dessas violências cotidianas leva a mulher a aceitar e achar normal quando evolui para uma forma grave”.

Maria Celli afirma que a maioria dos casos de violências graves começa de uma forma sútil “um estupro começa com uma cantada, uma agressão fisíca começa com um xingamento”. Além da banalização há também subnotificação de casos por parte das vítimas. Ela explica que mulheres com nível socioeconômico cultural percebem a violência mais cedo, poque têm acesso a conceitos como violências morais, psicológicas, conhecem seus direitos e podem acionar ajuda privada de proteção, porém elas não denunciam por medo da repercussão em seus meios sociais. As mulheres de classes mais baixas podem possuir uma dependência econômica de seus agressores e já estão acostumandas com meios violentos e desconhecem seus direitos.

EM BRIGA DE MARIDO E MULHER NÃO SE METE A COLHER

O ditado popular que silencia milhares de testemunhas de agressões e torna os casos de violências ainda mais subnotificados. Os estudos do Mapa da Violência2012 – Homicídios de Mulheres no Brasil concluiu que agressões fora do ambiente familiar tem 78% de denúncias imediatas, enquanto casos de violências doméstica costumam acontecer depois de um ano consecutivo de agressões.

A antropóloga Vilma Chiara com pós-doutorado em Análise antropológicas do Gênesis afirma que a dificuldade de outras pessoas e das próprias vítimas em expor o que acontece entre família está no conceito dado a palavra família “Família é sagrado e violência é sujo , admitir que o sagrado pode estar sujo, desconstitui o conceito de sagrado.Vilma explica que se para as testemunhas o ditado popular que legitima a omissão da violência é “em briga de marido mulher ninguém mete a colher” para as vítimas existe o ditado “roupa suja se lava em casa”.

POLÍTICAS PÚBLICAS

Curitiba assinou o Pacto Nacional de Enfrentamento a Violência, com governo federal e estadual, Tribunal de Justiça, Ministério Público e Defensoria. Estratégia que garante 5 eixos: garantia da aplicabilidade da Lei Maria da Penha; ampliação e fortalecimento da rede de serviços para mulheres em situação de violência; garantia da segurança cidadã e acesso à justiça; garantia dos direitos sexuais e reprodutivos, enfrentamento à exploração sexual e ao tráfico de mulheres; e garantia da autonomia das mulheres em situação de violência e ampliação de direitos.

A capital também irá contar com a Casa da Mulher Brasileira , estrutura com serviços públicos nas áreas de segurança, justiça, saúde, assistência social, acolhimento, abrigamento e orientação para trabalho, emprego e renda. Garantindo a segurança da mulher e seus filhos

Declaração Maria.

“Foi o dia que eu fiquei mais triste e com mais raiva na minha vida. Minha filha de quinze anos tava saindo de casa e largando a escola, que já tava atrasada, para morar com um homem de 36 anos. Ela não aguentava ser mais abusada pelo meu marido e não queria mais me ver apanhar, ela levou a irmã também , só não levou a outra porque a pequeninha ainda mamava”.

Maria Ferreira, 37 anos, trabalhadora doméstica.
*Raíssa Melo: jornalista formada pela pucpr, assessora de imprensa da Unegro/Paraná

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