domingo, 19 de maio de 2013

Maria briga por um teto para todos

Presidente do Movimento Nacional de Luta pela Moradia, Maria das Graças dedica a vida para conseguir uma casa para quem não tem onde morar
Marcelo Andrade/ Gazeta do Povo / Maria das Graças: articulação diária e parceria com o Ministério das Cidades
publicado:gazeta do povo
Maria das Graças Silva de Souza não queria fazer política. Só queria uma casa. Baiana de Jacobina e garimpeira por falta de opção, chegou a Curitiba em 1989, mas a verdadeira mudança de vida não veio com o deslocamento para baixo do Trópico de Capricórnio. “Eu era participante do MNLM [Movimento Nacional de Luta pela Moradia], e me chamaram para participar da ocupação do Banestado em 2003. A partir daí fui me informando, estudando, conhecendo meus direitos e meus deveres”, lembra a ex-sem-teto de 47 anos. Nascia ali uma das mais importantes lideranças da União Nacional por Moradia Popular (UNMP), movimento fundado no ano 2000 que agora se revitaliza no exercício de construção de habitações populares mediante convênios e parcerias.

Exemplo

A líder da UNMP mantém uma participação ativa na vida da entidade e consegue realizar projetos em todo o Brasil. Veja como fazer o mesmo:

• Tenha amor ao próximo: “Se eu não gostar dos outros, não vou conseguir ajudar”, afirma Maria das Graças. Essa é a primeira e mais incisiva dica.

• Informe-se: Conhecer as leis, direitos e deveres é fundamental para saber o que se quer e como conseguir. Mesmo sem formação acadêmica, Maria das Graças se informou e, graças a isso, pôde reivindicar seus direitos.

• Não espere acontecer com você: “Eu tive que esperar virar sem-teto para me informar e reivindicar meus direitos. A gente pode fazer isso antes também, não é?”.

• Acredite e faça-se acreditar: “Meus companheiros brincam que, se eu, uma mulher negra e nordestina, chegar a uma cidade e falar que tenho dinheiro para construir moradia popular, vão dar risada da minha cara”, afirma Maria das Graças. Abraçar a causa com convicção motiva outras partes a investirem nas suas ideias.

• Articule-se: A União Nacional por Moradia Popular mantém pessoas conectadas em quase todas as cidades em que atua. “A gente não tem como percorrer tantas cidades. Assim, delegamos parte dos serviços e das informações a nossos núcleos municipais.”

“Eu gostava de participar da ocupação, mas só queria mesmo pegar a minha casa e sair”, lembra Maria das Graças. Depois de três anos de luta, a casa veio, mas desde então a coordenadora nacional da UNMP quase não aproveita o teto: vive nas ruas para conseguir o mesmo para os outros sete milhões de brasileiros sem imóvel próprio. Maria conta com uma equipe pequena de voluntários, que trabalha na sede do movimento, no Alto Boqueirão. Ela articula as ações com diversos núcleos estado adentro e Brasil afora. É coordenadora nacional do UNMP desde 2005.

A líder explica a importância da entidade diante da situação do Paraná: “O estado tem 399 municípios, dos quais 320 têm menos de 50 mil habitantes. Pelo projeto Minha Casa, Minha Vida Sub50 [de apoio a municípios com menos de 50 mil habitantes], as prefeituras podem pegar R$ 25 mil, e mais R$ 5 mil de convênio com o estado, e construir casas por R$ 30 mil. Dá um trabalho danado pra conseguir pouco dinheiro”. É quando a UNMP entra.

Autorizada pelo Minis­­­tério das Cidades, a UNMP consegue, segundo Maria das Graças, financiamento de R$ 59 mil pelo Minha Casa, Minha Vida para cidades com população entre 30 mil e 50 mil habitantes e de R$ 49 mil para municípios menores do que isso. E ainda há o financiamento do Fundo Nacional de Habitação e Interesse Social, que custeia a elaboração dos projetos e banca outras despesas administrativas. “A contrapartida da prefeitura é dar o terreno e infraestrutura, e ajudar no social. Não há quem recuse”, brinca. A entidade ainda trabalha com administração direta, na contratação de arquitetos, engenheiros e todos os outros profissionais para a elaboração do projeto. Tudo financiado pelo Ministério das Cidades.

Como tudo que depende de parcerias, convênios e repasses, o processo é lento e imprevisível, pois depende de leis municipais e uma porção de variáveis, como licenças e outras burocracias. Nada que impeça apontar alguns números. “Conseguimos entregar no dia 15 de dezembro 150 unidades em Apucarana. Tem mais 150 unidades em São José dos Pinhais, só aguardando licença ambiental; 400 em Ponta Grossa, num projeto quase concluído; 450 em Tibagi; 160 em Marilândia do Sul; e 150 em Borrazópolis. Tudo quase pronto”, conta.

Hoje, Maria da Graça diz que é incapaz de fazer algo que seja apenas para ela. Tudo é em prol do coletivo, e o dinheiro é curto, mas dá. “A gente consegue cerca de R$ 4 mil por mês do Ministério das Cidades para financiar a sede, mas temos R$ 7 mil de conta para pagar. O resto a gente recebe de gente que apoia, como pode, a entidade. Se a gente for esperar ter dinheiro pra fazer as coisas, acaba não fazendo nada.”

Líder recusa propostas de filiação partidária

Maria das Graças deixou de ser despolitizada, mas não deixou de ser apartidária. Recusa-se a qualquer oportunidade de filiação partidária por acreditar que assim te m mais liberdade em suas articulações e em suas exigências.

No entanto, ela deixa claro que entende o interesse político por trás de toda a ação social. “Não tem problema nenhum o prefeito subir no palanque com a gente para inaugurar moradia. Mas não pode fazer disso moeda de troca, e tem que atender as nossas demandas, senão a gente vai para a rua protestar, independente do partido ou das alianças que ele possa ter”, adverte.

Foco no social garante efetividade das ações do grupo

Além da moradia, a parte social também é reforçada pela liderança de Maria das Graças. Um grupo de debates é estabelecido com os núcleos das cidades para conscientizar os futuros moradores a não migrar para cidades já inchadas e a não vender o imóvel, entre outros temas.

“Se a pessoa quer se mudar para Curitiba porque na cidade dela não consegue um emprego, não tem escola para as crianças, falta hospital, a gente conscientiza as prefeituras e proporciona local de trabalho e de comércio no térreo das moradias. Em uma das unidades, que tem muita gente que trabalha com material reciclado, vamos fazer uma cooperativa em um outro terreno. Em outra unidade, vai haver um espaço para costura no próprio empreendimento”, conta. Parcerias com federações de empresas também capacitam os futuros moradores e garantem uma fonte de renda.

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