sexta-feira, 28 de novembro de 2014

Audiência pública alerta ao racismo em Curitiba

A Câmara Municipal debateu, em audiência pública realizada nesta quinta-feira (27), a efetivação das políticas públicas de igualdade racial e o combate ao preconceito e ao racismo em Curitiba. Proposto pelo vereador Jorge Bernardi (PDT), o evento terá os encaminhamentos analisados por uma comissão, com representantes de diversas entidades e do Poder Público, e sintetizados em uma carta.“A audiência pública faz parte das comemorações pelo Dia da Consciência Negra. A ideia é ampliar a discussão sobre políticas públicas afirmativas, leis existentes e a situação dos migrantes”, disse Bernardi. “A partir da carta poderão surgir encaminhamentos a autoridades e a realização de outros debates, como sobre o preconceito aos haitianos e a efetivação, na rede municipal, da lei federal que torna obrigatório o ensino da história e cultura afro-brasileira.”
“Esta Câmara Municipal tem feito esforços para resgatar uma dívida histórica. O feriado é um ato simbólico de reparação”, declarou o presidente da Casa, Paulo Salamuni (PV). “Eu me pergunto por que 1.177 municípios brasileiros, sendo 11 capitais, têm o feriado do Dia da Consciência Negra instituído por lei. Vamos lutar para que reconheçam o direito de Curitiba de legislar”, acrescentou, sobre a reclamação junto ao Supremo Tribunal Federal (STF). A vereadora Professora Josete (PT) também acompanhou a audiência pública.
O presidente do Centro Cultural Humaitá e um dos organizadores da atividade, Adegmar Silva, o Candieiro, avaliou que a cidade possui um “racismo institucional”, evidenciado pela ação da Associação Comercial do Paraná (por questionar a constitucionalidade do feriado). Ele alertou que a maior parte dos assassinatos de jovens é de negros, assim como de viciados em crack.

Além de apontar a dificuldade das escolas municipais cumprirem a lei federal 10.639/2003, Candieiro afirmou que o Estatuto da Igualdade Racial (12.288/2010) determina que o racismo é crime, mas “ninguém vai preso”. Ele chamou a atenção para outras questões que também precisam de mais atenção, como as comunidades quilombolas da Região Metropolitana e a permanência na universidade dos alunos aprovados por meio do sistema de cotas raciais.

“Eu represento 21% de uma população esquecida, que sofre. Se considerarmos a Região Metropolitana de Curitiba, teremos mais de 30% de negros. Não vejo meus direitos representados na Câmara ou na prefeitura”, disse o presidente do Conselho Municipal de Política Étnico-Racial (Comper) e da União de Negros pela Igualdade (Unegro), Denis Denilto. Ele sugeriu a formação de uma comissão de vereadores para acompanhar os encaminhamentos da conferência realizada pelo conselho no ano passado.
Ex-presidente e conselheiro do Comper, Saul Dorval da Silva reiterou o alerta ao racismo institucional. “A iniciativa privada acha que nossa luta não é importante. Que não houve escravidão, racismo”, declarou. Ele apresentou propostas de lei e falou sobre o projeto de Bernardi e Mestre Pop (PSC), em tramitação na Casa, que pretende reservar vagas a afrodescendentes, pardos e indígenas em concursos municipais (005.00088.2013).
O cônsul-geral do Senegal para o Paraná e Santa Catarina, Ozeil Moura dos Santos, citou casos de racismo e pediu união aos grupos que defendem a igualdade racial. “Sem educação e cultura dificilmente vamos atingir nossos objetivos. O afrodescendente não pode mais vender o bilhete, porque quem vende o bilhete não assiste ao espetáculo”, avaliou.
O presidente da Comissão de Igualdade Racial e de Gênero da OAB Paraná, Mesael Caetano dos Santos, concorda que Curitiba é uma cidade com “viés racista”. “Da escravidão restou o preconceito e o racismo. O processo foi longo, ardiloso. O sistema canalizou uma riqueza poderosa e cravou um abismo”, afirmou. Um dos problemas apontados pelo advogado é que o negro ganha, em média, metade do salário do branco, mesmo entre os cargos de nível superior.

Líder a Associação de Haitianos em Curitiba, Laurette Bernardin pediu apoio à entidade: “Nós enfrentamos um momento muito difícil. Para trabalhar, alugar casa... Temos coragem para batalhar”. A advogada da associação, Ana Railene Siqueira, lamentou que a capital tem sido notícia na imprensa nacional devido às agressões aos haitianos. “Os relatos que ouço dão a impressão que vivemos no período anterior à Lei Áurea, quando nós, os negros, éramos considerados objetos. O racismo é uma ferida aberta, que precisa ser combatida”, completou.
“Temos que quebrar o silêncio, que é uma das grandes estratégias do racismo. Acho que precisamos (os brancos) pedir desculpas pelos nossos ancestrais pela construção do contexto que vivemos hoje”, disse a antropóloga Liliana Porto, professora da Universidade Federal do Paraná (UFPR). “Não são os negros que precisam da universidade, nós é que precisamos de um espaço plural. Nossa busca é pela igualdade de direitos”, acrescentou, sobre o sistema de cotas.
A professora Letícia de Lima, da Secretaria Municipal da Educação (SME), defendeu a educação, desde o ensino infantil, para o respeito à diversidade. “Nos CMEIs, há a preocupação desde os livros e brinquedos, como as bonecas, para que a reflitam. Temos a missão de combater o racismo”, defendeu.
O presidente da Fundação Cultural de Curitiba, Marcos Cordiolli, foi representado por Jorge Rangel. A promotora Mariana Seifert Bazzo, do Núcleo da Promoção da Igualdade Étnico-Racial do Ministério Público do Paraná (MP-PR), acompanhou a audiência pública. Após os encaminhamentos dos membros da mesa, o público participou do debate.

Com representantes do Poder Público e diversas instituições, a audiência pública alertou ao racismo em Curitiba e à necessidade de se efetivar as políticas públicas pela igualdade racial. (Foto – Chico Camargo/CMC)

A audiência pública foi proposta por Jorge Bernardi. O vereador acredita que ela possa gerar outros debates, como sobre a situação dos migrantes haitianos. (Foto – Chico Camargo/CMC)


“Vamos lutar para que reconheçam o direito de Curitiba de legislar”, disse Paulo Salamuni sobre a reclamação ao SFT pela suspensão do feriado. (Foto – Chico Camargo/CMC)


“Eu represento 21% da uma população esquecida, que sofre. Se considerarmos a Região Metropolitana de Curitiba, teremos mais de 30% de negros”, disse o presidente do Comper, Denis Denilto. (Foto – Chico Camargo/CMC)


Presidente do Centro Cultural Humaitá, Candieiro avaliou que a cidade possui um “racismo institucional, evidenciado pela ação da ACP”. (Foto – Chico Camargo/CMC)


Líder da Associação de Haitianos em Curitiba, Laurette Bernardin pediu apoio à entidade: “Nós enfrentamos um momento muito difícil”. (Foto – Chico Camargo/CMC)


O público teve a oportunidade de se inscrever e participar do debate. (Foto – Chico Camargo/CMC)

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