- “Rio sem discurso”
- João Cabral de Melo Neto
- Quando um rio corta, corta-se de vez
O discurso-rio de água que ele fazia;
cortado, a água quebra-se em pedaços,
em poços de água, em água paralítica.
Em situação de poço, a água eqüivale
a uma palavra em situação dicionária:
isolada, estanque no poço dela mesma,
e porque assim estanque, estancada;
e mais: porque assim estancada, muda,
e muda porque com nenhuma comunica,
porque cortou-se a sintaxe desse rio,
o fio de água por que ele discorria.
O discurso de um rio, seu discurso-rio.
chega raramente a se reatar de vez;
um rio precisa de muito fio de água
para refazer o fio antigo que o fez.
Salvo a grandiloqüência de uma cheia
lhe impondo interina outra linguagem,
um rio precisa de muita água em fios
para que todos os poços se enfrasem:
se reatando, de um para outro poço,
em frases curtas, então frase a frase,
até a sentença-rio do discurso único
em que se tem voz a sede ele combate.
- Laroye Exu
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