terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

      “Rio sem discurso”
      João Cabral de Melo Neto
    Quando um rio corta, corta-se de vez
    O discurso-rio de água que ele fazia;
    cortado, a água quebra-se em pedaços,
    em poços de água, em água paralítica.
    Em situação de poço, a água eqüivale
    a uma palavra em situação dicionária:
    isolada, estanque no poço dela mesma,
    e porque assim estanque, estancada;
    e mais: porque assim estancada, muda,
    e muda porque com nenhuma comunica,
    porque cortou-se a sintaxe desse rio,
    o fio de água por que ele discorria.

    O discurso de um rio, seu discurso-rio.
    chega raramente a se reatar de vez;
    um rio precisa de muito fio de água
    para refazer o fio antigo que o fez.
    Salvo a grandiloqüência de uma cheia
    lhe impondo interina outra linguagem,
    um rio precisa de muita água em fios
    para que todos os poços se enfrasem:
    se reatando, de um para outro poço,
    em frases curtas, então frase a frase,
    até a sentença-rio do discurso único
    em que se tem voz a sede ele combate. 
    Laroye Exu

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