sábado, 23 de fevereiro de 2013

CARTA NEGRA DE PINHAIS

IX ENCONTRO DE EDUCADORES NEGROS E NEGRAS DO PARANÁ
(Novembro 2012)


“Os homens [e mulheres] são movidos por sonhos, pelas imagens que os habitam, pelas representações ideais que flutuam em suas mentes – as palavras que pronunciam e os atos que realizam são determinados por sua imaginação, poderíamos meditar sobre as imagens carregadas em nós, tornando-nos conscientes de como elas nos impelem constantemente a ter certos pensamentos e realizar certos gestos, imagens, formas, sonhos são sinetes e a matéria é cera.” (Zolla, 1978)

Os guerreiros e guerreiras, participantes do IX Encontro Estadual de Educadores Negros e Negras do Paraná, reunidos em Pinhais nos dias 26, 27 e 28 de novembro de 2012, reafirmam que esse encontro é ação do movimento negro, é uma conquista dos/as educadores/as negros/as, de todos/as aqueles/as que estão aqui hoje e se identificam como negros/as, de todos/as os/as não negros/as que vem ao longo do tempo contribuindo para a construção de uma sociedade de igualdade.
Estamos reunidos nesse IX Encontro, não apenas para cumprir uma lei ou ainda para que o governo faça propaganda, dizendo que governa junto com os movimentos sociais e que preocupa-se com  questões étnico-raciais, mas sim, estamos aqui porque acreditamos que nós educadores/as negros/as somos uma chama de esperança para nossos/as estudantes negros/as que todos os dias são desrespeitados/as pelo simples fato de serem negros/as, de terem uma cor de pele que marca uma história de muita dor e violência, mas também de muita luta e resistência.
Basta de piadas racistas, do uso do poder para nos humilhar, do racismo velado ou institucional. Chega de discursos contrários às cotas, a Lei nº 10.639/03, de preconceito contra as religiões de matriz africana.
Passados 317 anos do assassinato do herói negro Zumbi dos Palmares, dos 124 anos da abolição inacabada, dos 09 anos da criação do Art. 26-A da LDB, dos 02 anos do Estatuto da Igualdade Racial, e de pouco mais de 2 meses da Lei de Cotas nas Instituições de Ensino Superior Federais (IES), passou da hora de darmos um basta a todos os estereótipos racistas criados em relação a população negra.
Os sonhos que movem os educadores negros e negras do Paraná são que os lugares da população negra não sejam os estabelecidos pela escravização criminosa, mas sim na educação, no direito, na medicina, na comunicação, na política, nos espaços de direção, enfim, em todos os lugares; que a nossa cor de pele não seja obstáculo para nada; que tenhamos nossa ancestralidade dignificada e que políticas públicas sejam efetivamente implementadas para promoção da igualdade racial, para o combate aos racismo e para uma efetiva reparação do escravismo criminoso que perdurou em nosso País por quase quatro séculos e que hoje dissimulado em uma nova roupagem,  chamado racismo institucional, impregnado não apenas em atitudes individuais, mas em práticas coletivas da organização do Estado Brasileiro.
Basta ver o extremo preparo das forças policiais para agredir pobres, negros/as, homossexuais, como tristemente demonstra o mapa da violência, a exemplo de episódios envolvendo jovens negros, no Jardim Igapó em Londrina, e mulheres negras, no Bairro Alto em Curitiba, onde além da ofensa à dignidade da pessoa humana, constata-se explicitamente o racismo institucional.
Ou na “sutileza” de detalhes, como nas precárias condições para a realização desse encontro, o que reposiciona o racismo neste País, tendo o Estado como seu protagonista, na medida em que a infraestrutura destinada ao evento não oferecia acessibilidade, condições sanitárias ou possibilidades de interação, congraçamento e representação cultural afro-brasileira material e imaterial (alimentação, danças, tambores, vestimentas, artes, religiosidade, etc).
Ter prioridade na execução de políticas públicas de promoção da igualdade racial e de combate ao racismo significa assegurar e executar orçamento, infraestrutura condigna, respeito às conquistas sociais presente na Constituição e na legislação brasileira, combate a violação de Direitos Humanos e garantir o exercício da cidadania.
Ressaltamos a força do IX Encontro Estadual de Educadores Negros e Negras do Paraná como chama de esperança para a construção de uma sociedade de igualdade e democrática; as manifestações críticas que apontaram os obstáculos que ainda existem na luta pela promoção da igualdade racial e as moções de repúdio a Associação Comercial do Paraná pelo seu posicionamento contrário a aprovação do feriado municipal do dia 20 de novembro e de apoio a Câmara Municipal de Curitiba pela transformação do dia 20 de novembro (Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra – Lei Federal nº 12.519/2011) em feriado municipal; bem como o conjunto de proposições elaboradas durante o encontro e anexas a esse texto.
Considerações Críticas:
Acreditamos que não bastam palavras de solidariedade na luta pela igualdade racial, faltam testemunhos aonde a crítica e a autocrítica, por um histórico de naturalização da opressão, exige uma coragem de vencer uma cultura de racismo e preconceito. As palavras quando não acompanhadas de uma ação tornam mais distante o que perseguimos com perseverança que é a construção de uma sociedade de igualdade e respeito à dignidade humana. E motivados pela crença no poder das palavras apenas associado à força da ação é que manifestamos a nossa indignação com a estrutura física disponibilizada para o IX Encontro Estadual de Educadores Negros e Negras do Paraná, a nossa revolta com a constatação de que a dignidade humana ainda continua ultrajada pelo racismo presente nas denúncias de violência contra a população negra comunicadas durante o encontro. Sentimos-nos agredidos diante do diagnóstico realizado no encontro que indica que as políticas públicas de promoção da igualdade racial não estão sendo conduzidas de maneira a surtir o efeito necessário ou não tem recebido o investimento adequado.  Exigimos respeito ao que prevê a legislação brasileira, investimento nas políticas públicas de promoção da igualdade racial e além das palavras de solidariedade, que sinalizam uma intenção, a ação voltada para a estruturação de uma parceria sólida na construção da igualdade racial.

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