segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Paisagens da alma de Paulo Moura

por* Rafael Costa 
Livro conta a trajetória da consolidação do músico como solista em entrevistas à sua esposa, a escritora e psicanalista Halina Grynberg
“Se ele se perder dentro de casa, a gente acha”. A brincadeira, citada pela escritora e psicanalista Halina Grynberg como uma das descrições possíveis para o saxofonista, maestro, compositor e arranjador Paulo Moura, tem mais significado do que parece. Diz sobre um traço de ingenuidade na personalidade do músico, mas o torna ainda mais complexo – afinal, ao mesmo tempo, era genial e organizado, e é considerado um dos mais importantes nomes da música brasileira. “O Paulo tinha um caráter que era surpreendente nos detalhes”, diz Halina, autora do recém-lançado Paulo Moura, Um Solo Brasileiro (Casa da Palavra, 2011), e esposa do músico durante 26 anos.

Em cerca de 20 horas de entrevistas a Halina, gravadas entre 2008 e 2009, Moura conta trajetória da sua consolidação como músico solista, desde seus primeiros passos no estudo do piano, aos 9 anos, passando pela sua mudança de São José do Rio Preto (SP) para o Rio de Janeiro, onde atuou como ensaiador e arranjador de orquestras de rádio e tevê, até chegar às gravações de discos importantes na década de 70, já como instrumentista reconhecido. Paulo também fala sobre a família, referências estéticas e reflexões conceituais sobre a música.

Em meio às respostas, Halina faz observações, explica o imprevisível fluxo de pensamentos do entrevistado, descreve expressões corporais e narra pequenos momentos do cotidiano do casal. “Trazer esses momentos foi a maneira de trazer o Paulo para perto do público e, ao mesmo tempo, trazer um relato que só eu conheço”, diz a autora. “Não é o jornalismo do fato. São paisagens da alma”, diz.

Trajetória
Veja alguns dos principais momentos da carreira de Paulo Moura contados no livro:
15 de julho de 1932
Nasce em São José do Rio Preto (SP).
1941
Ganha a primeira clarineta.
1945
Muda-se com a família para o Rio de Janeiro.
1951
É contratado como primeiro saxofonista solista da Orquestra de Oswaldo Borba na Rádio Globo.
1956
Grava “Moto Perpétuo”, de Paganini, seu primeiro disco de 78 rotações solo.
1958
Viaja para a então União Soviética, acompanhando os cantores Nora Ney, Jorge Goulart, Dolores Duran e Maria Helena Raposo.
1959
Fica em primeiro lugar no concurso para clarinetista do Theatro Municipal do Rio de Janeiro.
1962
Grava, com Sergio Mendes e o baixista Otavio Bailly, o LP Cannonball Adderley e o Bossa Rio.
Entre 1969 e 1971
Grava quatro LPs com a gravadora Equipa, em parceria com músicos como Wagner Tiso.
Dos anos 1970 aos anos 2000
Já reconhecido como artista solo, foi arranjador, regente, diretor artístico e compositor em discos, trilhas sonoras para teatro, tevê e cinema. Com mais de 40 discos lançados, ganhou o Grammy em 2000.
12 de julho de 2010
Morre, no Rio de Janeiro, vítima de um câncer no sistema linfático.


Solo

De acordo com Halina, Moura tinha como “profissão de vida” dedicar-se exclusivamente à própria música. Ele aceitava fazer direções artísticas e arranjos para alguns artistas, como foi o caso de Marisa Monte. Mas, se fosse para subir ao palco, teria que ser “lado a lado” com os nomes principais. “Para ele, o palco era um lugar sagrado”, diz.
Para isso, enfrentou dificuldades, já que o espaço para este tipo de artista era escasso em sua época. “Ser negro também o transformou em excepcionalidade”, lembra Halina, que recebeu, dias após a morte de Moura – de câncer linfático, em 12 de julho de 2010 –, um certificado do Congresso norte-americano em reconhecimento ao papel do músico na superação do racismo por meio da união da música erudita, do jazz e da música das ruas do Rio de Janeiro. “Ele reinventou a percussão afro-brasileira. A música do Paulo tem um gingado e um deslocamento que é tipico da rítmica africana”, diz Halina, que vê nessas ideias uma “provocação criativa”. “O natural e o ideológico são visceralmente compostos no Paulo”, diz.
Legado
Halina conta que Moura pediu que ela continuasse o seu trabalho. Pa­­ra isso, criou o Instituto Paulo Moura, que não tem sede física ou re­­cursos, mas que deverá ser conduzido aos moldes de um movimento artístico. “Este livro é um manifesto”, diz a autora. “O que ele queria era passar essa matriz para novas gerações, produzir músicos instrumentais brasileiros de qualidade”, diz. “Paulo é um da­­queles heróis impregnados de fé, que têm um dever com a comunidade. São anjos guias, que se sentem com essa responsabilidade”, diz. “Por isso, ele nunca cessou esforços.”
  
*publicado: gazeta do povo-01/08/2011|

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