sexta-feira, 24 de maio de 2013

Artigo do novo ministro do STF Luis Roberto Barroso-Cotas e justiça racial: de que lado você está?

publicado: www.geledes.org.br

Participei na semana passada, na Universidade de Harvard, de uma banca de doutorado de tese que discutia o tema das ações afirmativas no Brasil: Racial Justice in Brazil: Struggles over Equality in Times of New Constitutionalism (“Justiça Racial no Brasil: A Luta por Igualdade em Tempos de Novo Constitucionalismo”), de autoria de Adílson Moreira. O autor já era doutor no Brasil e vive nos Estados Unidos há mais de sete anos. Um belo trabalho, com uma crítica sensível e equilibrada ao discurso oficial brasileiro (“o humanismo racial brasileiro”) de que não há racismo entre nós.

O discurso de que somos uma sociedade miscigenada e de que não existe relação entre a cor da pele e o sucesso econômico e profissional. As desigualdades seriam fruto de preconceitos e discriminações sócio-econômicas, não raciais. Após desconstruir essa maneira romântica e irreal como costumávamos pensar sobre nós mesmos, o trabalho conclui que as ações afirmativas são decisivas para colocar fim, em algum lugar do futuro, na posição de subordinação e inferioridade das pessoas que têm a cor da pele mais escura.

Ações afirmativas são políticas públicas que procuram dar uma vantagem competitiva a determinados grupos, como forma de reparação de injustiças históricas. Também contribuem para criar histórias de sucesso que possam funcionar como símbolo e motivação para os grupos desfavorecidos. Cotas raciais em universidades são uma espécie de ação afirmativa. Essa não é, porém, a única forma de realizar o objetivo de inclusão. E, possivelmente, nem é a melhor. Incentivos e ensino de qualidade na primeira infância, por exemplo, são alternativas mais eficientes no longo prazo.

As cotas, porém, são um mecanismo emergencial e paliativo de promover ascensão social e, sobretudo, de propiciar à próxima geração – os filhos dos cotistas – maiores chances de romper o cerco e de ter acesso a bens sociais e valores culturais que fazem a vida ser melhor e maior. Uma “etapa”, como registrou a ministra Carmen Lúcia, ao votar no memorável julgamento da ADPF 186, relatada pelo ministro Ricardo Lewandowski, na qual se validou a política de cotas étnico-raciais.

Há três posições básicas em relação à questão racial. A primeira é a do mais puro e assumido racismo, baseado na crença de que alguns grupos de pessoas são superiores a outros. A segunda sustenta que, no caso brasileiro, somos uma sociedade miscigenada, na qual ninguém é diferenciado por ser, por exemplo, negro. Reconhecem desequilíbrios no acesso à riqueza e às oportunidades, mas eles seriam de natureza econômica, não racial. Por essa razão, os defensores desse segundo ponto de vista opõem-se às políticas de ações afirmativas, que levariam à “racialização” da sociedade brasileira, em canhestra imitação dos norte-americanos.

A terceira posição é a de que é fora de dúvida que negros e pessoas de pele escura, em geral, enfrentam dificuldades e discriminações ao longo da vida, claramente decorrente de aspectos ligados à aparência física. Uma posição inferior, que vem desde a escravidão e que foi potencializada por uma exclusão social renitente.

Em relação aos que professam o primeiro ponto de vista – o do racismo assumido –, tudo o que se pode esperar é que um dia uma luz moral ou espiritual venha iluminá-los. Onde não há racionalidade, não há argumentos a oferecer. Gente que não se impressiona com o fato de que não há raças, do ponto de vista científico, como já amplamente comprovado. Elas só existem como um fenômeno social e cultural, como uma forma de conservação de poder e de hierarquização de pessoas.

Já os que defendem o humanismo racial brasileiro, fundado na suposição de que aqui transcendemos a questão racial, acreditam sermos uma sociedade homogeneizada pela miscigenação. Todos são iguais, independentemente da cor da pele. Vale dizer: veem o que desejam e creem no que preferem, confundindo vontade com realidade. Para chegar a esta conclusão relativamente simples, basta olhar a quantidade irrisória de negros em postos de primeiro time no governo, nas empresas e nos escritórios de advocacia.

Na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), ambiente acadêmico em que habito, a política de cotas sócio-econômicas e raciais tem produzido uma revolução profunda, silenciosa e emocionante. Um laboratório de inclusão social, onde jovens pobres e negros se superam para alcançar uma vida melhor. Um pouco melhor para eles próprios. Muito melhor para os seus filhos.

Em 1998, eu dei a aula inaugural da universidade, falando para uma plateia de professores e de alunos em que quase 100% eram brancos. A cota racial era inequívoca: só entravam brancos. Este ano, voltei a dar a aula inaugural, já agora celebrando 25 anos da Constituição. Os professores continuavam todos brancos. Mas a audiência, repleta, interessada e calorosa, era um arco-íris de cores, de Angola à Escandinávia. Um dia será assim, também, no corpo docente. Um esclarecimento: não se trata de imitação do que se passa nos Estados Unidos, pois lá cotas raciais não são admitidas pela Suprema Corte.

Minha filha faz vestibular este ano. Em razão das cotas raciais, suas chances de entrar para uma universidade pública de primeira linha são mais difíceis. Eu lamento, mas não me arrependo de defender esta modalidade de ação afirmativa. Nem ela. Ambos sabemos que acima das nossas circunstâncias pessoais, estamos fazendo um país melhor. Um mundo melhor. Tenho fé que, em algumas gerações, a cor da pele será irrelevante. O processo civilizatório tem derrotado sucessivos preconceitos. Nesse dia, não precisaremos mais de ações afirmativas. Mas, até lá, é preciso escolher um lado.


Luís Roberto Barroso é professor titular de Direito Constitucional da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), mestre em Direito pela Yale Law School e doutor e Livre-docente pela UERJ. Professor Visitante – Universidade de Brasília (UNB). Visiting Scholar – Harvard Law School.

terça-feira, 21 de maio de 2013

Raça -Um filme sobre a Igualdade estréia sexta-feira em Curitiba

Uma oportunidade de reflexão sobre as questões raciais do Brasil é a proposta do filme Raça que estréia nesta sexta feira, 24 de maio, em Curitiba. O longa que chega em Curitiba promove o debate sobre desigualdade racial, apontando as necessidade das políticas afirmativas.

A obra, dirigida numa parceria entre o cineasta Joel Zito Araújo e a documentarista americana Megan Mylanm, registra cenas inéditas dos bastidores do Congresso Nacional, da criação da única TV negra brasileira, a TV da Gente, a realidade do quilombo Linharinho, no Espírito Santo, em um momento da história onde o debate racial se tornou constante no discurso público e na mídia.

Filmado entre 2005 e 2011, os diretores acompanharam de perto o cotidiano do senador Paulo Paim, do cantor e empresário Netinho de Paula e da quilombola Dona Miúda dos Santos – três personalidades negras que atuam na luta pela igualdade.

“A intenção foi promover conhecimento e produzir um filme equilibrado e respeitoso com o público, mesmo com quem está divergindo das políticas afirmativas. A proposta é assegurar justiça para essa parcela da população tão massacrada”, ressalta Joel Zito.

Ação inédita - A novidade do cinema nacional foi a decisão dos diretores da película em doar a renda obtida pela bilheteria ao Fundo Baobá para Equidade Racial, organização sem fins lucrativos, que tem como objetivo mobilizar pessoas e recursos no Brasil e no exterior para apoiar projetos pró-equidade racial.

Na ocasião da estréia, Athayde Motta, diretor do Baobá, falou sobre a importância do apoio das instituições que lutam contra o racismo. “O que esse filme faz é mostrar vários negros fazendo política, desconstruindo o imaginário daqueles que nos julgam incapazes de nos organizar politicamente. Ele mostra que as políticas afirmativas desse país são feitos por nós mesmos”, declarou.

O presidente da Fundação Cultural Palmares, Hilton Cobra, chamou a atenção para a importância do trabalho da instituição em certificar áreas quilombolas e propôs que o filme seja disponibilizado para todas as regiões quilombolas principalmente aquelas que enfrentam maior conflito.

A ministra da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), Luiza Bairros parabenizou os diretores pela iniciativa de enfrentar o racismo brasileiro explicito no discurso de alguns parlamentares. Ela afirmou que a questão quilombola é e será a grande prioridade da luta pela igualdade de direitos. “Tudo que foi exibido no filme ainda está em processo, são três histórias que se cruzam e trabalharemos com afinco para o melhor desfecho”, ressalta.

“Raça”– A obra tem início com Dona Miúda entoando cânticos da nação nagô em proteção na luta contra uma grande empresa exploradora de celulose. “O negro fez e faz esse belíssimo Brasil. Queremos que as nossas terras sejam demarcadas e tituladas para que nossos filhos possam ter acesso as políticas públicas de acesso a terra, educação e moradia”, pontuou a quilombola. “Nossa luta é pela garantia de direitos das tradições quilombolas e pela preservação e respeito das comunidades de matriz africana”, finalizou.

Um dos momentos do filme que causou emoção no público, é a cena que o único senador negro do Brasil, Paulo Paim citou Zumbi, Mandela e Gandhi durante audiência pública que discutia a constitucionalidade do sistema de cotas. “Estou orgulhoso de trabalhar nesta iniciativa, avançamos muito, mas ainda há muito por fazer. O filme vai nos ajudar nessa caminhada na busca pelo sabor da vitória permanente da nossa luta”, disse Paim, após a exibição do longa.

Na experiência pioneira como empresário da TV da Gente – A TV que tem a cor do Brasil, Netinho de Paula fala sobre a ausência da democracia racial na televisão brasileira. O sinal da TV era distribuído para o Brasil, parte da Europa e toda África do Sul. “O canal foi idealizado para todos, quero abrir espaço para os profissionais negros e tratar da diversidade social como um todo”, destaca no filme.
Daiane Souza - FCP

Joel Zito Araujo em seu discurso
Daiane Souza - FCP

Senador Paulo Paim
Daiane Souza - FCP

Dona Miúda, quilombo Linharinho, no Espírito Santo
Daiane Souza - FCP

Netinho de Paula na sede da TV da Gente
Daiane Souza - FCP

Público da Pré-estréia RAÇA
TRAILER DO DOCUMENTÁRIO RAÇA

domingo, 19 de maio de 2013

Maria briga por um teto para todos

Presidente do Movimento Nacional de Luta pela Moradia, Maria das Graças dedica a vida para conseguir uma casa para quem não tem onde morar
Marcelo Andrade/ Gazeta do Povo / Maria das Graças: articulação diária e parceria com o Ministério das Cidades
publicado:gazeta do povo
Maria das Graças Silva de Souza não queria fazer política. Só queria uma casa. Baiana de Jacobina e garimpeira por falta de opção, chegou a Curitiba em 1989, mas a verdadeira mudança de vida não veio com o deslocamento para baixo do Trópico de Capricórnio. “Eu era participante do MNLM [Movimento Nacional de Luta pela Moradia], e me chamaram para participar da ocupação do Banestado em 2003. A partir daí fui me informando, estudando, conhecendo meus direitos e meus deveres”, lembra a ex-sem-teto de 47 anos. Nascia ali uma das mais importantes lideranças da União Nacional por Moradia Popular (UNMP), movimento fundado no ano 2000 que agora se revitaliza no exercício de construção de habitações populares mediante convênios e parcerias.

Exemplo

A líder da UNMP mantém uma participação ativa na vida da entidade e consegue realizar projetos em todo o Brasil. Veja como fazer o mesmo:

• Tenha amor ao próximo: “Se eu não gostar dos outros, não vou conseguir ajudar”, afirma Maria das Graças. Essa é a primeira e mais incisiva dica.

• Informe-se: Conhecer as leis, direitos e deveres é fundamental para saber o que se quer e como conseguir. Mesmo sem formação acadêmica, Maria das Graças se informou e, graças a isso, pôde reivindicar seus direitos.

• Não espere acontecer com você: “Eu tive que esperar virar sem-teto para me informar e reivindicar meus direitos. A gente pode fazer isso antes também, não é?”.

• Acredite e faça-se acreditar: “Meus companheiros brincam que, se eu, uma mulher negra e nordestina, chegar a uma cidade e falar que tenho dinheiro para construir moradia popular, vão dar risada da minha cara”, afirma Maria das Graças. Abraçar a causa com convicção motiva outras partes a investirem nas suas ideias.

• Articule-se: A União Nacional por Moradia Popular mantém pessoas conectadas em quase todas as cidades em que atua. “A gente não tem como percorrer tantas cidades. Assim, delegamos parte dos serviços e das informações a nossos núcleos municipais.”

“Eu gostava de participar da ocupação, mas só queria mesmo pegar a minha casa e sair”, lembra Maria das Graças. Depois de três anos de luta, a casa veio, mas desde então a coordenadora nacional da UNMP quase não aproveita o teto: vive nas ruas para conseguir o mesmo para os outros sete milhões de brasileiros sem imóvel próprio. Maria conta com uma equipe pequena de voluntários, que trabalha na sede do movimento, no Alto Boqueirão. Ela articula as ações com diversos núcleos estado adentro e Brasil afora. É coordenadora nacional do UNMP desde 2005.

A líder explica a importância da entidade diante da situação do Paraná: “O estado tem 399 municípios, dos quais 320 têm menos de 50 mil habitantes. Pelo projeto Minha Casa, Minha Vida Sub50 [de apoio a municípios com menos de 50 mil habitantes], as prefeituras podem pegar R$ 25 mil, e mais R$ 5 mil de convênio com o estado, e construir casas por R$ 30 mil. Dá um trabalho danado pra conseguir pouco dinheiro”. É quando a UNMP entra.

Autorizada pelo Minis­­­tério das Cidades, a UNMP consegue, segundo Maria das Graças, financiamento de R$ 59 mil pelo Minha Casa, Minha Vida para cidades com população entre 30 mil e 50 mil habitantes e de R$ 49 mil para municípios menores do que isso. E ainda há o financiamento do Fundo Nacional de Habitação e Interesse Social, que custeia a elaboração dos projetos e banca outras despesas administrativas. “A contrapartida da prefeitura é dar o terreno e infraestrutura, e ajudar no social. Não há quem recuse”, brinca. A entidade ainda trabalha com administração direta, na contratação de arquitetos, engenheiros e todos os outros profissionais para a elaboração do projeto. Tudo financiado pelo Ministério das Cidades.

Como tudo que depende de parcerias, convênios e repasses, o processo é lento e imprevisível, pois depende de leis municipais e uma porção de variáveis, como licenças e outras burocracias. Nada que impeça apontar alguns números. “Conseguimos entregar no dia 15 de dezembro 150 unidades em Apucarana. Tem mais 150 unidades em São José dos Pinhais, só aguardando licença ambiental; 400 em Ponta Grossa, num projeto quase concluído; 450 em Tibagi; 160 em Marilândia do Sul; e 150 em Borrazópolis. Tudo quase pronto”, conta.

Hoje, Maria da Graça diz que é incapaz de fazer algo que seja apenas para ela. Tudo é em prol do coletivo, e o dinheiro é curto, mas dá. “A gente consegue cerca de R$ 4 mil por mês do Ministério das Cidades para financiar a sede, mas temos R$ 7 mil de conta para pagar. O resto a gente recebe de gente que apoia, como pode, a entidade. Se a gente for esperar ter dinheiro pra fazer as coisas, acaba não fazendo nada.”

Líder recusa propostas de filiação partidária

Maria das Graças deixou de ser despolitizada, mas não deixou de ser apartidária. Recusa-se a qualquer oportunidade de filiação partidária por acreditar que assim te m mais liberdade em suas articulações e em suas exigências.

No entanto, ela deixa claro que entende o interesse político por trás de toda a ação social. “Não tem problema nenhum o prefeito subir no palanque com a gente para inaugurar moradia. Mas não pode fazer disso moeda de troca, e tem que atender as nossas demandas, senão a gente vai para a rua protestar, independente do partido ou das alianças que ele possa ter”, adverte.

Foco no social garante efetividade das ações do grupo

Além da moradia, a parte social também é reforçada pela liderança de Maria das Graças. Um grupo de debates é estabelecido com os núcleos das cidades para conscientizar os futuros moradores a não migrar para cidades já inchadas e a não vender o imóvel, entre outros temas.

“Se a pessoa quer se mudar para Curitiba porque na cidade dela não consegue um emprego, não tem escola para as crianças, falta hospital, a gente conscientiza as prefeituras e proporciona local de trabalho e de comércio no térreo das moradias. Em uma das unidades, que tem muita gente que trabalha com material reciclado, vamos fazer uma cooperativa em um outro terreno. Em outra unidade, vai haver um espaço para costura no próprio empreendimento”, conta. Parcerias com federações de empresas também capacitam os futuros moradores e garantem uma fonte de renda.

Discurso do Senador Requião: 13 de Maio, Brasil não tem nada a comemorar

discurso feito no Senado, em 13 de maio, relembrando os 125 anos da abolição

Segundo informa o Google, o homem mais velho do mundo chama-se José, mora no interior da Amazonia e tem 128 anos; e há duas mulheres mais velhas do mundo, a senhora Luo, chinesa e a senhora Candúlia, cubana, ambas com 127 anos.
Pois bem, senhoras e senhores senadores, José já estava com três anos e Luo e Candúlia com dois quando aconteceu a efeméride que hoje lembramos, o fim da escravidão dos negros em nosso país. Portanto, o brasileiro, a chinesa e a cubana são mais velhos que a dita Lei Áurea, assinada pela generosa e alva princesa, como até hoje ensinam às nossas criancinhas.
Por mais longevos que sejam os citados, a realidade — aviltante e infamante realidade— é que a libertação dos negros foi tão recente que não supera sequer uma vida um pouco mais estendida.
Na verdade, e a bem dela, nada temos a comemorar.
Não porque fomos o último país do mundo a reconhecer os negros como seres humanos, detentores dos mesmos direitos que os de pele clara, como já antes havíamos reconhecido, depois de uma infalível bula papal, que o índio possuía alma.
Por isso também deveria o Brasil cobrir-se de vergonha.
Não porque em vez de se indenizar os negros, sequestrados na África e submetidos aqui ao trabalho forçado, exigiu-se antes a indenização dos senhores de escravos, como condição para o abominável resgate dos homens e mulheres pretos. Na fala do trono de 3 de maio de 1888, dias antes da tal Lei Áurea, a dita e celebrada redentora elogiou “a abnegação dos proprietários” por abrir mão de suas “peças”, sem que recebessem o resgate pelo sequestro de toda uma raça.
Por isso também deveria o Brasil cobrir-se de vergonha.
Nada temos a comemorar, acima de tudo, porque há 125 anos não cessamos de perseguir, humilhar, torturar e assassinar os negros, em uma contínua, implacável e impiedosa campanha contra os descendentes de africanos que sequestramos e escravizamos.
É a nossa vingança de pele e alma brancas contra os amaldiçoados filhos de Cam. Escaparam da senzala, mas não escaparam de nosso ódio. A contragosto, contra o nosso aprazimento e proveito, foram soltos, mas não se libertaram de nosso preconceito; não escaparam de nossos olhos, da precisa seleção epidérmica que sabemos fazer tão bem……. e disfarçar. Afinal, somos homens cordiais.
À feição de Borges, vamos a alguns breves capítulos da história brasileira da infâmia contra os homens e mulheres pretos.
Foram três séculos de escravidão negra no Brasil. Malditos 300 anos. Tão amaldiçoados que nem os próximos 300 anos serão suficientes para purificar o país da crueldade contra um povo, condenado ao opróbrio por causa da cor da pele.
Talvez soubéssemos mais ainda sobre essa vergonha se os arquivos da escravatura no país não tivessem sido destruídos. É como age a nossa elite branca e racista, é como a casa grande escreve a história.
Foi assim também que ela agiu depois da ditadura de 1964-1985, queimando arquivos, escondendo corpos, tentando apagar mais um capítulo de seu infamante e maldito mando.
A queima dos arquivos da escravatura impede-nos de saber com exatidão quantos negros foram sequestrados na África; quantos morreram no transporte; quantos morreram nos primeiros tempos do cativeiro, pela violência do tratamento, pela inadequação ao trabalho forçado ou das lembranças da liberdade, das tristezas da sujeição. E quantos foram assassinados pelos senhores, pelos sinhozinhos e sinhazinhas? E quantas Baronesas de Grajaú cegaram e assassinaram seus negros?
Não sabemos muito, queimaram os arquivos, como a ditadura o fez, porque a desmemória é também um instrumento de dominação
A história brasileira da infâmia, pinçada na verdade dos fatos, talvez pudesse começar com a chegada dos africano aos portos brasileiros. Assim que desembarcados, eram submetidos a dois rituais, a duas sinalizações: eram ferrados e marcados em brasa e, batizados. Marcados na pele e marcados na alma, estavam aptos para serem admitidos nas senzalas e na bem-aventurada comunidade cristã, estavam habilitados ao cativeiro e aos reinos dos céus.
Embora assinalados com o sinal da salvação tinham que construir seus próprios locais de oração. E temos então essa ignomínia chamada “Igrejas dos Homens Pretos”, porque o Deus e os Santos dos brancos, ainda que fossem os mesmos dos negros, não poderiam ser conspurcados, ultrajados com o insulto aviltante da presença dos negros, na hora da missa, há hora do terço. Um apartheid imundo, asqueroso patrocinado pela Santa Madre.
Estão aí, pelas cidades brasileiras, testemunhando essa infâmia, as tantas “Igrejas e Irmandades dos Homens Pretos”. Como será que os senhores de escravos, os padres, as piedosas sinhás e sinhazinhas imaginavam o céu? Para ascendê-lo, os negros seriam transmudados em brancos?
Confesso que sempre tive curiosidade em saber o pensamento da Santa Madre sobre esse grave, transcendental assunto.
Tirantes as ações de um que outro padre ou freira, a Igreja foi omissa, conivente e partícipe desse tricentenário holocausto dos negros no Brasil. É celebre a frase de Joaquim Nabuco. Disse ele, botando uma pá de cal em todas as tentativas de se relativizar o papel da Igreja, notadamente de sua indolente hierarquia, na escravização e maus tratos aos negros.
Eis a conclusão do abolicionista:
“A Igreja Católica, apesar do seu imenso poderio em um país ainda em grande parte fanatizado por ela, nunca elevou no Brasil a voz a favor da emancipação”.
As sementes da dor espalham-se e germinam por todo canto da terra brasileira. A história de nossa infâmia prolonga-se, estende-se, ultrapassa os trezentos anos do cativeiro dos negros.
As sementes da dor marcam o passado e marcam o presente.
Rio Grande do Sul, novembro de 1844, Massacre de Porongos, último e aterrador ato da Revolução Farroupilha.
Os “Lanceiros Negros”, corpo de escravos engajados no movimento, estão acampados enquanto as forças rebeldes e do Império discutem o fim do levante. De repente, forças imperiais invadem o acampamento dos Lanceiros e massacra-os. Desarmados na véspera, pelo comando farroupilha, privados de suas temíveis lanças e clavinas os escravos defendem-se com as mãos. Mais de cem deles são assassinados.
Há quem jure pela autenticidade de uma carta do Duque de Caxias ao general David Canabarro, comandante rebelde, combinando o massacre. O extermínio dos “LanceirosNegros” evitaria contratempos.
Mortos e enterrados, não exigiriam a libertação, como lhes fora prometido pelos revolucionários; silenciados pela chacina, não ajudariam a fomentar um movimento abolicionista no país, não serviriam de exemplo para outros levantes.
Segundo historiadores gaúchos, depois da Revolução, quase todos dos os negros que participaram do levante foram recambiados ao Rio de Janeiro para serem vendidos como escravos. O sonho de liberdade terminou no mercado do Valongo.
São Paulo, outubro de 1992, quase 150 anos depois do Massacre de Porongos, o Massacre do Carandiru:
“ E quando ouvir o silêncio sorridente de São Paulo
diante da chacina
111 presos indefesos, mas presos são quase todos pretos
ou quase pretos (…) de tão pobres (…)
e pobres são como pretos e todos sabem como se tratam os pretos (…) ’’.
Libertados em 1888, os negros continuaram sendo tratados como sempre o foram, pois “todos sabem como se tratam os pretos”.
A libertação não significou qualquer mudança de comportamento da sociedade em relação a eles. E tinham razão os Paulino de Souza e os Cotegipe, que se opunham à extinção da escravatura, brandindo dois argumentos: os negros ficariam ao desamparo, sem trabalho e sem sustento; e os negros seriam fator de grave perturbação da ordem.
Não era necessário ser um escravagista obstinado, como eram Paulino de Souza e o Barão de Cotegipe, para antecipar a tragédia, a catástrofe que se abateu sobre os negros libertos.
Ao contrário do que dizem até hoje alguns historiadores e trêfegos cronistas, para quem a extinção da escravatura nada extinguiu porque não havia mais negros no cativeiro, o 13 de maio de 1888 encontrou perto de um milhão de negros nas senzalas.
Os mesmos que inventam agora a “ditabranda”, tentando suavizar os terríveis anos do arbítrio, inventaram no passado a “escravaturabranda”, tentando dar cores suaves aos 300 anos do holocausto da raça negra em terras brasileiras.
Um desses ligeiros, espertos rabiscadores de bobagens, à moda da Folha de S. Paulo, chegou a dizer que a escravatura negra no Brasil foi mais branda que o trabalhão assalariado na Inglaterra, no início da revolução industrial. Até pode ser, mas o que isso adoça, ameniza o cativeiro?
Não decorreram muitos anos para que a óbvia previsão dos escravagistas sobre o infortúnio dos negros libertos tornasse história. Afinal, os abolicionistas pouco ou nada se preocuparam com o dia seguinte. Ora, encerradas as solenidades do dia 13 de maio, que os negros libertos se atirassem ao mercado de trabalho, ao maravilhoso mundo das livres relações da oferta e da procura de mão-de-obra.
Ora, não queriam ser livres? Pois eram livres, que fossem atrás da sobrevivência, que os nossos ilustres abolicionistas tinham mais o que fazer, afinal a vida seguia.
Nas últimas décadas do século 19 e primeiras do século 20, explodem por todo o Brasil as consequências da omissão, da indiferença do governo e da sociedade quanto ao destino dos pretos.
O que são Canudos, Pau de Colher, Caldeirão da Santa Cruz do Desterro, Contestado? O que são esses levantes que se espalham em sequência, país afora, dos anos seguintes à abolição até a década de 40 do século passado?
As sementes da dor e do abandono germinaram revoltas.
E todas elas, cada uma delas foram impiedosamente, sanguinolentamente sufocadas. Massacre de Porongos, massacre do Conselheiro, massacre da Serra do Araripe, massacre de Casa Nova, massacre dos Pelados. Em cada uma dessas guerras de extermínio de pobres e pretos, firma-se a nossa tradição de matar, chacinar pobres e pretos.
Capítulos dolorosos, ensanguentados da história brasileira da infâmia.
Em Pau de Colher, entre 1937 e 1938, depois do assassinato de todas as mulheres e de todos os homens, as crianças sobreviventes foram mandadas para Salvador, Bahia e reeducadas em casas de famílias, em instituições religiosas, em quartéis.
Uma dessas crianças, anota o blogueiro José Fortes, torna-se anos mais tarde um dos oficiais do Estado Maior das Forças Armadas que participa do golpe militar de chefes militares do golpe de 1964.
O que me faz retornar mais uma vez à letra de Haiti, de Caetano Veloso:
…….quando você for convidado para subir no adro
da Fundação Casa de Jorge Amado
para ver do alto a fila de soldados quase todos pretos
dando porrada na nuca de malandros pretos (…..)
É longa tradição, a bem aprendida lição de fazer dos próprios negros os capitães de mato à busca dos negros que transgridam a ordem estabelecida dos brancos.
E são negras ou quase negras ou quase pretas, de tão pobres são tratadas, as milhares de crianças que todos os anos são abatidas a tiros nas ruas de nossas cidades.
Em 2010, quando, mais uma vez, como hoje, avolumaram-se as vozes a favor da redução da maioridade penal, foram assassinadas no Brasil, oito mil e seiscentas crianças.
Ouçam, registrem, não fujam, não tapem os ouvidos: em 2010 foram assassinadas no Brasil 8.600 crianças! E, no ano passado, mais de 120 mil crianças e adolescentes foram vítimas de maus-tratos e agressões, segundo registros oficiais, e como os registros oficiais são o que são, talvez seja lícito quintuplicar esse número.
Mas não basta. Esse massacre ainda é pouco, queremos mais: queremos emancipar essas crianças, torná-las legalmente adultas para poder prendê-las, julgá-las, condená-las, e transformá-las em bandidos. Para assassiná-las, não importamos que sejam crianças. Mas queremos mais, queremos julgar como adultos os que escaparam do massacre. Não queremos que sobre ninguém, como em Porongos, em Canudos, em Pau de Colher, no Caldeirão, no Contestado, em Carajás, no Carandiru.
(….) mas (…) são quase todos pretos
ou quase pretos ou quase brancos, quase pretos de tão pobres
e pobres são como pretos e todos sabem como se tratam os pretos
Será que não bastam esses capítulos tão terríveis dessa nossa história da infâmia? Será que a nossa impiedade vai agora acrescentar a ela infâmia da redução da maioridade penal?
Mais de oito mil crianças assassinadas no Brasil em 2010. Mas a morte delas não apareceu nos noticiários, não arrancou discursos indignados, não mobilizou campanhas na mídia e na internet.
Não, porque..
(…..) são quase todos pretos
ou quase pretos (…)quase pretos de tão pobres
e pobres são como pretos e todos sabem como se tratam os pretos (…)
Para encerrar, ocorre-me um versinho:
“ Treze de maio
é um dia muito bonito
a congada se reúne
para festejar São Benedito;
Izabel é uma santa milagrosa
libertou a escravidão
por ser muito caridosa.”
E não poderia deixar também de lembrar de outro hino:
“A 13 de maio na cova da Iria,
No céu aparece a Virgem Maria,
Ave, Ave, Ave Maria…”
A 13 de maio de 1917, dá-se a aparição de Nossa Senhora de Fátima a três crianças portuguesas. E, partir daí, por muito tempo, o dia 13 de maio, firmou-se em nosso calendário não como o dia da libertação dos escravos pretos e sim o dia da alvíssima senhora de Fátima.

sábado, 11 de maio de 2013

Legado afro em solo paranaense

HERANÇA CULTURAL
125 anos após a publicação da lei que extinguiu oficialmente a escravidão no Brasil, as marcas da população africana são significativas no Paraná


Uma história que tinha tudo para dar errado. Por cerca de três séculos, eles foram retirados à força de suas famílias e viraram escravos em solo brasileiro. Estima-se que de 4 milhões a 7 milhões de africanos atravessaram o Oceano Atlântico em navios negreiros. Oficialmente, a escravidão só terminou há 125 anos, quando a Lei Áurea foi publicada, no dia 13 de maio de 1888. A imigração forçada obrigou os africanos a adotarem o Brasil como sua nação.

Mas a história dá voltas e hoje é impossível imaginar o país sem a contribuição dos descendentes de escravos.

Em busca de uma casa cultural

Também prestes a completar 125 anos em Curitiba, a Sociedade Operária Beneficente 13 de Maio transformou-se em ponto de encontro entre pessoas das mais diversas etnias, que se reúnem para dançar e se divertir. Mas o sonho do presidente, Alvaro da Silva (foto), é resgatar a importância cultural do espaço. “Quero transformar a Sociedade em uma verdadeira casa cultural, onde se celebrem as mais diversas atividades características do negro. Além do samba, quero ter capoeira, maracatu e grupos de dança”, afirma.

Fundada por negros libertos no fim do século 19, a Sociedade funciona com um clube, com presidente e 15 diretores. “Aqui é a casa do negro em Curitiba e não podemos deixar que o 13 desapareça na história”, ressalta o presidente. Segundo ele, muitos avanços já são sentidos. “Tem as cotas, que podem ajudar a deixar a gente em condição de mais igualdade, o que é muito importante para todo o país. Afinal, o que seria do Brasil sem os negros?”, indaga.

Festa

Para celebrar os 125 anos da Sociedade, no dia 13 de maio haverá um missa às 17 horas na Igreja do Rosário, seguida de um arrastão de maracatu até o clube às 19 horas. A partir das 20 h começam as festividades, com presença de Tunico da Vila (filho de Martinho da Vila). Os ingressos antecipados estão à venda por R$ 25.

25,4% da população do Paraná é formada por pardos e 3,1%, por pretos (nomenclatura oficial), segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Contribuições


O que seria, por exemplo, da literatura sem Machado de Assis? Onde estaria o país do samba? O legado cultural transmitido a outros grupos pelos afrodescendentes é inegável. “A arte barroca deve muito aos negros. A música e a literatura também”, exemplifica o coordenador do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros da Universidade de Brasília (UnB), Nelson Inocêncio.

No Paraná, onde muitas vezes se dá mais valor à imigração europeia, a história não é diferente. As marcas dos africanos são presentes e significativas em todo o estado. Para explorar a história quase esquecida dos negros no Paraná, a exposição “Passado e Presente: caminhos de uma identidade”, realizada pelo Museu Paranaense, em Curitiba, será aberta ao público na próxima terça-feira.

Presença no PR

A mostra conta com imagens, documentos e objetos que fizeram parte do passado dos negros no estado e também fotos de quem representa a história no presente, com pessoas trabalhando e se divertindo. “Mostramos que o negro está, aos poucos, conquistando espaço e respeito”, conta o antropólogo e curador da exposição, Jurandir de Souza.

Em Curitiba, não há como passear pelo centro histórico e não se lembrar dos negros. “Todos os prédios da região foram construídos por braços negros”, afirma Souza. Monumentos fazem menção ao passado e presente negro na capital do estado: a Igreja de Nossa Senhora do Rosário, fundada por uma irmandade negra em 1737, o pelourinho da Praça Tiradentes e o antigo Largo da Fonte, construído na Praça Zacarias em homenagem ao mulato Zacarias de Góes e Vasconcellos – primeiro presidente da província do Paraná (1853-1855). A obra foi concluída em meados de 1871.

Há ainda a Praça Zumbi dos Palmares, em homenagem ao ícone da resistência à escravidão. No interior do estado as referências também existem, como a Fazenda Capão Alto, em Castro, que abrigou uma comunidade de escravos no século 19. Isso para citar só alguns exemplos.

Segundo o antropólogo, é o legado cultural o mais representativo da comunidade negra no estado e no país. “Nesse aspecto a contribuição é imensa; passa pelo carnaval, pela gastronomia, pelas danças, pela capoeira”, ressalta Souza.

Apesar de trocas culturais, faltam inclusão social e cidadania

Que o legado cultural existe e está debaixo de nossos olhos não resta dúvida. Porém, a discriminação racial ainda é apontada como motivo de preocupação por estudiosos do tema. O coordenador do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros da UnB, Nelson Inocêncio, ressalta que todo século 20 foi praticamente perdido. “Não existiram políticas públicas capazes de inserir os negros na sociedade. Neste século é que se começou a discutir melhor a questão”, afirma. Ele avalia que as cotas nas universidades e a obrigatoriedade de as escolas ensinarem a história afro são avanços conquistados. “Mas isso é só o começo”, salienta.

Segundo ele, há debates tensos com setores mais conservadores da sociedade. “Há pessoas intolerantes, que não respeitam o candomblé, por exemplo. Mas por outro lado temos uma lei que torna o racismo um crime”, diz.

O professor de História Luiz Geraldo Santos Silva, da Universidade Federal do Paraná, afirma que o Brasil ainda é preconceituoso. “Trocas culturais não significam cidadania e não significam respeito à cultura negra”, ressalta.

Para o antropólogo Ju­randir de Souza, gradativamente os negros estão sendo mais respeitados. “As políticas afirmativas contribuem, mas ainda assim precisamos de uma inclusão social, já que temos uma massa que é excluída e os excluídos são negros.”

Influências
Confira algumas contribuições da cultura de origem africana para a construção do Brasil:

• Música: Além do samba, outros ritmos também vieram da África, como maracatu e congada. Sem falar de instrumentos popularizados no país, como agogô, atabaque e berimbau.

• Culinária: Ingredientes como o leite de coco, a pimenta malagueta, o gengibre, o milho, o feijão preto, o amendoim, o mel, a castanha, as ervas aromáticas e o azeite de dendê não eram conhecidos nem usados no Brasil antes da chegada dos africanos.

• Idioma: As línguas africanas exerceram tanta influência no modo de falar do povo brasileiro que a nossa língua já é considerada diferente do português de Portugal. Na Bahia, são usadas cerca de 5 mil palavras de origem africana.
Fonte: Agência Brasil

quinta-feira, 9 de maio de 2013

Documentário sobre a contribuição da capoeira para a identidade cultural do país é lançado no Rio

Da Agência Brasil
Rio de Janeiro – A contribuição da capoeira para constituição da identidade histórico-cultural brasileira é tema do documentário Paz no Mundo Camará: a Capoeira Angola e a Volta que o Mundo Dá, de Carem Abreu, lançado hoje (8) na sede do Arquivo Nacional, no centro do Rio. Com trilha sonora do cantor Gilberto Gil e cerca de 50 entrevistados, entre mestres, artistas e pesquisadores, o documentário retrata as mudanças de percepção da capoeira no país: de atividade marginal a instrumento de inclusão social, reconhecida como Patrimônio Cultural Brasileiro.
O documentário é resultado de três anos de registros visuais da cineasta e da antropóloga Carolina Césari. Elas pesquisaram 58 locações em cinco estados (Rio de Janeiro, Bahia, Minas Gerais, Pernambuco e Alagoas) e levantaram mais de 300 documentos iconográficos do acervo do Arquivo Nacional. “A pesquisa começou no ano de 1602, com o surgimento do Quilombo dos Palmares e vai até 2011, com a morte, aos 92 anos de idade, do mestre João Pequeno de Pastinha”, disse Carem.

Durante as gravações, elas identificaram quatro movimentos marcantes no processo de sedimentação da capoeira no contexto social brasileiro: origem à diáspora, que abrange as mudanças ocorridas entre os séculos 16 e 18; marginalização e perseguição, do século 18 ao século 20; folclorização e institucionalização, séculos 20 e 21; e globalização e projetos sociais, que corre a partir do século 21.

Segundo a diretora, há 100 anos a capoeira foi considerada uma atividade criminosa, chegando a ser incluída no Artigo 402 do Código Penal de 1890, que tratava dos vadios e capoeiras. A arte passou por diversos movimentos até ser transformada em símbolo dos movimentos de resistência sociocultural. “A capoeira é hoje um instrumento de paz no mundo”, disse Carem.

Sobre o reconhecimento da importância da capoeira nas últimas décadas, a antropóloga Carolina declarou que “muitas vezes as pessoas da comunidade não valorizam seus mestres, considerando-os de pouco valor cultural”. Atualmente, segundo ela, “os estrangeiros entendem mais a representatividade cultural da capoeira para a construção da identidade brasileira, e por isso decidimos fazer esse filme. A ideia é mostrar a importância dos saberes populares para ampliar o seu valor simbólico para essas pessoas”.

Edição: Aécio Amado

Programa Nacional de Bolsa Permanência agora é Realidade

Mariana Tokarnia
Repórter da Agência Brasil


Brasília - Estudantes comemoram o Programa Nacional de Bolsa Permanência, anunciado hoje (9) pelo Ministério da Educação (MEC). Para os movimentos estudantis, a bolsa é uma conquista, uma reivindicação de anos por parte dos estudantes. Estudantes indígenas, no entanto, veem o benefício com ressalva. Segundo eles, será preciso um controle mais rígido para que as bolsas sejam destinadas a quem realmente vem de comunidades tradicionais.

"Atualmente, alunos de baixa renda são incorporados, mas não há condições suficientes para que permaneçam estudando. O governo não dá uma política a altura e temos uma evasão óbvia", contextualiza o presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE), Daniel Iliescu. Ele considera o programa um avanço, mas diz que ainda pode melhorar em alguns aspectos. "Serão beneficiados aqueles matriculados em cursos com uma carga horária média de cinco horas diárias. Esse benefício deveria ser estendido a todos os estudantes de baixa renda independente do curso". Ele adianta que as bolsas precisarão de reajustes periódicos.



Os estudantes indígenas identificam outro problema. Presentes no evento, eles também estão satisfeitos com o benefício, que inclusive terá um valor superior para indígenas e quilombolas, mas, para que sejam considerados membros de comunidades tradicionais, será pedida apenas uma declaração com a origem familiar. "Existe, hoje, estudantes não indígenas que pegam declarações com lideranças e conseguem benefícios", diz a estudante da Universidade de Brasília Vilma Benedito, da etnia Tupiniquim.

"Achei favorável a medida para os estudantes. Eles vêm [para as universidades] com a esperança de ter conquistas e muitas vezes não conseguem se fixar, pela dificuldade financeira, pela dificuldade com a língua. A bolsa é importante para os indígenas, mas deve haver uma forma de filtrar, senão será apenas mais uma forma de favorecer os não indígenas", acrescenta Vilma.

Os estudantes começam a receber a bolsa do Programa Nacional de Bolsa Permanência em junho deste ano. O pagamento será feito diretamente aos estudantes por meio de cartão do Banco do Brasil. Para participar do programa, serão exigidos dois critérios: renda per capita mensal inferior a 1,5 salário mínimo e estar matriculado em cursos com carga horária de no mínimo cinco horas diárias. Os estudantes receberão mensalmente R$ 400. No caso dos indígenas e quilombolas, a bolsa será R$ 900.

Para manter a bolsa, os estudantes deverão frequentar as aulas e ter um bom desempenho acadêmico. Os cadastros deverão ser aprovados pelas universidades e institutos federais e serão mensalmente homologados pelas instituições. Poderão ser beneficiados tanto os estudantes que ingressaram este ano pela Lei de Cotas Sociais (12.711/2012) quanto os que preenchem os critérios e estão há mais tempo matriculados nas instituições.

As bolsas assistenciais poderão ser cumulativas com bolsas meritocráticas, como bolsas de pesquisa e extensão. O prazo máximo para o estudante continuar recebendo o benefício é até dois períodos além do tempo de conclusão do curso, caso, por algum motivo, atrase a graduação. Após esse prazo, a bolsa será cortada.

O Ministério da Educação não tem estimativa de quantos serão os beneficiados, nem de quanto será investido, segundo a pasta, os cálculos serão consolidados a partir da próxima semana, quando as universidades terão acesso ao cadastramento online. No entanto, o ministro da Educação, Aloizio Mercadante, diz que a assistência estudantil (moradia, alimentação, transporte e construção de bibliotecas) é prioridade do MEC e que "não temos problema de recurso orçamentário. Isso está assegurado". Ao todo, estão previstos para este ano, R$ 650 milhões em assistência.

Edição: Fábio Massalli