quarta-feira, 3 de dezembro de 2014
A subversão dos Racionais MC’s
Considerado o nome mais importante do rap brasileiro, grupo paulistano lança disco depois de 12 anos sem um álbum de inéditas Publicado gazeta do povo - em 03/12/2014 | Rafael Rodrigues Costa
O recém-lançado Cores & Valores, sexto disco de estúdio do Racionais MC’s, veio à luz na semana passada já cercado por uma expectativa pesada .
O quarteto paulistano se tornou o mais emblemático grupo de rap brasileiro ao ganhar uma projeção enorme nos anos 1990, se valendo de métodos independentes e músicas com denúncias fortes da desigualdade e do racismo, dotadas de uma lucidez que não apenas elevou os rappers a porta-vozes da juventude pobre e negra brasileira, mas que também foi legitimada e investigada por críticos e acadêmicos.
Disco
Cores & Valores
Racionais MC’s. Independente/Boogie Naipe. R$ 9,99 (digital, no Google Play Música) e R$ 23,90 (CD).
Opinião
Novo disco mostra que grupo não pretende reverenciar o passado
Com uma linguagem por vezes cifrada e ideias densas nas entrelinhas, pode ser que o novo disco não se comunique imediatamente com quem esperava a volta dos Racionais MC’s como eram conhecidos. Mas uma mensagem parece clara: o grupo, embora tenha gravado faixas de tom memorialista como “Quanto Vale o Show”, não pretende reverenciar o próprio passado e entregar aos fãs só aquilo que eles querem ouvir.
Neste sentido, é uma pequena subversão os rappers gravarem um disco de meia hora depois de 12 anos, e uma ousadia levarem diferentes afetos e dimensões mais sensíveis à sua música depois de se firmarem como gurus com um discurso mais direto. Cores & Valores, ainda que aparentemente mais despretensioso e até pop quando traz uma balada romântica, por exemplo, busca o risco, e não a comodidade do status de ícone que os Racionais MC’s conquistaram (talvez, até em parte devido ao silêncio do grupo nesse período em que tanta coisa mudou não apenas no rap). No caso deles, isso é importante para que não se tornem caricaturas de si mesmos. E para que as expectativas diante do próximo disco, que não deve demorar, sejam ainda maiores.
Depois do álbum Nada Como Um Dia Após O Outro Dia (2002), no entanto, Mano Brown, Ice Blue, Edi Rock e o DJ KL Jay entraram em um hiato de novas criações.
Foram 12 anos em que o grupo se absteve de fazer novos comentários sobre a realidade que havia retratado com tanta contundência desde o fim da década de 1980. Considerado o nome mais importante do rap brasileiro, grupo paulistano lança disco depois de 12 anos sem um álbum de inéditas Publicado em 03/12/2014 | Rafael Rodrigues Costa
Isso em pleno período de mudanças na arena política e na sociedade brasileira – em especial, nas periferias das grandes cidades que sempre foram o objeto de sua obra.
A curiosidade sobre o que os Racionais teria a dizer depois de tanto tempo ultrapassou os círculos do rap.
A resposta, um disco fugidio, fragmentado e ambíguo, subverte as expectativas por um trabalho mais concreto e de leitura fácil.
Em pouco mais de meia hora, os Racionais, envoltos por uma sonoridade pesada e francamente aberta a tendências mais recentes do rap norte-americano, dão recados em faixas que chegam a ter menos de um minuto (um choque para fãs apegados a narrativas e crônicas de discos anteriores que chegavam a durar em torno de dez minutos). E se permitem dedicar faixas de pegada pop para falar, por exemplo, de amor (“Eu Te Proponho”), citando Gilberto Gil e Cassiano.
Mas essa é a impressão superficial. Acontece que Brown, Blue, Edi Rock e parceiros como Negreta (do também paulistano Rosana Bronks) estão dizendo mais com menos palavras, em sintonia com a urgência dos tempos digitais.
Os temas (e Ice Blue já disse que, apesar da chegada da tevê, do computador e do micro-ondas, a periferia continua sofrendo com os mesmos problemas) seguem orbitando o universo de denúncia do grupo, que ainda fala sobre racismo e desigualdade – “a fábrica que exporta criminalidade” (“Mal e Bem”).
Os Racionais seguem provocando, de forma parecida com o não menos legítimo funk ostentação, ao lembrar que os bens de luxo nas vitrines dos shoppings, embora destinados a outro segmento da sociedade, podem ser fortemente desejados pelos moleques “de pé no chão, mal vestidos, sem comer” que os cercam do lado de fora (“Eu Compro”); retratam a mentalidade do crime com uma verossimilhança sempre inquietante (“A Escolha que Eu Fiz”); e denunciam a criminalização do rap e da população pobre ao contar, de seu ponto de vista, o que aconteceu na Virada Cultural de São Paulo em 2007, quando o público de seu show entrou em choque com a polícia na Praça da Sé (“A Praça”). São os mesmos Racionais, 12 anos depois. Mais maduros, talvez.
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