sexta-feira, 11 de maio de 2012

MANIFESTO – CONFERÊNCIA RIO+20: PARANÁ O FUTURO QUE QUEREMOS



(CONSULTA PÚBLICA DO COMITÊ PARANAENSE PARA A RIO +20)


- A Conferência das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento Sustentável - Rio+20, que ocorrerá em junho deste ano, foi inicialmente saudada como uma oportunidade singular para aprofundar a discussão do desenvolvimento sustentável na sua interface com as problemáticas ambientais e sociais do planeta. Entendia-se que a conferência seria uma momento privilegiado para negociar uma agenda de propostas, objetivos e metas comprometidas em resolver as lacunas e compromissos assumidos na Rio 92, expressos especialmente nos princípios da Carta da Terra, na Agenda 21, na Convenção da Biodiversidade, na Convenção Marco sobre Mudanças Climáticas e na Declaração dos Princípios para a Administração Sustentável das Florestas. Também se esperava um posicionamento da ONU em relação aos acordos expressos no protocolo de Kioto, especialmente em relação aos anos 2012-2020, visto que a última COP do clima, realizada em Durban no final de 2011, praticamente deixou esse período “descoberto” de medidas concretas no combate ao aquecimento da temperatura planetária com origem nas atividades humanas.


- Boa parte das expectativas positivas foi, todavia, frustrada com a divulgação do “Zero Draft” (esboço zero) da ONU, quando ficou explicitada, no documento, a primazia da dimensão econômica, de fundamento neoliberal, sobre as problemáticas ambientais e sociais que assolam o planeta. Em abril último, com a divulgação do “One Draft”, muito pouco se avançou na discussão de alternativas para essas questões, visto que esta nova versão do Documento Base para a Rio+20 não identifica no atual modelo de produção e consumo a devida responsabilidade pela problemática ambiental contemporânea.


- Também não são questionadas, no referido documento, as imensas desigualdades entre os países desenvolvidos e as demais nações, nem as responsabilidades históricas dos primeiros pela degradaçao ambiental e das condições de vida no planeta. Além disso, não fica evidenciado no documento que tanto nos países ricos como nos pobres existem diferenciações entre classes sociais e outras distinções entre grupos humanos, as quais se manifestam sob múltiplas formas de preconceito, como o machismo, o racismo, a homofobia e as diversas formas de intolerências religiosas e políticas que acabam resultando em diferentes modos de apropriação dos elementos da natureza e criando variadas vulnerabilidades sociais. Ao propor ações pela “erradicação da pobreza” a ONU não considera que a discussão sobre a miséria não se dissocia do debate sério a respeito da concentração e da distribuição da riqueza e do excesso de consumo e desperdício de uma minoria privilegiada.


- Sob a retórica da “economia verde”, os documentos oficiais que antecedem a Conferência sinalizam uma clara intenção de subsidiar as discussões sob a ótica da mercantilização dos elementos da natureza indispensáveis à sobrevivência da vida humana - especialmente a água e as florestas - e dos meios de reprodução da vida, como os territórios das comunidades tradicionais. Busca-se, em tais documentos, consagrar o “direito” dos ricos continuarem poluindo e interferindo na autonomia dos territórios dessas populações, via mecanismos de compra e venda de créditos de carbono nos mercados financeiros mundiais, agora sob as alcunhas de “Redução de Emissão por Desmatamento e Degradação” e congêneres (REDD, REDD+ e outros). Se isso não bastasse, advoga-se,ainda,para o mercado e para as corporações privadas, um maior peso e protagonismo nas decisões políticas.


- Diante desse quadro, exigimos maior espaço e poder de decisão para os movimentos sociais, aos ambientalistas realmente comprometidos com a defesa da natureza e de condições dignas de vida para tod@s os seres humanos, às mulheres, aos jovens, aos indígenas e às comunidades tradicionais, às personalidades e à intelectualidade progressista, bem como, aos trabalhadores e trabalhadoras, nos processos preparatórios e na reunião de alto nível da Rio+20 a se realizar entre 20 e 22 de junho do corrente. Por outro lado, saudamos com entusiasmo e apoiamos decididamente a realização da Cúpula dos Povos na Rio+20 por Justiça Social e Ambiental, que se realizará no Aterro do Flamengo entre os dias 15 e 23 de junho. Entendemos que para a Cúpula dos Povos converge o pensamento mais amplo e avançado da sociedade civil, visando à busca de alternativas para um mundo mais justo e solidário, pautado no fim da exploração predatória da natureza, no respeito à autonomia dos povos e à soberania das nações; e no acúmulo histórico de lutas globais e locais de cunho classista, antirracista, antipatriarcal e anti-homofóbica.


- No Paraná, destaca-se a louvável a iniciativa do Fórum Permanente da Agenda 21 Paraná em articular a formação do Comitê Paranaense para a Rio+20, materializada via o Decreto 3508/2011. Embora não depositemos maiores esperanças em relação aos resultados concretos da Rio+20, entendemos que o Estado, o governo e a sociedade paranaense devem estar comprometidos com alguns princípios e propostas básicas para o futuro do Paraná. Por isso defendemos as seguintes proposições:


- A defesa da água como um bem comum à vida dos paranaenses, sendo prioridade a sua conservação e garantia de boa qualidade e os usos destinados à conservação da biodiversidade e ao abastecimento público residencial. É um bem ambiental a ser vigiado pelo Estado e a União e pela comunidade. A administração desse bem deve ser de responsabilidade conjunta de comunidades de cidadãos, dos colegiados locais e governos de todos os níveis. Queremos o controle social dos instrumentos de gestão ambiental das águas superficiais e subterrâneas do Paraná, com a criação dos comitês de bacias hidrográficas e a elaboração e a aplicação dos planos de bacias hidrográficas estabelecidos na Política Nacional de Recursos Hídricos (Lei Federal nº 9.433/97). O Estado deve oferecer apoio às comunidades atingidas por represas, desvios de cursos de água e todas as demais obras “públicas e/ou privadas”, que arbitrariamente lesam as comunidades utilizando-se das mais variadas formas de expulsão (expulsão física, compra ilícita, corrupção passiva, etc.) Repudiamos qualquer tentativa de ampliar a participação privada na gestão acionária da SANEPAR, mantendo sua função pública de abastecimento social e saneamento ambiental, sob o controle da sociedade paranaense;


- O censo de 2010 levantou a informação que somente 49,11% dos domicílios residenciais do Paraná eram atendidos por rede pública de coleta de esgotos. Como nem todos os domicílios atendidos estão conectados à rede, o percentual de ligações era ainda menor: somente 32,84% das residências tinham ligações com a rede. Assim, exigimos a universalização da rede de coleta pública de esgotos até no máximo o ano de 2015, bem como a garantia que até o final do atual governo,em dezembro de 2014, todos os lares paranaenses estajam conectados às redes públicas de abastecimento de água e tenham assegurada a coleta periódica regular dos seus resíduos sólidos;


- É indispensável a busca de fontes de energias, sustentáveis limpas e renováveis, bem como a garantia do acesso, com barateamento dos custos, para as famílias mais pobres, aos agricultores familiares e para os micro e pequenos empresários do campo e da cidade. Para isso é fundamental o caráter publico e estatal da COPEL, orgulho do Paraná. Repudiamos, portanto, veementemente qualquer tentativa de privatização do capital acionário público da COPEL ou de suas subsidiárias;


- O Paraná ainda apresenta cerca de 10% dos seus remanescentes florestais e boa parte está concentrado nas UCs. Embora nossas florestas tenham sido praticamente devastadas na maior parte do Estado em nome do “progresso econômico” esses remanescentes são fundamentais para a conservação da biodiversidade, especialmente as florestas localizadas na porção litorânea, na região do Parque Nacional do Iguaçu, na montante do Lago de Itaipu, nas UCs e nas APPs. Esses remanescentes devem ser protegidos integralmente, em lei, para as atuais e futuras gerações. Deve-se ser retomado o programa dos “corredores da biodiversidade” para garantir as necessárias circulações e trocas genéticas, fundamentais para a conservação da biodiversidade em nosso Estado e a efetiva fiscalização e gestão pública das UCs. Nesse contexto, o Zoneamento Ecológico e Econômico do Paraná (ZEE) deve ter um caráter primordialmente conservacionista e de orientação do desenvolvimento com base sustentável;


- Embora carentes de maior aprofundamento de pesquisa científica, algumas evidências do aquecimento global já repercutem em nosso Estado. Entre elas podemos citar a elevação em 1,5° C na temperatura média do nosso Estado a partir da década de 1950 e o avanço de doenças características de climas mais quentes, como a dengue, para áreas mais frias do Estado. Não acreditamos que será com programas de compensação por emissão de carbono que estaremos contribuindo para o esforço mundial em reverter o aquecimento atmosférico de origem societária, conforme preconizado pelo programa BIOCLIMA e insígnias difundidas pelos “arautos da economia verde” como o REDD e REDD+. A questão é mais profunda e envolve necessariamente a mudança nos atuais modelos de produção e consumo. O Estado do Paraná deve rever o programa do BIOCLIMA, bem como as leis que lhe dão suporte, notadamente a referente ao pagamento por serviços ambientais (PSA) e a que estabelece a Política Estadual de Mudanças Climáticas;


- O Estado deve apoiar as experiências com agricultura orgânica e agroecologia que nos revelam formas sustentáveis de produção agrícola comprometidas com as dimensões sociais, ambientais, e mantém uma relação positiva com a questão da segurança alimentar e nutricional. Apenas para ilustrar este último aspecto, vale lembrar o envolvimento da agricultura familiar do Estado (e particularmente da agricultura orgânica) no cumprimento da Lei 11.947/2009, que dispõe sobre o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) em que 30% dos alimentos para as escolas devem provir desses agricultores. Nesse sentido, repudiamos o veto governamental ao projeto 403/2011, cujo objetivo principal foi incentivar a implantação de um sistema de produção agroecológica e orgânica na agricultura familiar paranaense e apelamos à Assembleia Legislativa para que derrube o veto governamental ao projeto 403/2011. Também exigimos que se debata na sociedade paranaense a questão dos agrotóxicos e dos transgênicos, tendo por base o princípio da precaução e dos efeitos perversos ao ambiente e à saúde humana.


- As nossas cidades, especialmente as pertencentes às RMs de Curitiba, Londrina e Maringá e aos outros aglomerados urbanos, apresentam incontáveis problemas relacionados a condições inadequadas de habitação e moradia (assentamentos precários, favelas, ocupações em áreas de risco, locais com irregularidades fundiárias, etc...), falta de infraestruturas urbanas básicas, problemas de mobilidade, (in) segurança individual e coletiva, falta de destinação adequada para os resíduos sólidos e líquidos, poluição atmosférica, péssima qualidade no atendimento aos serviços básicos, mormente à saúde, à educação básica, de assistência à infância, à juventude, às mulheres e aos idosos. Conquanto desenha-se para as cidades um quadro de insustentabilidade que se alastra também para os centros urbanos menores, o Estado do Paraná deve promover e garantir o direito à cidade para todos, afirmando direitos de cidadania sobre o domínio do solo urbano em detrimento aos interesses da especulação imobiliária e combater energicamente as segregações socioespaciais. Também deve ser investido em habitação e moradia de qualidade, na eficiência, barateamento e conforto do transporte público, na segurança comunitária, no saneamento ambiental, na saúde e na educação pública de qualidade, em efetivas políticas para a infância, adolescência e juventude, mulheres, idosos, na assistência social, entre outros setores priorítários definidos no Estatuto das Cidades, nas legislações específicas e nas Constituições brasileira e estadual.


- Em novembro de 2011, havia no Paraná 1.031.579 famílias inscritas no cadastro único do Ministério do Desenvolvimento Social, sendo que dessas, 660.984 tinham renda per capita inferior a R$140,00 mensais. O total de atendidos pelo Programa Bolsa Família em dezembro de 2011 era de 444.050 famílias. Diante desses números, deve-se admitir que uma enorme gama de pessoas no Paraná ainda é carente quanto ao suprimento das suas necessidades básicas de sobrevivência material e que existem regiões, como o Vale do Ribeira e a região central do Estado, onde os índices que atestam pobreza são mais expressivos que o conjunto do Paraná. Diante disso, exigimos um amplo programa não somente de geração de empregos, mas igualmente de valorização do trabalho e de inclusão socioprodutiva que envolva outras dimensões do acesso aos requisitos básicos da conquista da cidadania plena e integral.


- Infelizmente em nosso Estado ainda são observados inúmeros casos de agressões domésticas contra mulheres e outros tipos de manifestações sexistas e machistas, especialmente no mundo do trabalho. A isso se acrescenta inúmeros casos de intolerância religiosa, racismo e demonstrações explícitas de homofobia, inclusive executadas por grupos xenófobos e neonazistas com o uso de violência física. Ao Estado cabe, pois, fomentar e aplicar as políticas de antiviolência e de promoção da mulher, consagradas na Lei Maria da Penha, no Estatuto da Mulher, nas lutas da Marcha das Margaridas, da Marcha Mundial de Mulheres, da União Brasileira de Mulheres e das mulheres negras e indígenas. O Estado também tem o papel de combater as manifestações discriminatórias, homofóbicas, lesbofóbicas e racistas e qualquer outras que atentem contra os direitos humanos e a livre manifestação religiosa e de opção sexual com o rigor da lei, além de investir pesado na educação formal, não formal e informal, do nosso povo para a mudança de pensamentos, hábitos e atitudes para banir definitivamente do seio da nossa população qualquer resquício de discriminação e intolerância.


- O nosso Estado no seu processo de desenvolvimento tem uma dívida histórica com as populações indígenas, praticamente dizimadas em nossa colonização, e com as comunidades tradicionais (além dos indígenas, ressaltamos as comunidades quilombolas, faxinalenses, ribeirinhas, de pescadores artesanais, cipozeiros, entre outros). Diante disso, o Estado tem que estar comprometido integralmente com a regularização fundiária dos territórios históricos dessas comunidades e com políticas públicas de compensação e indenização e a promoção do bem estar dessas populações. Também se ressalta que o Estado deve estar alerta com ameaça que representa o advento dos conceitos de REDD e REDD+ sobre as territorialidades dessas comunidades e assegurar a defesa dos seus territórios contra qualquer tipo de pressão econômica ou as advindas da grilagem de terras ou provenientes da especulação fundiária. Ao mesmo tempo devemos reconhecer a importância e a profundidade do conhecimento dessas comunidades em relação ao uso sustentável dos elementos da natureza. Aqui se abre um parêntese para insistir na importância do diálogo sincero de saberes entre a ciência das estruturas institucionalizadas, tanto públicas como privadas, com as comunidades tradicionais. Esse diálogo de saberes é requisito fundamental para trilhar o caminho da sustentabilidade.


- Com as oportunidades proporcionadas pela “janela demográfica” podemos avançar para além da universalização do acesso a educação básica e superior, garantindo principalmente a qualidade do ensino público em todos os níveis, sempre ressaltando a questão da recomposição real dos salários dos profissionais da educação para níveis dignos. Também é essencial investimentos em ciência e tecnologia nas nossas universidades, especialmente nas áreas voltadas para o diagnóstico e solução dos nossos problemas ambientais e sociais.


- É fundamental o fortalecimento e a autonomia institucional do Fórum Permanente da Agenda 21 Paraná, no sentido de promover o debate das lacunas e das soluções para as problemáticas ambientais do Estado. Esse fórum se revela de importância singular na estrutura institucional do Estado, porque congrega na sua composição, setores acadêmicos, empresariais, das ONGs ambientalistas e dos movimentos sociais;


- Por fim, entendemos que é necessário aprofundar e fortalecer os mecanismos de participação do povo paranaense nos processos decisórios da política, da economia e do desenvolvimento do nosso Estado.

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