publicado: jornal de Londrina
Durante o levantamento, professor e estudantes do Colégio Marcelino Champagnat e da Educação para Jovens e Adultos do Sesc flagraram atitudes preconceituosas contra negros"Temos que tomar alguma atitude concreta a respeito", enfatizou o professor Cláudio Galdino, responsável por coordenar a pesquisa (Crédito: Roberto Custódio / JL)
Um negro entra em uma loja, tenta conversar com alguns vendedores, chega a sentar-se em uma cadeira e sai do estabelecimento sem nenhum atendimento. Em outra situação, uma negra que estava sendo atendida por uma vendedora é solenemente ignorada assim que outra pessoa, branca, passa pela porta.
Os dois casos são semelhantes, e apesar de parecerem pertencer ao século passado aconteceram neste ano, no comércio de Londrina. Os flagrantes de preconceito foram identificados em trabalhos realizados pelo professor de Geografia Cláudio Francisco Galdino junto a estudantes do Colégio Marcelino Champagnat e da Educação para Jovens e Adultos (EJA) do Sesc.
Galdino conversa com as estudantes responsáveis pela pesquisa; resultados serão apresentados na sexta-feira (Crédito: Roberto Custódio / JL)
O objetivo das pesquisas, explicou o professor, era identificar a presença dos negros no comércio de Londrina, em ambos os lados do balcão. Para tanto, os estudantes passaram por supermercados, lojas do calçadão e da Rua Sergipe e pelos maiores shoppings da cidade. Os resultados devem ser concluídos no fim de semana, mas já se mostram preocupantes.
“A quantidade de negros presentes nos cargos de atendimento e venda direta é muito pequena. Em sua maioria, eles estão trabalhando em cargos menos valorizados, como auxiliares de limpeza e cozinha”, revelou.
A saída dos alunos a campo é, de acordo com Galdino, diferente de tudo que vinha sendo feito até então nas atividades da Semana da Consciência Negra. Em um nível mais profundo, serviu para que os próprios estudantes abrissem os olhos para uma realidade que, apesar de corriqueira, está muito longe de ser considerada normal.
“Falei para eles: ‘vocês vão para o shopping, mas não é para comprar, nem a passeio’. Os que já vieram falar comigo a respeito do trabalho estão se mostrando indignados. Alguns me fizeram relatos emocionados por conta desse preconceito velado. Está sendo muito marcante para eles”, disse.
Invisíveis
Pelo menos para Rhaiany Lisboa dos Santos, de 17 anos, o trabalho deu resultado. “É uma situação para a qual eu nunca tinha dado muita atenção. Agora passei a ser mais crítica em relação a isso. Por que é tão difícil ver negros como atendentes nas lojas de shoppings? Por que a gente quase não vê negros na publicidade? Parece que eles são invisíveis”, questionou.
O preconceito ficou evidente, para a estudante Geisy Bahls Fogaça, de 18 anos, na diferença do tratamento dado aos estudantes durante o levantamento em dois mercados da cidade. “Em um deles fomos bem recebidos, o pessoal do RH abriu os dados para nós. Uma das diretoras de recursos humanos, inclusive, é negra, e mostrou como a questão é trabalhada no estabelecimento. Em outro, porém, os seguranças não deixaram nem a gente entrar no mercado. O pessoal do setor administrativo ficou de nos retornar, mas até agora, nada”, disse.
Professor já sentiu na pele a discriminação
O professor de Geografia Cláudio Galdino contou à reportagem que já sentiu na pele a discriminação. A justificativa, lembrou, é um termo aparentemente inocente, mas que esconde uma quantidade imensa de preconceito: a “boa aparência”, ainda cobrada em algumas vagas de emprego.
“Eu tinha uns 15 anos e fui fazer um teste seletivo para ser empacotador de uma rede de supermercados da cidade. Fui o único a acertar todas as questões. Quando a avaliadora perguntou quem era o Cláudio que tinha gabaritado o teste, levantei a mão e ela olhou com uma cara estranha. Veio então a pessoa responsável pela seleção e me dispensou, falando na minha cara que era uma pena, mas a pessoa tinha que ter ‘boa aparência’ para trabalhar nos caixas. Até hoje, nunca mais entrei em nenhuma loja dessa rede”, revelou.
Como resultado prático do trabalho, o professor espera trazer a desigualdade à tona e convocar entidades, como a Associação Comercial e Industrial de Londrina (Acil), para um debate. “Acredito que vamos fazer uma carta aberta à sociedade, mostrando essa situação. Temos que conversar com a Acil, temos que tomar alguma atitude concreta a respeito”, declarou Galdino.
Repúdio
A assessoria de imprensa da Acil informou à reportagem que a associação deve buscar contato com o professor Cláudio Galdino para ter acesso aos resultados do trabalho. Antes mesmo da divulgação dos resultados da pesquisa, a Acil reforçou a posição de “repúdio a toda e qualquer forma de discriminação racial”.
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