O dr. Brasílio ao lado do busto do “Libertador” Simón Bolívar
Orgulho. Esse é o sentimento. Foi uma noite de orgulho que entrou para a história da educação. Orgulho de pai, por ver seu filho ostentar um diploma universitário, orgulho de professor, por ver seus alunos completando um ciclo fundamental na vida, orgulho de autoridade política, por ver o resultado concreto de sua ação. E, por que não, orgulho de país, por ver uma ação afirmativa bem sucedida visar a inclusão sem rancor ou ressentimento.
Quem esteve no Auditório Simón Bolívar na noite de sexta, 14 de setembro de 2012, pode experimentar essa sensação. Orgulho. Ali transcorria a formatura da primeira turma do curso de Direito da Faculdade Zumbi dos Palmares. Estavam se formando 70 advogados negros, fato inédito no Brasil. Três nem bem se formaram e já foram aceitos pela OAB. Antonio Marcos Pereira de Almeida, 32, foi aprovado no 6º Exame Unificado quando ainda estava matriculado no 9° nono semestre. Já Carlos Eduardo Buosi, 39, e Jorge Josino da Silva, 48, foram aprovados no 7º Exame. A Zumbi dos Palmares reserva 50% de suas vagas para alunos autodeclarados afrodescendentes. Ela oferece os cursos de Administração, Tecnologia em Transportes Terrestre, Publicidade e Propaganda e Pedagogia, além de Direito. No ano que vem, terá também os cursos de tecnólogos em Recursos Humanos e em Finanças. Atualmente, 87% do seu alunado de 1700 estudantes são afrodescendentes.
Brasílio Mendes Fleury é um dos novos causídicos da cidade. Já com jeito de advogado, trajando a toga negra dos formandos, confessou estar sentindo um “prazer
Dra. Andressa Lima
inenarrável” em estar ali. “Não sei se terei tempo de praticar minha nova carreira, mas estou realizando um sonho que antes era praticamente impossível”, contou Brasílio, ele que trabalha como operador do Metrô de São Paulo. “Me engajei na Faculdade Zumbi dos Palmares desde o início porque é um projeto ambicioso e social”, disse ele que ganhou bolsa de 50% e pagou o restante com esforço. “Foram cinco anos que valeram muito a pena. Dez semestres!”, reforça. Detalhe: Brasílio tem 62 anos. É um emblema do que Zumbi dos Palmares representa.
Entre os paraninfos dos formandos estava o embaixador de Angola no Brasil Nelson Cosme. Ele fez questão de presentear os novos advogados com uma coleção de textos do líder revolucionário angolano Agostinho Neto, um
Alckmin, José Vicente, Michel Temer, Ayres Brito, Mercadante, entre outros, compuseram a mesa
poeta e herói da liberdade de seu país e da África. “Inspirados por ele, vocês agora estão aptos a trabalharem em defesa da força do direito, da inteligência e do conhecimento; em defesa do respeito à diversidade e à dignidade da pessoa humana; e em defesa da igualdade de chances para todos”, disse, com ênfase.
É o desejo de todos os formandos. A jovem Andressa Lima é um exemplo. Além de comemorar a formatura, ela estava alegre por ter sido aprovada na primeira fase do exame da OAB e se prepara para a segunda fase. “Sempre achei que podia exercer um trabalho melhor. Quero ajudar quem vem atrás, devolver para a sociedade o benefício que recebi, trabalhar para as minorias e os que sofrem discriminação”.
A Faculdade Zumbi dos Palmares surgiu em 2004 e está ajudando a formar uma classe média negra, que almeja se integrar à sociedade em que vive. “Quando lançamos essa ideia, fomos criticados, diziam que estávamos fazendo um racismo às avessas”, contou o reitor da Zumbi, José Vicente. “Por isso quero agradecer neste momento ao governador Geraldo Alckmin, que nos apoiou desde o princípio. Estive com ele pelo menos umas 50 vezes desde então e o governador sempre atendeu aos apelos e as necessidades para concretizarmos o nosso sonho”. Alckmin é o patrono da primeira turma de Direito da Zumbi dos Palmares: “Quero dizer da alegria de abraçá-los, primeiro pela formatura do curso de direito, que é a mais bela das atividades humanas, uma defesa da liberdade e da democracia, depois por ser a primeira turma da universidade. Parabéns, vocês fazem história!”
O reitor José Vicente não é apenas um sonhador que concretiza seus sonhos. Ele é também um mediador inspirado, um conciliador que consegue unir em torno de uma causa pessoas de diferentes matizes políticas, condições sociais e até países. Uma das autoridades convidadas por José Vicente a compor a mesa da cerimônia foi o cônsul geral americano, Dennis Hankins, recém chegado a São Paulo. Até recentemente ele servia em Cartum, Sudão, no coração da África. Na solenidade o diplomata representava o presidente americano Barack Obama. “Há dez anos conversamos com o governo americano, queremos aprender com a experiência deles”, contou o reitor José Vicente. Compunham também a mesa personalidades do Judiciário que foram importantes na questão das cotas, entre eles, o presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Carlos Augusto Ayres de Freitas Britto. “Poucaspessoas sabem, mas o ministro Ayres Britto”, revelou o reitor, “nos disse que assim que assumisse a presidência do Supremo Tribunal iria colocar a questão das cotas nas universidades federais em votação e vocês vão ganhar!”
O Vice-Presidente da República Michel Temer
O vice-presidente da República, Michel Temer, foi um dos primeiros a manifestar sua alegria: “Vocês todos estão de parabéns e deixaram o país orgulhoso”.Outras autoridades presentes e que de alguma forma apoiaram a trajetória da Faculdade Zumbi dos Palmares foram o Ministro da Justiça José Eduardo Cardoso, o Ministro da Educação Aloysio Mercadante e a Ministra da Integração Racial, Luíza Bairros, bem como a ex-governadora do Rio, Benedita da Silva, e o seu marido, o ator Antônio Pitanga. A Fundação Memorial da América Latina é uma das instituições que apoia a Faculdade Zumbi dos Palmares desde o início. É sempre no Auditório Simón Bolívar que são realizadas as formaturas e festas anuais da Faculdade. O presidente do Memorial, João Batista de Andrade, também compunha a mesa. Também estiveram presentes os banqueiros Pedro Moreira Salles (Itaú-Unibanco) e Luiz Carlos Trabuco (Bradesco), bem como o fundador da Unip e Objetivo, João Carlos di Genio. Os três tiveram participação importante na equipagem, investimentos, doações e contrato de estágios para alunos da Faculdade Zumbi dos Palmares.
“Hoje os negros brasileiros se juntaram no Memorial”, disse o reitor José Vicente se dirigindo à platéia, “para comemorar a vitória dos nossos filhos”. Em seguida, olhando para os alunos perfilados no palco, esperando o canudo, elogiou: “vocês já eram vencedores porque, diante de tantas escolhas possíveis, escolheram o conhecimento, que é a única chave para sair da condição discriminatória”, mas sem deixar o pé na realidade, “não se enganem, vocês serão sempre os filhos da lavadeira, os primeiros da família a ter um diploma de curso superior. A jornada não acabou, a lição de casa continua…”
Texto Eduardo Rascov
Fotos Luiz Tristão
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