sexta-feira, 4 de setembro de 2009

GOG



Entrevista na Revista Constituição e Democracia

Genival Oliveira Gonçalves - o GOG, mais do que um rapper famoso, é um ator social ciente de sua importância e que exerce sua inclinação política para beneficiar todas as esferas públicas de que faz parte. Economia, segurança, arte, direito, nada escapa da observação desse candango de 44 anos, cuja história de vida é um mosaico de experiências que misturam a periferia e os centros urbanos.

Adaptamos e reproduzimos apenas parte de uma conversa de mais duas horas: um paseio crítico que nos levou desde a realidade imobiliária do distrito federal até Michael Jackson, mas sempre orbitando a música, a dança, o estilo e a poesia da cultura hip hop. Na voz de quem se comunica com muita facilidade, fica fácil ver como esses temas estão entrelaçados e como o microfone pode ser mais do que um veículo de entretenimento.

Suas letras têm um diferencial. Foi porque você cursou ensino superior?
O que define as letras que escrevo começa mesmo lá em 1983, com a Dona Sabastiana que me alfabetiza aos 5 anos com Cecília Meireles, muito contato com leitura, crônicas. Não cheguei a terminar o curso de economia. Fiz 6 semestres, faltavam 2 e aí surgiu o GOG na vida do Genival. Eu e meu amigo Frei treinávamos passinhos na sala durante o intervalo ao som de uma tape. Paralelo a isso, via aquele “bobódromo” na faculdade e pensei “o quê que eu tô fazendo aqui?”. Hoje percebo que era a geração Beatles e a geração James Brown se encontrando, aquela Pororoca, mas não identifiquei isso na época e desisti. Ainda assim, na faculdade tinha essa coisa ocidental, a metodologia científica do observar, do começo meio e fim, da delimitação do assunto, do enredo. Meu acesso a isso está nas músicas e ajuda porque as pessoas entendem o que estou falando. Pô, a letra tem que ter essa lógica, que muitos parceiros não têm e se perdem nos versos.

Nesses encontro entre diferentes culturas, ou tribos, qual impressão que o hip hop tinha da mpb?
Pra gente o pensamento dos caras era inacessível. Eu ouvia falar de Chico Buarque, mas não conseguia entender nada da letra. E na periferia, morando no Guará, a gente respirava música negra. Tínhamos os lazeres: festas que lotavam as quadras a cada fim de semana. E não dava confusão. Eram 3, 4 mil pessoas, todo mundo dançando a tarde inteira.

E não tinha discriminação contra o rap?

Mais tarde, quando fui fazer concurso público e trabalhar como bancário, eu comecei a perceber o processo de discriminação. E no próprio meio musical, os empresários viam ali uma oportunidade e aí vinham as casas de shows. Mas aí depois passou a moda e ninguém mais quer saber do hip hop. Mas na minha época era mais tranqüilo, não tinha droga, então a polícia repressora era mais política. Quer dizer, você podia dançar, curtir. A música brasileira que a gente tinha acesso não tinha nenhum protesto, era para dançar mesmo, mexer o quadril, que é a primeira acepção do “Hip Hop”, mexer o quadril. E o estilo Black estava também em artistas como Antonio Marcos, Vanusa, Roberto Carlos, Tim Maia. Mas a gente não ouvia falar de Caetano, Gil.

Você hoje faz parte do movimento Música Para Baixar, que é um forma de constestar a lógica atual da indústria fonográfica. Porque vocês são artistas independentes?
Olha, primeiramente foi por uma necessidade. Nós não somos independentes por acaso. No anos 80, quando passou a moda da black music, o mercado fonográfico não nos entendia, não queria, era preconceituoso. Ele queria o formato que já estava pronto para ele lucrar. Dai vem essa idéia da independência que na verdade é a dependência, porque você depende muito dos parceiros, de quem acredita em você, do seu público, das relações políticas que essa independência faz. Só que aí cresce, e quando cresce, o próprio mercado fonográfico que não te queria passa a te perceber. Mas você já vem com um monte de coisa guardada para falar, né. E isso prejudica o artista que está começando, mas também prejudicou o Michael Jackson. Você vê que ele nunca foi um moleque feliz na sua plenitude porque a indústria não deixou isso, não deu essa oportunidade pra ele. Desde a família, né cara, que o pai criou ele daquela forma, aí depois a indústria vem e surge o videoclipe e a MTV, e a indústria vem fazer todas as outras coisas do artista. Na mesma hora que é uma coisa muito louca, pop, que eu amo, eu falo, cara, olha, eu quero que essa indústria fonográfica que promoveu Michael Jackson, e que escravizou muita gente, que ela seja enterrada na mesma lápide junto com ele. Por isso o Música para Baixar, que é um movimento que começa como um Fórum mas tende a ser nacional. Acho que ele vai ganhar bastante força nessa discussão do direito autoral no Brasil, no mundo. Nós vamos ter uma Conferência de Comunicação, uma Conferência de Educação e Cultura, uma Conferência Justiça, uma Conferência de Segurança Pública. A gente percebe que o problema não acabou, que as ferramentas de opressão estão muito bem afiadas, em pleno funcionamento, muito bem reguladas e regulamentadas.

Não é meio irônico que hoje o hip hop seja um estilo de sucesso comercial?
Quando chega a classe média, embalada por essas músicas que a gente faz, essa coisa de saber o que tá acontecendo lá na periferia, como é que é, e aí a gente vem pro Plano Piloto, a gente vem pra os grandes centros urbanos, nos locais que nós não frequentávamos, em que não aceitavam nossas músicas, os comerciais começam a trabalhar, surge o Marcelo D2, ou o Gabriel o Pensador, que colhe toda essa parte financeira que o Rap podia ter colhido. A Negra Lee, por exemplo, eu adoro, mas não canta o nosso texto, o que a gente quer colocar com transformação. Por isso a importância do meu trabalho, do Rappin’ Hood, que traz muito dessa originalidade. Em junho, na Conferência Nacional pela Igualdade Racial aqui em Brasília, os cabeças do movimento negro brasileiro conheceram meu trabalho. Todo mundo surpreso. Depois de 20 anos de carreira o próprio movimento negro descobre o GOG, do qual eles sempre ouviam falar. Parece que é uma brincadeira. Eles ficam falando “o GOG é um cantor de Rap”. Pô, eu sou muito mais que isso. Eu sei disso e falo sem vaidade.

Foi isso que te levou a ocupar uma das 46 cadeiras de membros com voto no Conselho Nacional de Política Cultural?
O Ministério da Cultura me procurou em várias oportunidades: dar opiniões sobre o que estavam fazendo, monitorar se tinha capilaridade, se o sangue do braço tava chegando na ponta dos dedos. Em novembro de 2008 me convidaram para ser membro do CNPC, que é algo novo e eu não conhecia. Quando eu pesquiso o que é eu não acredito que eles estão me fazendo um convite para um órgão colegiado dessa importância. Daí fiquei com medo da cooptação. Mas logo percebi que estou lá como um ator social nessa formulação dos projetos de políticas públicas no Brasil. E eu estou bastante satisfeito, tanto com meu desempenho quanto com o que está acontecendo. Vêm algumas coisas agora pro Hip Hip brasileiro, para a música independente brasileira, que passaram pela minha mão e que eu pude acrescentar alguma coisa com a minha cara, com a cara que a gente imagina, com minha visão. O legal é que isso é conquistado pela discussão política, o jogo que acontece ali dentro.

É o hip hop na política.
Nós podemos fazer política sim. Não política partidária. eu sou meio avesso a essa coisa da política partidária ainda, não caiu na minha mente ainda essa idéia de que nós temos que ter um candidato do Hip Hop dentro do Congresso Nacional, que nós temos que ter um senador do Hip Hop, um deputado do Hip Hop, eu vejo isso com o pé atrás exatamente porque o poder corrompe, né cara. O poder manipula muito, então o que seria um candidato lá dentro? O que é que essa pessoa realmente votaria, que controle nós teríamos sobre o voto dessa pessoa. E eu imagino que no momento que o Hip Hop fosse falar alguma coisa ele diria: “pô, mas vocês estão envolvidos também”. Então, cadê essa coisa do Hip Hop de ser um movimento social, um movimento de ebulição, um movimento de contestação, um movimento de provocação, um movimento de inquietação. Eu acho que perde um pouco desse borbulho, sabe?

O que já foi feito no CPNC?
Estamos trabalhando no Plano Nacional de Cultura. A luta é por um plano que não seja do governo, mas federal, da federação, do país, do estado. Hoje a verba destinada a cultura é menos de 1% e o PNC vai propor ao Congresso 2%, ou seja, vai mais que dobrar.

Você já foi beneficiado por incentivos estatais?
A lei Rouanet sempre esteve distante. Eu sempre acreditei na auto gestão, cara. Meu bolso, meus trabalhos, as negociações. Todos os meus discos foram lançados com o meu dinheiro. O projeto do DVD que foi um projeto caríssimo, tudo feito com orçamento próprio. Em 2007 foi a maior produção audiovisual musical de Brasília, tem essa vanguarda, né. Hoje assumo essa maturidade e eu falo, para mim, “eu canto música brasileira”. Posso chegar pro maestro Julio Medaglia e até para o mestre Ariano Suassuna e falar, “olha, vocês precisam ter mais sensibilidade. Mesmo com toda essa sensibilidade que vocês têm, vocês têm que perceber que o novo não pode assustar tanto assim as pessoas que um dia apresentaram o novo também. Vocês não podem se esquecer disso”.
Mas aí eu tô te falando da economia privada, e como o governo não nos alcançava, e não tinha esse interesse, a gente ficava sem saber. Nunca foram nos contar de Lei Rouanet, nunca foram nos falar de Secretaria de Cultura que daria a oportunidade para você fazer um evento e que você poderia buscar isso. E como a informação no Hip Hop era relativa, nós não tínhamos acesso a isso. Mas eis que esses contatos políticos com outras classes sociais, com os universitários que chegam para nos entrevistar, para falar, mas “GOG, tem uma possibilidade de você fazer uma captação, eles têm umas filmadoras lá, dá para montar uns clips, vão lá conversar com os caras”. A gente não se encontrava e esse diálogo vai proporcionando essa aproximação. Até aí muito legal. E aí o poder público passa a perceber também.

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